Decisão proferida pela Sétima Turma do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) no ACR nº 5007571-06.2015.4.04.7002, julgado em 17/07/2017 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MIRA TELESCÓPICA. DESCLASSIFICAÇÃO. CONTRABANDO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. 1. A importação irregular de uma mira telescópica, embora encontre tipicidade formal em tese no art. 18 da Lei n.º 10.826/03, não representa violação significativa à incolumidade pública, especialmente quando o contexto em que se deu a apreensão, juntamente com acessórios para a prática desportiva do paintball, evidencia que a intenção do réu não seria o uso do equipamento em arma de fogo para o cometimento de crimes, mas para aquela atividade desportiva lícita. 2. Evidenciado que a intenção do réu era somente adquirir a mercadoria a preços mais baixos no exterior, sem autorização da autoridade competente e incorrendo em ilusão tributária, desclassifica-se a conduta para o crime de contrabando, previsto no art. 334-A do Código Penal. 3. A habitualidade na prática de ações tipificadas como crime constitui circunstância que confere maior reprovabilidade à conduta, afastando a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. (TRF4, ACR 5007571-06.2015.4.04.7002, SÉTIMA TURMA, Relator para Acórdão MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 17/07/2017)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa, requerendo a reforma da sentença que condenou o réu como incurso nas sanções do artigo 18, c/c artigo 19, ambos da Lei nº 10.826/2003, às penas de 6 (seis) anos de reclusão e de 185 (cento e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato delituoso. Foi fixado o regime semi-aberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Não houve substituição da pena em restritivas de direito, diante do quantum de pena superior a 4 (quatro) anos.
Inicialmente, a defesa postula o reconhecimento de atipicidade da conduta, diante da ausência de potencial lesivo.
Todavia, destaco que se trata de importação de acessórios de arma de fogo de uso restrito, sendo tal crime de perigo abstrato, prescindindo de resultado e ensejando a persecução penal antes mesmo de o agente adentrar, com seus atos, a etapa de concreta ofensa ao interesse tutelado pela norma.
Com efeito, o tipo penal do artigo 18 da Lei 10.826/2003, ao criminalizar a importação de material bélico à burla do controle estatal, traduz a preocupação legislativa com a ameaça que referida conduta traz à paz social, dado o fomento à violência e o perigo que representa à vida humana, à incolumidade pública e à segurança nacional e a paz social.
Ultrapassado esse ponto, passo à análise do conjunto probatório.
A materialidade restou plenamente comprovada através do Auto de Apresentação e Apreensão (evento 1 – P_FLAGRANTE1, fl. 5, dos autos do IPL), fotos da apreensão realizada (evento 21 – OUT2, dos autos do IPL), Auto de Apreensão de Mercadorias nº 0910600-23104/2015 (evento 52 dos autos do IPL) e Laudo de Perícia Criminal Federal nº 484/2015 (evento 49 dos autos do IPL).
No tocante à autoria, o réu declarou, em sede policial, que havia adquirido a mercadoria apreendida em uma loja especializada, localizada em Ciudad Del Este, no Paraguai (evento 1 – P_FLAGRANTE1, fls. 3/4, dos autos do IPL). Em sede judicial, sustentou a mesma versão anteriormente prestada (evento 53 – VÍDEO2, do processo originário).
A tese de defesa está centrada na ausência do dolo do réu, ao argumento de que não tinha consciência da ilicitude da conduta, agindo em erro de proibição.
Todavia, como bem destacado na sentença, evidente que o réu detinha total conhecimento do caráter ilícito da conduta perpetrada:
No que diz respeito à alegação da defesa, de que a parte ré desconhecia a ilicitude da sua conduta, entendo que a tese defensiva deve ser rechaçada de plano. Primeiro, é preciso destacar que o desconhecimento da lei é inescusável (art. 21, primeira parte, do CP). Segundo, o erro de proibição é uma excludente da culpabilidade, prevista na segunda parte do art. 21 do Código Penal, e se opera quando o agente percebe a realidade que o rodeia, equivocando-se sobre regra de conduta, sobre a consciência da ilicitude do fato praticado (o agente sabe o que faz, mas ignora ser proibido).
Para aferir a presença da culpabilidade penal basta o potencial conhecimento da ilicitude. Isto é, exige-se apenas o conhecimento profano do injusto; não se trata de conhecimento técnico-jurídico. Para que tenha espaço a pretendida excludente, o agente deve supor que atua licitamente.
