TJCE: não cabe arguição de nulidade que a defesa tenha dado causa
A Primeira Câmara Criminal do TJCE, no Recurso em Sentido Estrito nº 0174941-88.2017.8.06.0001, decidiu que não cabe arguição, pela defesa, de nulidade à qual tenha dado causa ou para que tenha concorrido, nos termos do art. 565 do Código de Processo Penal.
Confira a ementa abaixo:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 121, §2º, I, III E IV DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. NÃO ACOLHIMENTO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INOCORRÊNCIA. NÃO DEMONSTRAÇÃO CABAL DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. PLEITO DE DESPRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA HÁBEIS A JUSTIFICAR A REMESSA DO CASO AO CONSELHO DE SENTENÇA. PEDIDO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS. DESCABIMENTO. SÚMULA 03 DO TJCE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A defesa requer preliminarmente a nulidade da sentença, em razão da ausência de intimação para apresentação das alegações finais. No mérito, requereu a absolvição sumária do acusado, sob o argumento de ausência de provas que demonstrassem o dolo na conduta, já que restou comprovada a legítima defesa. Ademais, pleiteou pela impronúncia, diante da insuficiência de provas, ou subsidiariamente pela exclusão das qualificadoras e, por consequência, a desclassificação para o crime de homicídio simples. 2. Inicialmente, verifica-se que os autos foram encaminhados ao Ministério Público para apresentação de seus respectivos memoriais no dia 22/11/2022, sendo a intimação ministerial efetivamente procedida em 28/11/2022, mesma data em que restaram protocoladas as aludidas alegações finais. Entretanto, no dia 26/11/2022 a defesa apresentou as suas alegações finais, antes mesmo da sua intimação. 3. Frise-se que de acordo com o art. 5º, caput e §3º da Lei de Informatização do Processo Judicial (Lei nº 11419/2006), o Ministério Público possui dez dias para o recebimento da intimação, data em que, só então, inicia-se a contagem do prazo. Logo, o prazo final para apresentar os memoriais seria o dia 7/12/2022. 4. Portanto, como bem pontuou a autoridade coatora, a apresentação das alegações finais da defesa antes mesmo de ser intimada foi uma opção da própria defesa, não cabendo à parte arguir nulidade que tenha dado causa ou para que tenha concorrido, conforme art. 565, CPP. 5. Além disso, a defesa não demonstrou se houve um prejuízo concreto diante da sua antecipação das alegações finais, tendo em vista que o Ministério Público, em seus memoriais, não trouxe novos argumentos que poderiam surpreender a defesa técnica do acusado. 6. Ressalte-se que só haverá nulidade do feito se a defesa demonstrar que houve efetivo prejuízo ao acusado, isto é, com base no princípio pas de nullité sans grief, exige-se a efetiva demonstração de prejuízo concreto, fato este que inexistiu, sendo ônus da defesa comprovar o prejuízo causado contra o réu nos termos do art. 563 do Código Processual Penal. Precedentes. 7. Desta feita, recuso a arguição de nulidade por deficiência técnica ora examinada. 8. No que tange ao pleito de absolvição sumária, pelo contexto e provas judiciais colhidas nos autos, compreende-se que a vítima (Tiago Melo Soares ¿ adotou o nome social ¿Beyoncé¿) estava acompanhada de sua amiga ¿Cromada¿ na Lagoa da Messejana, onde ingeriram bebida alcoólica moderadamente. Após, por volta de 11 horas da manhã, se dirigiram a pé até o centro de Messejana, e, quando chegaram perto das ruas Dr. Pergentino Maia e Cel. Guilherme Alencar, o acusado e seus colegas de trabalho começaram a proferir ofensas e xingamentos em desfavor da vítima, tais como ¿veado feio¿ e ¿veado magro¿. Inconformada, a vítima foi questionar os agressores perguntando: ¿que direito vocês tem de me xingar?¿, momento em que o réu e seus colegas passaram a desferir socos, pontapés e agressões de faca. 9. A ofendida foi socorrida e levada a UPA, onde faleceu em decorrência das lesões sofridas. Sendo assim, a materialidade restou plenamente evidenciada pelo exame cadavérico, anexado às págs. 8/9, o qual constatou que a causa da morte foi traumatismo abdominal fechado. 10. Ocorre que, no presente caso, há indícios de que o réu agrediu a vítima com a lateral oposta à lâmina de uma faca, ou seja, ação contundente e não cortante, sem que a ofendida tenha agredido-o em momento anterior, conforme relato das testemunhas em juízo. 