Os problemas da (falta de) participação da defesa na persecução penal
Durante a persecução penal – nas fases policial e judicial -, há um afastamento da defesa técnica, que é tratada como mera formalidade.
Isso acontece, por exemplo, quando são chamados os Advogados apenas para a assinatura do auto de prisão em flagrante, sem qualquer orientação do cliente quanto ao seu interrogatório.
Ainda na fase policial, o Advogado raramente é chamado para participar da inquirição de testemunhas, mesmo que tenha procuração nos autos. Às vezes, por ter contato com as pessoas envolvidas, o investigado (cliente) surpreende/constrange o Advogado perguntando sobre o depoimento marcado para ouvir alguém.
No que tange às medidas cautelares, há uma previsão legal – recentemente melhorada pela Lei Anticrime – no art. 282, §3º, do CPP, que é pouco conhecida e diuturnamente desrespeitada/manipulada. Trata-se da previsão de que, como regra, existe contraditório prévio em relação à decretação de medidas cautelares:
Art. 282, § 3º, do CPP: Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional.
Ora, não é raro que, na prática, os Juízes desconsiderem totalmente a regra e utilizem diretamente a exceção (decretação da medida sem contraditório), afirmando que se trata de caso urgente ou de perigo de ineficácia da medida. A exigência de fundamentação com elementos do caso concreto, apesar de ser um limite, é facilmente manipulável.
Na instrução processual, especificamente nas audiências, os Magistrados utilizam a parte final do “caput” do art. 212 do CPP (“não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”) quase que exclusivamente contra a defesa. Dificilmente indeferem uma pergunta feita pelo Ministério Público.
Em relação às diligências, enquanto o Ministério Público pode simplesmente requisitar informações ou documentos, a defesa não tem o mesmo poder, precisando “solicitar” e, em caso de indeferimento, deverá requerer ao Magistrado, que não raramente também indeferirá o pedido, afirmando que se trata de medida protelatória ou impertinente. Às vezes, a defesa é intimada para informar o que pretende provar com tal diligência, algo teratológico que produz a necessidade de antecipar nos autos a estratégia defensiva.
Para piorar o cenário, é comum observar, nas decisões de correição parcial ou habeas corpus que tenham como objetivo o pedido de reconhecimento do cerceamento de defesa, afirmações de que o fato não gera prejuízo. Essa negativa de prejuízo acontece, inclusive, em casos de condenação do réu.
Pode-se afirmar que, no sistema penal, a atuação da defesa no processo penal não é desejada, mas apenas tolerada (ainda assim, nem sempre).
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