No AgRg no HC 548.869-RS, julgado em 12/05/2020, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não se admite a incidência do princípio da insignificância na prática de estelionato qualificado por médico que, no desempenho de cargo público, registra o ponto e se retira do hospital (leia aqui).
Informações do inteiro teor:
Cinge-se a controvérsia a saber acerca da possibilidade do trancamento de ação penal pelo reconhecimento de crime bagatelar no caso de médico que, no desempenho de seu cargo público, teria registrado seu ponto e se retirado do local, sem cumprir sua carga horária.
A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça não tem admitido, nos casos de prática de estelionato qualificado, a incidência do princípio da insignificância, inspirado na fragmentariedade do Direito Penal, em razão do prejuízo aos cofres públicos, por identificar maior reprovabilidade da conduta delitiva.
Destarte, incabível o pedido de trancamento da ação penal, sob o fundamento de inexistência de prejuízo expressivo para a vítima, porquanto, em se tratando de hospital universitário, os pagamentos aos médicos são provenientes de verbas federais.
Confira a ementa:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. AGRAVANTE ACUSADO DE ESTELIONATO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA E DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA AMPARADA PELA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O agravante foi acusado pelo Parquet Federal, juntamente com outros corréus, da prática de estelionato qualificado, porque, na qualidade médico do Hospital Universitário da FURG, teria registrado seu ponto e se retirado do local, sem cumprir sua carga horária, em período delimitado entre 1º/1/2014 e 11/2015.
2. Agravo regimental contra decisão monocrática que não conheceu de habeas corpus, por não ter identificado flagrante ilegalidade apta a ensejar prematura interrupção da ação penal em relação ao recorrente. Na decisão ora agravada ficou consignado que a exordial atende aos requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal – CPP e que os fundamentos do Tribunal a quo encontram amparo na jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o trancamento da ação penal é medida excepcional, aplicável somente quando houver evidente ilegalidade aferível ser esforço interpretativo. Consta também da decisão monocrática recorrida a concordância com o Tribunal a quo no ponto em que afastou a tese de insignificância do prejuízo causado, por exigir revolvimento fático probatório, incabível na via eleita. Por derradeiro, a decisão recorrida aduz que esta Corte Superior pacificou o entendimento segundo o qual o princípio da insignificância não se aplica nas hipóteses de prejuízo ao erário.
3. Os argumentos apresentados pelo Juízo de Primeiro Grau e pelo Tribunal Federal para afastar a tese de inépcia da denúncia encontram amparo na jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido de que, nessa fase processual, é necessário o lastro mínimo da materialidade delitiva, mormente porque a apuração do quantum de prejuízo supostamente causado pode ser feita durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, respeitado o devido processo legal. Ademais, não há de se falar em óbice ao exercício da ampla defesa na medida em que o período delitivo foi delimitado na inicial acusatória, a qual se faz acompanhar de documentação que permite o cálculo do suposto prejuízo, conforme explanado pelas instâncias ordinárias. Em outras palavras, foi estabelecido um liame entre a conduta e o tipo penal imputado, permitindo-lhe o exercício da ampla defesa.
4. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também afastou a alegação de falta de justa causa. A defesa do paciente argumentou que incide no caso concreto o princípio da fragmentariedade do Direito Penal, haja vista a inexpressividade do suposto prejuízo causado, o que teria sido reconhecido no processo administrativo disciplinar. Todavia o acórdão impugnado, deu continuidade à ação penal fundamentando que a análise da tese demandaria revolvimento fático probatório e que a esfera penal e administrativa são independentes.
5. Com efeito, o resultado favorável em processo administrativo disciplinar não tem o condão de afastar a possibilidade de recebimento da denúncia na esfera penal diante da independência das referidas instâncias. Precedentes.
6. Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça não tem admitido a incidência do princípio da insignificância, inspirado na fragmentariedade do Direito Penal, no caso de prejuízo aos cofres públicos, por identificar maior reprovabilidade da conduta delitiva. Destarte, incabível o pedido de trancamento da ação penal sob o fundamento de inexistência de prejuízo expressivo para a vítima, porquanto, em se tratando de hospital universitário, os pagamentos aos médicos são provenientes de verbas federais. Precedentes.
7. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AgRg no HC 548.869/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 25/05/2020)
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