Evinis Talon

O testemunho por ouvir dizer, produzido somente na fase inquisitorial, não serve como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia (Informativo 603 do STJ)

09/01/2019

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No REsp 1.373.356-BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o testemunho por ouvir dizer (hearsay rule), produzido somente na fase inquisitorial, não serve como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia, que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri (clique aqui).

Informações do inteiro teor:

O ponto nodal da discussão cinge-se à possibilidade de a pronúncia ser fundamentada exclusivamente em elemento informativo colhido na fase inquisitorial da persecução penal. Com efeito, é cediço que, muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir a pronúncia do réu, dada a sua carga decisória, sem qualquer lastro probatório colhido em juízo, fundamentada exclusivamente em prova colhida na fase inquisitorial, mormente quando essa prova se encontra isolada nos autos.

É verdade que alguns julgados proferidos pela Quinta e Sexta Turmas deste Superior Tribunal, denotam a orientação de que, muito embora não seja possível sustentar uma condenação com base em prova produzida exclusivamente na fase inquisitorial, não ratificada em juízo, tal entendimento não se aplica à decisão de pronúncia (v.g. HC n. 314.454-SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T; DJe 17/2/2017; AgRg no REsp 1.582.122- RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T, DJe 13/6/2016). Entretanto, essa orientação não se aplica à hipótese em que testemunhos produzidos na fase judicial não apontem os acusados como autores do delito e os depoimentos colhidos na fase inquisitorial sejam “relatos baseados em testemunho por ouvir dizer”.

Sobre a temática – já enfrentada na oportunidade em que apreciado o REsp 1.444.372-RS, DJe 25/2/2016 – vale observar que a norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas – como o norte-americano – o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule).

No Brasil, embora não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, doutrina aponta que “não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta.” A razão do repúdio a esse tipo de testemunho se deve ao fato de que, além de ser um depoimento pouco confiável, visto que os relatos se alteram quando passam de boca a boca, o acusado não tem como refutar, com eficácia, o que o depoente afirma sem indicar a fonte direta da informação trazida a juízo.

Assim, a submissão do réu a julgamento pelos seus pares deve estar condicionada à produção de prova mínima e, diga-se, judicializada, na qual haja sido garantido o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa que lhe são inerentes.

Confira a ementa do REsp 1.373.356/BA:

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO E DESTRUIÇÃO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTO INFORMATIVO COLHIDO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL. NÃO CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. A decisão de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação, não sendo exigido, neste momento processual, prova incontroversa da autoria do delito; bastam a existência de indícios suficientes de que o réu seja seu autor e a certeza quanto à materialidade do crime.
2. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório, mormente quando os testemunhos colhidos na fase inquisitorial são, nas palavras do Tribunal a quo, “relatos baseados em testemunho por ouvir dizer, […] que não amparam a autoria para efeito de pronunciar os denunciados” (fl. 1.506).
3. O Tribunal de origem, ao despronunciar os ora recorridos, entendeu “ausentes indícios de autoria e insuficiente o ‘hearsay testimony’ (testemunho por ouvir dizer)” (fl. 1.506), razão pela qual, consoante o enunciado na Súmula n. 7 do STJ, torna-se inviável, em recurso especial, a revisão desse entendimento, para reconhecer a existência de prova colhida sob o contraditório judicial apta a autorizar a submissão dos recorridos a julgamento perante o Tribunal do Júri.
4. Recurso especial não provido.
(STJ, Sexta Turma, REsp 1373356/BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/04/2017)

Leia também:

  • Informativo 630 do STJ: fala de membro do Conselho de Sentença pode anular o julgamento (leia aqui)
  • Informativo 629 do STJ: tráfico de drogas – não é cabível a substituição da prisão preventiva pela domiciliar quando o crime é praticado na própria residência da agente, onde convive com filhos (leia aqui)
  • Informativo 636 do STJ: condenações pelo delito do art. 28 da Lei de Drogas e reincidência (leia aqui)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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