Segundo ensina Julio Fabbrini Mirabete, “Para haver culpabilidade, é bastante que o agente saiba que seu comportamento contradiz as exigências da vida social e que, por conseguinte, se acha proibido juridicamente. A consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente da leitura do texto legal. Mas, se por qualquer razão, quando ele próprio, por não ter tido sequer a possibilidade de desconhecer o injusto de sua ação, comete o fato sem se dar conta de estar infringindo alguma proibição, sua conduta não pode ser tida como censurável, inexistindo, por isso, a culpabilidade” (Código Penal Interpretado, Atlas, 4ª Ed., p. 198).
Não há, desta forma, como reconhecer a incidência de erro de proibição inescusável ou mesmo escusável, pois, conforme se extrai dos interrogatórios em sede policial e em Juízo, tinha, a parte ré, a possibilidade de alcançar o conhecimento sobre a ilicitude de seu comportamento.
Nesse sentido, no auto de prisão em flagrante, ao ser “perguntado porque se arriscou a ir ao Paraguai comprar material que sabia ser proibido, vez que já foi preso pelo mesmo motivo”, o acusado “respondeu que precisava comprar, mesmo sabendo do risco, pois ganha algum dinheiro como isso” (evento 1 dos autos do IPL).
Por outro lado, em seu interrogatório judicial, apesar de dizer que “não sabia que era totalmente, … que era ilícito, ilícito, pra tá trazendo isso aí”, o réu confirmou que já tinha sido preso anteriormente por fato semelhante ao apurado nestes autos, mas mesmo assim disse que “certa vez eu fui tentar de novo, tentar pegar mais um material lá (…) e acabei caindo de novo” (evento 53).
Trata-se, portanto, de simples afirmação acerca da inexistência de conhecimento da ilicitude de sua conduta com objetivo único de fugir à aplicação da sanção penal, o que, à toda evidência, não se confirma.
Portanto, não se vislumbra, no caso, a presença de causas de exclusão da culpabilidade, sendo a maioridade da parte ré inconteste.
Destarte, não configura o erro de proibição quando o conjunto probatório demonstra que o réu era capaz de entender a ilicitude dos seus atos.
Confira-se:
EMENTA: PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. BENEFÍCIÁRIA FALECIDA. RECEBIMENTO APÓS O ÓBITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. ESTADO DE NECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE PERIGO ATUAL. DIFICULDADES FINANCEIRAS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO. CIÊNCIA ACERCA DA ILEGALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 24, § 2º DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE DIREITO AMEAÇADO. 1. Eventuais dificuldades financeiras não se caracterizam estado de necessidade a ponto chancelar a prática de atos ilícitos, uma vez que devem ser solvidas por atividades lícitas. 2. Não há que se falar em erro de proibição quando as provas dos autos demonstram que a denunciada tinha ciência de que a sua conduta era contrária à ordem jurídica, inclusive antes mesmo de praticá-la. 3. A causa de diminuição do art. 24, § 2º do Código Penal somente pode ser reconhecida quando o réu demonstra claramente a existência de um direito ameaçado, cujo sacrifício seja razoável exigir-se. (TRF4, ACR 5007286-53.2014.404.7000, SÉTIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 20/06/2016)
EMENTA: PENAL. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. ESTELIONATO CONTRA A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ART. 299 DO CÓDIGO PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. EMISSÃO DE DUPLICATAS FRAUDULENTAS DADAS EM CAUÇÃO. ABSORÇÃO DO FALSO PELO ESTELIONATO. ERRO DE PROIBIÇÃO E COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. CONDENAÇÃO. AGRAVANTE. AGENTE ORGANIZADOR DO DELITO (ARTIGO 62, I, DO CÓDIGO PENAL). Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por ele absorvido, pelo princípio da consunção (Súmula 17 do STJ). Não se configura o erro de proibição quando o conjunto probatório demonstra que o réu era capaz de entender a ilicitude dos seus atos. Para caracterizar coação moral irresistível é necessário que o agente esteja em situação tal não lhe reste outra alternativa senão a prática do delito. Materialidade, autoria e dolo do delito de estelionato comprovados pelo conjunto probatório constante dos autos. Aplica-se a agravante do art. 62, I, do Código Penal, ao réu que dirigiu ou organizou a atividade dos corréus na prática delitiva. (TRF4, ACR 5003044-81.2010.404.7003, SÉTIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 24/07/2015)
Portanto, não merece prosperar o pleito defensivo.