11. Assim, considerando os testemunhos apresentados, os quais indicam que não houve agressão física provocada pela vítima contra o recorrente, apenas uma discussão verbal entre eles, provocada, inclusive, pelo acusado, tem-se por duvidoso o preenchimento dos requisitos do art. 25 do Código Penal. 12. De certo, há versão em sentido contrário, a exemplo do interrogatório do réu, que confessou ter efetuado agressões com a faca na ofendida, mas alegou ter sido uma reação a agressão da vítima contra ele. Contudo, existindo dúvida, medida que se impõe é a apreciação do caso pelo Tribunal do Júri, juízo competente para processar e julgar o feito, já que neste momento vigora o princípio in dubio pro societate. Portanto, deixo de acolher o pleito de absolvição sumária. 13. A defesa alega ainda que não há nenhum indício suficiente de autoria em desfavor do acusado, vez que a autoridade coatora teria se baseado apenas na confissão do réu, mas sem olhar todo o contexto da ação, visto que não houve comprovação acerca do dolo, diante da existência da causa de excludente de ilicitude. 14. Entretanto, empós análise da dialética jurídica posta nos autos, verifica-se que o pleito da defesa do pronunciado não deve prosperar, porquanto pelo contexto dos depoimentos das testemunhas em âmbito judicial e do laudo cadavérico (págs. 8/9), restou demonstrado nos autos a materialidade e os indícios de autoria do crime. 15. Quanto a tese de que o autor não agiu com animus necandi, pois teria agido em legítima defesa, pela narrativa feita pelas testemunhas, entendo que existem dúvidas acerca da existência ou não do dolo de matar no presente caso, de modo que se faz necessário a remessa do caso ao Tribunal do Júri. Precedentes. 16. Frise-se que a existência de dúvida acerca das circunstâncias e do elemento subjetivo do delito é inerente ao presente momento processual, até porque quem irá se debruçar sobre o caso e decidir o mérito é o Tribunal do Júri, não podendo as colocações do juiz togado, na pronúncia, usurparem a competência conferida constitucionalmente ao aludido órgão. Precedentes. 17. Assim, existindo comprovação da materialidade e indícios suficientes de autoria, não há como acolher o pleito de impronúncia, devendo o caso ser submetido à análise do Conselho de Sentença, órgão competente para analisar o mérito e todas as supostas contradições e versões decorrentes das provas contidas nos autos, visto que na fase da pronúncia não é necessário haver uma certeza indubitável quanto à autoria do crime, mas indícios razoáveis, ou seja, elementos suficientes que indiquem o acusado como autor do crime, fato este fundamentado no caso em tela. 18. Por fim, com relação ao pedido de retirada das qualificadoras previstas nos incisos I, III e IV do §2º do art. 121, CP, é cediço que só pode haver o decote de qualificadora, neste momento processual, quando restar comprovado, de forma inequívoca e insofismável que a mesma é manifestamente improcedente ¿ o que não se vislumbra no presente caso. 19. No caso, os depoimentos colhidos revelam que o crime teria sido motivado por preconceitos sociais, demonstrado pelos comentários homofóbicos contra a vítima, utilizando-se de meio cruel, pois além das ofensas verbais, ainda houve o espancamento da vítima, causando-lhe sofrimento físico e emocional; além do delito ter sido praticado mediante recurso que dificultou a defesa da ofendida, vez que a vítima estava em desvantagem numérica e, ainda, sob a influência de álcool. Tais circunstâncias indicam o motivo torpe, o uso de meio cruel na ação e o recurso que impossibilitou a defesa da vítima, cabendo ao Conselho de Sentença a realização de juízo de valor acerca dos fatos. 20. Neste sentido, dispõe a súmula 03 deste e. Tribunal: ¿As circunstâncias qualificadoras constantes da peça acusatória somente serão excluídas da pronúncia quando manifestamente improcedentes, em face do princípio in dubio pro societate.¿ 21. Sem mácula, pois, a decisão de pronúncia, eis que proferida em observância às disposições do art. 413 do Código de Processo Penal. 22. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 0174941-88.2017.8.06.0001, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do recurso para negar-lhe provimento, em conformidade com o voto do relator. Fortaleza, 25 de julho de 2023 DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO Relator (Recurso em Sentido Estrito – 0174941-88.2017.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) MARIO PARENTE TEÓFILO NETO, 1ª Câmara Criminal, data do julgamento: 25/07/2023, data da publicação: 26/07/2023)
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