Decisão proferida pela Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) na Apelação Criminal nº 2011.51.01.802213-0, em 18/11/2014 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ART. 16 DA LEI Nº 7.492-86. FAZER OPERAR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. CRIME QUE EXIGE A PRÁTICA REITERADA DE ATOS PRIVATIVOS DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO DESPROVIDO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. I – A melhor exegese do art. 16 da Lei nº 7.492-86 é no sentido de que, para a configuração da figura típica ali descrita, necessária a prática reiterada de atos privativos de instituição financeira, a despeito do disposto no inciso II do parágrafo único do art. 1º do mesmo diploma legal. II – A simples realização de operação financeira como se instituição financeira fosse não se confunde com “fazer operar instituição financeira”, que exige reiteração, repetição de atos privativos de instituição financeira. III – Recurso desprovido.
Leia a íntegra do voto:
Insurge-se o Ministério Público contra a sentença de fls.184/193, que absolveu o réu JORGE LUIZ PIRES MONTEIRO da imputação da prática do crime do art. 16 da Lei nº 7.492/86, em interpretação conjunta com o art. 1º do mesmo diploma legal.
A sentença não merece reforma.
Com efeito, dispõe o art. 16 da Lei nº 7.492/86, verbis:
“Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração () falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
Referido dispositivo faz referência à elementar “instituição financeira”, cujo conceito é trazido pelo art. 1º do mesmo diploma legal; veja-se:
“Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros () de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:
I a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;
II a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.”
Da análise conjunta dos dispositivos legais transcritos, verifica-se que incorre no crime capitulado no art. 16 da Lei nº 7.49286 o agente que exerce atividade típica de instituição financeira. A definição legal de instituição financeira abrange não só as pessoas jurídicas que exerçam atividade de captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, mas, também, as pessoas jurídicas e físicas que captem ou administrem seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança ou recurso de terceiros, ainda que de forma eventual.
Todavia, em que pese à expressão “ainda que de forma eventual”, contida no inciso II do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.49286, a melhor doutrina entende que o tipo penal descrito no art. 16 da citada lei exige, para a sua configuração, a prática minimamente reiterada de atos privativos de instituição financeira, na medida em que tem natureza de crime habitual. Nesse sentido, trago a colação os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt e Juliano Breda, in Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional & Contra o Mercado de Capitais, 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 182:
“‘Fazer operar instituição financeira’ não se confunde com ‘realizar operação financeira, como se instituição financeira fosse’, ao contrário do que vem sendo interpretado no quotidiano forense, quer pelas infundadas denúncias oferecidas pelo Parquet, quer pelas equivocadas sentenças que as recepcionam, como se referissem à infração penal descrita no art. 16 sub examen. Não é outro o magistério de José Carlos Tórtima que afirma: ‘O que o tipo exige é que o agente faça operar instituição financeira, algo muito diferente de realizar operação financeira, como se instituição financeira fosse.’ Fazer operar exige a reiteração, a repetição, ou seja, a prática insistentemente repetida de atos privativos de instituição financeira. Revela-se, consequentemente, atípica a prática de uma ou outra conduta ainda que genuinamente privativa de instituição financeira, tais como uma ou outra operação de câmbio ou eventual captação de recurso de terceiro. Na verdade, este tipo penal representa uma simbiose de crime habitual e crime permanente. Com efeito, fazer operar instituição financeira é, ao mesmo tempo, crime habitual e permanente na medida em que sua execução se alonga, protraindo-se no tempo, supondo a reiteração com habitualidade dessa modalidade de conduta proibida.”
Tem-se, pois, que não é qualquer operação típica de instituição financeira que tem o condão de atingir o bem jurídico tutelado pela Lei nº 7.49286, qual seja, o regular funcionamento do Sistema Financeiro Nacional, mas, sim, a reiteração que caracterize o mínimo de habitualidade.
No caso dos autos, o réu foi preso em flagrante no momento em que efetuava operação de câmbio não autorizada. Embora se trate de conduta genuinamente típica de instituição financeira, não vislumbro a reiteração necessária à configuração do tipo penal de “fazer operar instituição financeira, sem a devida autorização”. No ponto, esclareço que, não obstante o fato de a Folha de Antecedentes Criminais do réu apontar outras 2 (duas) ocorrências da mesma espécie, cujos inquéritos foram instaurados nos anos de 2002 e 2007, sem notícias dos respectivos desdobramentos, tais condutas se mostram isoladas para efeito de configuração do crime de art. 16 da Lei nº 7.49286.
Logo, ao contrário do que alegou o Ministério Público em seu apelo, não basta que “se demonstre que o réu exercia atividades de câmbio, sem a devida autorização, oferecendo troca de moeda nacional por estrangeira.” Faz-se necessária a demonstração do mínimo de habitualidade, sem o que a conduta é apenas ilegal e não criminosa.
Dessa forma, uma vez que o réu apenas realizou operação financeira como se instituição financeira fosse, o que não se confunde com “fazer operar instituição financeira”, que, reitere-se, exige um mínimo de habitualidade, não satisfatoriamente comprovada nos autos, sua conduta é atípica, impondo-se, assim, a manutenção de sua absolvição.
Do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, porém sob fundamento diverso do esposado na sentença.
É como voto.
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