Nesse contexto, deve ser mantida a condenação, conforme a sentença, cujos fundamentos incorporo como razões de decidir:
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1) Da capitulação legal do crime
Neste momento processual, é possível ao juiz, sem modificar a base fática da imputação, atribuir ao fato delituoso classificação jurídica distinta daquela contida na denúncia, ainda que mediante aplicação de pena mais grave, conforme artigo 383 do Código de Processo Penal. Ou seja, trata-se de mera correção da classificação jurídica feita na inicial acusatória, permanecendo inalterada a imputação fática.
Como no processo penal o acusado se defende dos fatos, a emedatio libelli dispensa a prévia oitiva das partes ou o aditamento da denúncia, sem que haja violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da correlação (ou congruência entre a acusação e a sentença).
Dito isto, no caso concreto, verifico que a denúncia descreveu que o réu importou acessórios de arma de fogo (uma luneta telescópica, de uso restrito, e uma mira eletrônica, de uso permitido), sem autorização da autoridade competente. Em razão disso, capitulou a conduta dele como a prevista no artigo 334-A do Código Penal, c/c o artigo 26 da Lei nº 10.826/2003.
Contudo, o fato descrito na peça acusatória amolda-se melhor ao artigo 18, c/c o artigo 19, ambos da Lei nº 10.826/2003, que assim dispõem:
“Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.” (grifei)
Com efeito, verifico que os fatos narrados na denúncia e comprovados no curso da instrução processual se amoldam perfeitamente aos tipos penais descritos nos artigos 18 e 19 da Lei nº 10.826/2003, razão pela qual, antes de adentrar ao mérito, procedo à correção da capitulação jurídica feita na inicial acusatória, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal.
Neste sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu que:
“A internalização em solo pátrio de acessórios para armas de fogo, de uso restrito, adquiridos previamente no exterior, configura o delito previsto no artigo 18 da Lei nº 10.826/2003, com incidência da causa de aumento de pena prevista no artigo 19 do mesmo diploma legal” (ACR 5009006-54.2011.404.7002, juntado aos autos em 13/08/2014)
“Comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo do réu na prática de tráfico internacional de acessório de arma de fogo de uso restrito, sem documentação comprobatória da regular internalização da mercadoria no País. Inviável desclassificar a conduta narrada para o crime previsto no art. 334 do CP, pois, tendo em vista o princípio da especialidade, o tráfico internacional de armas de fogo prevalece sobre o contrabando.” (ACR 5002118-90.2012.404.7210, juntado aos autos em 10/09/2015).
Assim, corrijo a definição jurídica dos fatos, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, para adequar a capitulação aos artigos 18 e 19 da Lei nº 10.826/2003.
2.2) Do crime do art. 18, c/c o art. 19, ambos da Lei nº 10.826/2003
a) Materialidade
A materialidade do delito encontra-se amplamente comprovada pelo auto de prisão em flagrante (evento 1 dos autos do IPL) e pelo Laudo nº 484/2015 (evento 49 dos autos do IPL).
No Laudo nº 484/2015 o perito concluiu que os “equipamentos examinados são acessórios de arma”. Além disso, descreveu que a luneta, marca Militac, é de uso restrito (art. 16, inciso XVII, do Decreto nº 3.665, de 20/11/2000) e que a mira tipo “red dot”, marca Spider, é de uso permitido.
Demonstrada, desse modo, a materialidade delitiva.
b) Autoria
Consta da denúncia que, no dia 14/03/2015, na Ponte Internacional da Amizade, no município de Foz do Iguaçu/PR, servidores públicos federais apreenderam, em poder do acusado, acessórios de arma de fogo (uma luneta telescópica e uma mira eletrônica).
