Quem ingressa na defesa penal (Advocacia ou Defensoria) ouve, cedo ou tarde, a pergunta: “você defende bandido?”.
Essa pergunta é diuturnamente feita por leigos, especialmente por familiares e amigos que, com poucas noções sobre as finalidades do processo penal, acreditam que algumas pessoas não merecem ser defendidas, como acusados por estupro, violência doméstica, corrupção, homicídio e outros.
Normalmente, quem faz essa pergunta tem dificuldade para entender que alguém flagrado durante a prática de um crime não necessariamente permanecerá preso durante o processo.
Da mesma forma, pensam que ninguém é denunciado sem motivo, de modo que, se há uma denúncia, o indivíduo provavelmente é culpado. Desconhecem, portanto, como atua, em grande parte, o Ministério Público brasileiro, que oferece denúncias com base no “in dubio pro societate” e com a pretensão de “provar durante o processo”, ainda que não existam indícios significativos após o (quase sempre demorado) inquérito policial.
Especificamente quanto à pergunta do título, há vários pontos que merecem reflexão.
Inicialmente, observa-se que tal pergunta resulta de uma pretensão de que a moral corrija a exigência constitucional de que todos tenham acesso ao contraditório e à ampla defesa. Noutras palavras, por que alguém que violou a lei (ou a norma penal, para alguns) deveria ser defendido?
A construção secular de que todos têm direito à defesa penal possui vários fundamentos, mas, apenas para resumir, deixo uma reflexão: quem aparentemente descumpre a lei deve ter defesa para que todos nós não descumpramos a Constituição, que impõe esse direito (irrenunciável) de todos e dever do Estado.
Por trás da pergunta do título se esconde uma intenção de confundir as condutas do defensor e do defendido. Em outras palavras, é como se a pergunta “você defende bandido?” significasse “você concorda com aquilo que estão dizendo que o acusado fez?”.
No início da Advocacia Criminal, é comum que o profissional se sinta intimidado por essa pergunta. Às vezes, o Advogado ainda não sabe que tem uma missão contramajoritária, isto é, sua atividade não depende de apoio popular, tampouco da aceitação de parentes, amigos, autoridades públicas e mídia.
Além de todos os questionamentos constitucionais, legais, morais e profissionais que surgem por meio da pergunta do título, também há um aspecto de confusão ligado ao termo “bandido”. Trata-se de uma contradição lógica.
Via de regra, a expressão “bandido” é empregada como sinônimo de “criminoso”, ou seja, alguém que praticou um crime.
Contudo, presumindo-se a inocência, não é possível considerar, de forma definitiva, que alguém cometeu um crime sem que antes tenha ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Logo, a pergunta “você defende bandido?” tem uma contradição: se alguém ainda está sendo defendido, não pode ser considerado – no plano constitucional – “bandido” ou, melhor dizendo, autor de um fato criminoso.
Por fim, insta lembrar que Advogados não protegem “bandidos”, “mocinhos” ou coisas parecidas.
Quem se vale da pergunta do título talvez se autodenomine “cidadão de bem”, expressão solipsista criada unicamente para proteger quem dela se utilize. O “cidadão de bem” se torna bandido quando tem contra si uma acusação penal, ainda que, ao final, seja absolvido? Pouco interessa se a resposta é positiva ou negativa. Em ambos os casos, o acusado merecerá uma defesa que exija o cumprimento dos seus direitos e garantias fundamentais.
Leia também: