Todos precisamos ser doutrinadores
No volume 1 da minha coleção O Criminalista, publiquei um texto inédito – Advocacia Criminal e marketing jurídico – em que defendo a necessidade de que os Advogados Criminalistas produzam e divulguem conteúdo autoral, buscando o seu reconhecimento por meio do conhecimento jurídico tangível, e não pelos tradicionais meios de publicidade (veja o livro aqui).
Agora, analiso por outro prisma.
Precisamos de mais doutrinadores. Na verdade, precisamos que todos sejamos doutrinadores. O mero intuito de produzir algo novo, superando a simples e automática reprodução, mudará os rumos do Direito brasileiro, mormente quanto ao Direito Penal e Processual Penal. Todos precisamos ser doutrinadores! Ou, no mínimo, precisamos tentar.
Não me refiro somente à concepção de tratados, manuais ou códigos comentados. Faço alusão à elaboração de artigos científicos, de internet, comentários a dispositivos legais, questionamentos jurídicos e filosóficos… qualquer análise crítica, por menor que aparente ser.
No que concerne aos Juízes, precisam adotar o hábito de analisar doutrinariamente as decisões que tomam, as súmulas que seguem e os precedentes aos quais, mesmo não sendo vinculantes, sentem-se vinculados. Devem escrever análises críticas, contrariando o senso comum judicial, questionando os paradigmas e esquadrinhando novos meios de evoluir a jurisprudência.
Em um mundo onírico, os Juízes saberiam que o Direito não é apenas o que os Tribunais dizem que é, mas também o que a doutrina apresenta como possibilidades e o que a sociedade concebe por meio da linguagem. Nesse mundo devaneador, não teria ouvido uma Magistrada dizer que não entende o motivo de alguém escrever artigos, lecionar e fazer cursos depois da graduação. “Somente se preocupa com isso quem quer rechear o currículo para procurar emprego”. Por sorte, temos Juízes que, apesar de não estarem procurando emprego, preocupam-se com a propagação do conhecimento crítico.
Da mesma forma, os Professores de Direito, tão maltratados pela cultura do concurso, precisam entender que é papel deles – nosso – enfrentar a onda simplista que assola o Direito Penal brasileiro. Se quem ensina não produz e é pusilânime quanto a fazer críticas doutrinárias, como esperar que quem aprende tenha alguma concupiscência que não seja decorar dispositivos legais e enunciados de súmulas?
Na construção da doutrina, são os estudantes, ainda sem uma visão muito clara dos vícios práticos e da inquestionabilidade de alguns dogmas, que possuem o papel de fazer emergir um novo problema onde os “operadores” do Direito observam algo pacífico. A problematização faz parte da criação da doutrina.
Quanto aos Advogados, a situação é mais preocupante. Há um hábito generalizado de citarmos jurisprudência (elaborada pelos Juízes, evidentemente) e doutrinas penais e processuais penais feitas por Promotores (em exercício ou aposentados), mas nos esquecemos das doutrinas constituídas pela própria Advocacia. Talvez pela carência dela, em que pese a doutrina existente seja de extrema qualidade.
Aos Advogados que sintam o chamado para doutrinar, que não se esqueçam do caráter utilitarista desse mister. Produz-se para melhorar o “status quo”, e não por mera contemplação ou massagem no ego.
Precisamos de mais Advogados Professores e Professores Advogados. É necessário que quem atua na prática contribua doutrinariamente para a evolução do Direito, assim como aqueles que lecionam e difundem o conhecimento busquem algo mais prático e menos contemplativo.
Talvez surja uma dúvida: se todos escreverem e doutrinarem, quem lerá? A resposta é evidente: todos!
Quem mais lê é quem escreve, doutrina, cria e produz. Quem escreve deve conhecer os entendimentos semelhantes, contrários, extremos e intermediários. Precisa ler mais para evitar contradições lógicas. Daí porque, se todos escrevermos, todos leremos.
Outra resistência que normalmente surge quanto à produção de doutrina é que seria um mero ato de marketing. Dizer que a produção e a divulgação de conhecimento é mero marketing não passa de uma pseudo negativa da própria condição humana. Todos os seres humanos produzem, compartilham e recebem conhecimentos. Isso nos fez chegar até aqui, gostemos ou não da situação atual.
A doutrina não pode continuar morrendo. Por meio das mãos de todos, há chances de que ela se erga novamente ao zênite, de onde nunca deveria ter saído.
Leia também: