TJDFT: pequenas discrepâncias no depoimento não configuram falsas memórias
A Primeira Turma Criminal do TJDFT, no Acórdão 1414840, decidiu que “é possível que a recordação de um evento criminoso traumático aliada à passagem do tempo, a lapsos de lembrança e a eventual indução por terceiros culmine na ocorrência das chamadas “falsas memórias”. Todavia, mostra-se inviável o reconhecimento desse fenômeno quando depoimentos emitidos de forma coerente, racional e harmônicos entre si conferem credibilidade às palavras das vítimas e respaldam o decreto condenatório”.
Confira a ementa abaixo:
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 147, CP C/C ART. 217 – A, CP, C/C ART. 226, II, CP. AMEAÇA, ESTUPRO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRELIMINAR. NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE. REJEITADA. MÉRITO. SUPOSTA INEXISTÊNCIA DE PROVAS HÁBEIS PARA FUNDAMENTAR DECRETO CONDENATÓRIO. FALSAS MEMÓRIAS. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ARGUMENTOS PRONTAMENTE REFUTADOS. RECURSO CONHECIDO. NEGADO PROVIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. No caso em análise, mostra-se despiciendo perquirir de modo detalhado acerca das conjunturas da realização da prisão em flagrante, uma vez que, de acordo com a jurisprudência sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a superveniência da prisão preventiva, determinada durante audiência de custódia, torna prejudicada a alegação de ilegalidade da segregação realizada por meio de flagrante delito, tendo em vista a formação de novo título ensejador da custódia cautelar 2. A instrução de processos que tratam sobre delitos sexuais é melindrosa, pois que, quase sempre, o crime é cometido às ocultas, em lugares ermos, sem a presença de testemunhas. Nesse contexto, a apuração dos fatos depende da combinação de informações prestadas pela vítima, por relatos de conselheiros tutelares, psicólogos, agentes policiais e demais familiares. 3. Pequenas discrepâncias, na maneira de contar os fatos, ou, pequenos detalhes, esquecidos em razão da passagem do tempo, não maculam a sentença, porque lastreada nas declarações fornecidas por 3 (três) vítimas, parentes diretos, psicóloga, policial militar, condutor do flagrante, etc., os quais, como um todo, elucidam todo o contexto do crime, incluindo a época do início dos abusos, a frequência da conduta criminosa e o momento do compartilhamento da notícia, dentro família. Na verdade, entendo que cada um dos depoimentos auxilia, sustenta e ampara o outro, porque emitidos de uma forma coerente, racional e harmônicos entre si, o que culmina na absoluta credibilidade da palavra das vítimas e na autorização para manutenção de um decreto condenatório. 4. Indiscutível que a recordação de um evento traumático, aliado à passagem do tempo, lapsos de memória e a indução de um terceiro sujeito podem culminar na ocorrência das chamadas Falsas Memórias. Por causa disso, o Magistrado deve estar sempre atento a sinais de comprometimento da narrativa, durante a oitiva da vítima ou da testemunha do processo, mediante reconhecimento de dúvidas, contradições, cometimento de gafes, manifestação de impressões particulares, interpretações errôneas da realidade, lacunas de pensamentos, etc. Principalmente porque, muita das vezes, o processo criminal é julgado tomando por base, exclusivamente, as declarações prestadas em Juízo 5. No caso em análise, não é possível reconhecer a incidência do Fenômeno das Falsas Memórias, em nenhuma das testemunhas do processo. Primeiro porque, apesar de a maioria das pessoas ouvidas em Juízo comentar a respeito do cometimento dos abusos, praticados por R.S.N., tendo por base o relato emitido pelas vítimas, R.L.N. e E.L.L., a maior parte dos discursos, desses sujeitos, está relacionado à forma como teriam recebido a notícia da prática do crime, e todo o contexto do pós delito, que envolve discussão, ameaça, lágrimas, etc., e não do crime em si. Portanto, teriam vivenciado os fatos, e, não apenas, ouvido falar dos fatos, como sugere a Defesa Técnica. Segundo, porque, a integração, a análise conjunta de todos esses depoimentos, perfaz um bloco concreto de conhecimento a respeito de toda a dinâmica dos fatos, de todos os detalhes perniciosos do crime, de todo o modus operandi do agente infrator. 6. Não há que se falar em impossibilidade de cometimento do delito uma vez que o crime de estupro pode ser executado em poucos minutos, dentro de uma casa cheia de pessoas, desde que o agente se aproveite de um momento de distração de todos os demais residentes daquela habitação. 7. O critério de dosagem no aumento da pena de crime continuado decorre do período de duração e do número de infrações praticadas. No caso em análise, indiscutível que o réu teria praticado o crime contra a filha biológica e contra a enteada durante alguns anos, com bastante frequência, sempre que a genitora das meninas não estava presente na residência. Portanto, adequado o cálculo elaborado pelo Magistrado a quo no r. decisum atacado (fração de 2/3). 8. Recurso conhecido. Preliminar REJEITADA. No mérito, NEGADO PROVIMENTO. Sentença mantida. (Acórdão 1414840, 07063434920218070006, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 11/4/2022, publicado no PJe: 20/4/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
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