Vejamos o depoimento do Analista Tributário da Receita Federal José Roberto França no auto de prisão em flagrante (evento 1 dos autos do IPL):
“Que é Analista Tributário da Receita Federal do Brasil desde o ano de 1993, estando atualmente lotado em Brasília/DF e se encontra em missão participando da Operação Fronteira Blindada nesta cidade. Que na data de hoje, por volta das 10:00 estava realizando fiscalização de rotina na pista de entrada da Aduana da Ponte Internacional da Amizade quando abordou uma van com várias pessoas que vinham do Paraguai. Que toda a mercadoria foi desembarcada e separada por proprietário. Que dentre os passageiros da van se encontravam ANDRÉ FARIAS com sua esposa e um filho menor Que logo verificou que dentre as mercadorias em posse de ANDRÉ havia peças e acessórios para “paintbair. Que então encaminhou os produtos ao setor competente da Receita Federal, tendo sido verificado que os materiais são de importação proibida. Que encontrou ainda, dentre os produtos, duas lunetas telescópicas e um simulacro de rifle. Que separou as mercadorias que pertenciam à esposa e filho de ANDRÉ, liberando-os, e então conduziu o abordado a esta unidade para as providências cabíveis. Que dentre o material apreendido, há um simulacro de um rifle americano (AR-15), diversos pacotes com acessórios de alumínio e munição para “paintbair, além de outros acessórios e quatro cilindros com gás comprimido. Que ANDRÉ FARIAS afirmou que havia comprado as peças e acessórios de “paintbair, pois o mesmo seria praticante do esporte. Que não informou, porém, que estava também com as lunetas e o simulacro de AR-15.”
Após o crivo do contraditório, a defesa não trouxe ao processo provas concretas capazes de desconstituir a presunção de autoria operada pela prisão em flagrante, presunção esta amplamente reconhecida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (ACR 0007971-53.2002.404.7005; ACR 2004.71.10.001500-0/RS; ACR 5003342-76.2010.404.7002).
Em sede policial (evento 1 dos auto do IPL) e em seu interrogatório judicial (evento 53), a parte ré confessou a prática do crime.
Comprovada, pois, a autoria delitiva.
c) Tipicidade, ilicitude e culpabilidade
A conduta praticada pela parte ré é típica.
Operada a emendatio libelli (item “2.1”, acima), verifica-se adequação típica entre os fatos narrados e o tipo previsto no artigo 18, c/c o artigo 19, ambos da Lei nº 10.826/2003.
Assim dispõem os artigo 18 e 19 da Lei nº 10.826/2003, in verbis:
“Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.”
É incontroverso que o acusado foi surpreendido por servidores públicos federais, na Aduana da Ponte Internacional da Amizade, no momento em que importava os acessórios de arma de fogo apreendidos em seu poder, o que fez sem prévia autorização do Exército Brasileiro.
Com efeito, nos termos do inciso II do artigo 3º do Decreto nº 3.665/2000 (R-105), a luneta telescópica e a mira eletrônica apreendidas enquadram-se na definição de acessório de arma: “artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma”.
Por outro lado, segundo o artigo 16, inciso XVII, do Decreto nº 3.665/2000 (R-105), a luneta telescópica apreendida é de uso restrito, ou seja, só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, conforme legislação específica, porque configura “dispositivo com aumento superior a seis vezes”, o que foi confirmado no item “III.1” do Laudo nº 484/2015, relacionado no evento 49 dos autos do IPL.
Não foi apresentada pelo réu, em nenhum momento, autorização prévia do Comando do Exército para ingresso dos referidos acessórios no território nacional, restando caracterizada a importação sem autorização da autoridade competente.
Portanto, a parte ré incide no art. 18, c/c o art. 19, ambos da Lei nº 10.826/2003, eis que importou acessório de arma de fogo de uso restrito, sem autorização do órgão competente.
(…)
Nesses termos, outra solução não resta senão a condenação da parte ré às penas do artigo art. 18, c/c o art. 19, ambos da Lei nº 10.826/2003.
Passo ao exame das penas.
O trecho da sentença atinente à dosimetria tem o seguinte teor:
III – APLICAÇÃO DA PENA
As penas previstas para a infração capitulada no artigo 18 da Lei nº 10.826/2003 são a reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Analisando-se as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade é normal à espécie. À parte ré não pode ser aplicado um juízo de censura maior ou menor do que a própria tipificação da conduta já permite. Antecedentes: São favoráveis à parte ré, pois inexistem nos autos registros de condenações transitadas em julgado (Súmula 444 do STJ). Conduta Social: Não há nada nos autos que a desabone. Personalidade: Inexistem elementos suficientes para a sua aferição. Motivos: Comuns ao crime. Circunstâncias: Normais à espécie. O crime não apresentou consequências em face da apreensão dos acessórios. Por fim, resta prejudicada a análise da circunstância referente ao comportamento da vítima, em razão de o crime ter como sujeito passivo o Estado.
Considerando tais circunstâncias, fixo a PENA-BASE em 4 (quatro) anos de reclusão.
Não existem circunstâncias agravantes, restando prejudicada a análise de eventuais atenuantes, tendo em vista a fixação da pena no mínimo legal (Súmula 231 do STJ).
Incide a causa de aumento prevista no artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, tendo em vista que a luneta, marca Militac, é de uso restrito, nos termos do art. 16, inciso XVII, do Decreto nº 3.665, de 20/11/2000. Por esse motivo, aumento em 1/2 (metade) a pena anteriormente calculada, a qual fica, agora, fixada em 6 (seis) anos de reclusão.
Não há causas de diminuição de pena.
Resta a pena privativa de liberdade DEFINITIVAMENTE FIXADA em 6 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO.
O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deverá ser o semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, ‘b’, do Código Penal.
Outrossim, fixo a pena de multa proporcionalmente em 185 (cento e oitenta e cinco) dias-multa. Atentando-se à situação financeira da parte ré, fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época do fato delitivo, desde então atualizado.
IV – SUBSTITUIÇÃO DA PENA
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, tendo em vista que não foi preenchido um dos requisitos objetivos exigidos pela lei, ou seja, que tenha sido aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos (art. 44, I, do CP). Pelo mesmo motivo, inaplicável a suspensão da pena, conforme art. 77, ‘caput’, do CP.
Na primeira fase de dosimetria da pena, correta a fixação da pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão.
Quanto à segunda fase, a defesa postula a aplicação da atenuante da confissão espontânea.
Todavia, destaco a impossibilidade de sua incidência, visto que a aplicação de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, conforme dispõe a súmula nº 231 do STJ.
Assim, a pena provisória permanece no patamar de 4 (quatro) anos de reclusão.
Na terceira fase, incide a causa de aumento, no patamar de 1/2, prevista no artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, visto que a luneta apreendida é de uso restrito.
Além disso, há a incidência da causa de diminuição de pena prevista no artigo 14, parágrafo único, do Código Penal (tentativa).
Explico.
É entendimento doutrinário de que, se o agente entra com a mercadoria por local onde não existe nenhum representante aduaneiro da Receita Federal, o crime é instantâneo; contudo, se, por qualquer meio, tenta introduzir onde existe a fiscalização alfandegária, mas não consegue, é caso de tentativa e não de crime consumado.
Há predominante jurisprudência no mesmo sentido, confira-se:
Contrabando (condenação). Bolsas e porta maquiagens (marca contrafeita). Território nacional (ingresso). Crime consumação/tentativa). Pena-base (cálculo). Habeas corpus (correção da pena). 1. Há vozes, e de bom tempo, por exemplo, a de Fragoso nas “Lições”, segundo as quais, “se a importação ou exportação se faz através da alfândega, o crime somente estará consumado depois de ter sido a mercadoria liberada pelas autoridades ou transposta a zona fiscal”. 2. Assim, também não há falar em crime consumado se as mercadorias destinadas aos pacientes foram, no caso, apreendidas no centro de triagem e remessas postais internacionais dos correios. 3. No cálculo da pena-base, o juiz há de dar toda atenção às circunstâncias estabelecidas pelo art. 59 do Cód. Penal. Unicamente a elas, é o que a melhor técnica recomenda. 4. Não se justifica a pena fixada no dobro do mínimo, quando, como no caso, a sentença só se refere às circunstâncias do crime – importação de mercadoria falsificada. 5. Havendo excesso de pena-base na sentença, é admissível a sua correção no julgamento da ação de habeas corpus. 6. A norma penal prevê a possibilidade de se aplicarem sanções outras que não a pena privativa de liberdade para crimes de pequena e média gravidade, como meio eficaz de combater a crescente ação criminógena do cárcere. 7. Ordem concedida para se reduzir a pena e para se substituir a privativa de liberdade por restritiva de direitos. (STJ, HC 120586/SP, Sexta Turma, Ministro Nilson Naves, DJ 17.05.2010 – grifei).
DIREITO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. ARTIGOS 18 C/C 19 DA LEI 10.826/2003. TENTATIVA. DOSIMETRIA. 1. Autoria e materialidade devidamente comprovadas, não havendo causas de exclusão da ilicitude ou culpabilidade. 2. É crime tentado quando frustrado o intento ilícito ainda na zona primária de fiscalização – Ponte Internacional da Amizade. 3. A dosimetria da pena não está sujeita a critérios absolutamente objetivos ou a esquemas matemáticos, sendo larga a esfera de discricionariedade do magistrado sentenciante. Não havendo ilegalidades, insuficiência ou excesso na dosimetria da sanção na sentença de primeiro grau, descabe revisão de ofício. (TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5005522-60.2013.404.7002, 8a. Turma, Des. Federal LEANDRO PAULSEN, JUNTADO AOS AUTOS EM 27/05/2014 – grifei)
Com efeito, o flagrante e a apreensão das mercadorias ocorreram na Ponte Internacional da Amizade, não se consumando a importação por fato alheio à vontade do agente, tratando-se, por consequência, de crime tentado.
Em virtude disso, diminuo a pena na razão de 1/3 (um terço).
Assim, a pena definitiva é fixada em 4 (quatro) anos de reclusão.
Tendo em vista o quantum final de pena privativa de liberdade cominada, fixo o regime aberto para o início do cumprimento, com fulcro no artigo 33, § 2º, “c”, do Código Penal.
Diante da favorabilidade das circunstâncias judiciais, bem como a inexistência de reincidência, revela-se medida socialmente recomendável a substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direito.
Destarte, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
Destaco que a pena de prestação de serviços à comunidade se revela como medida de repressão e prevenção da prática delitiva, atendendo inclusive aos objetivos ressocializantes da Lei Penal. Note-se que a ratio legis do artigo 46 consiste justamente em estimular e permitir a readaptação do apenado no seio da comunidade, viabilizando o ajuste entre o cumprimento da pena e a jornada normal de trabalho. Ademais, cumpre salientar que a referida medida alternativa, além do aspecto punitivo, inerente a qualquer sanção, possui caráter evidentemente pedagógico.
No tocante à prestação pecuniária, cumpre referir que, para definição de seu quantum, o julgador, dentre os parâmetros estabelecidos pelo artigo 45, § 1º, do Estatuto Repressivo, deve considerar certos fatores, de modo a não tornar a prestação em pecúnia tão diminuta a ponto de mostrar-se inócua, nem tão excessiva de maneira a inviabilizar seu cumprimento.
Sobre o tema, assim dispõe ao artigo 45, § 1º, do Código Penal:
A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
No caso, observando-se a gravidade do delito, mostra-se cabível a fixação do valor da prestação pecuniária em 3 (três) salários mínimos.
Ainda, destaca-se que, caso comprovada a insuficiência financeira para adimplemento do montante fixado, poderá ser pleiteado o parcelamento do valor junto ao Juízo da Execução Penal
Por fim, incumbe examinar o pleito de isenção de custas processuais.
Ocorre que a pobreza do réu não impede a sua condenação nas custas judiciais, que devem ser fixadas na sentença, em observância ao artigo 804 do Código de Processo Penal. Eventual exame acerca da miserabilidade para ser concedida isenção, bem como da assistência judiciária gratuita, deverá ser feito em sede de execução, fase adequada para aferir a real situação financeira do condenado.
Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que preconiza que, ainda que goze o acusado do benefício da assistência judiciária gratuita, deve ser condenado ao pagamento das custas, devendo a eventual impossibilidade de pagamento ser examinada pelo Juízo da execução.
Este entendimento, também, tem sido manifestado por esta Corte. Veja-se:
DIREITO PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. ATENUANTE DA CONFISSÃO. INCIDÊNCIA. REDUÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231 DO STJ. CUSTAS PROCESSUAIS. CONDIÇÕES ECONÔMICAS DO CONDENADO. AFERIÇÃO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. 1. e 2. Omissis. 3. A fase da execução é o momento adequado para que seja examinada a miserabilidade jurídica do condenado, a fim de ser concedida, ou não, a isenção de custas. (ACR 5008987-14.2012.404.7002, Sétima Turma, Relatora Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 18/02/2014)
PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. GRAU DE REDUÇÃO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. PARÂMETROS DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. ART. 33 DO CÓDIGO PENAL E ART. 42 DA LEI Nº 11.343/06. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. PEDIDO DE ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS. APRECIAÇÃO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. 1. a 4. Omissis. 5. Cabe ao juízo da execução o exame das condições econômicas do acusado para fins de apreciação do pedido de isenção do pagamento das custas processuais. (ACR 5004025-11.2013.404.7002, Oitava Turma, Relator Des. Federal João Pedro Gebran Neto, D.E. 27/01/2014)
Em conclusão, deve ser parcialmente provida a apelação, para substituir a pena privativa de liberdade em restritivas de direito.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
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