Decisão proferida pela Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação nº 70064116197, julgada em 27/70/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
APELAÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. EXTORSÃO. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. ELEMENTAR GRAVE AMEAÇA NÃO DEMONSTRADA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. ATIPICIDADE. ART. 386, INC. III, DO CPP. A denúncia narra a prática de crime de extorsão praticado mediante a exigência de entrega pela vítima de quantia em dinheiro, “sob a ameaça de não devolução de sua motocicleta”. Ocorre que, para a configuração do crime em tela – em que pese a divergência doutrinária, o que não se desconhece -, necessária se faz a comprovação do emprego de violência ou grave ameaça dirigida à vida, integridade física, moral ou psíquica da vítima, o que não se verifica, na hipótese. A conduta narrada na exordial, no que diz com a classificação jurídica imputada aos réus – extorsão -, é atípica, muito embora pudessem os atos anteriores caracterizar, em tese, o delito de furto ou receptação, o que não se cogitou na origem. Absolvição mantida, com fulcro no art. 386, inc. III, do CPP. APELO IMPROVIDO. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70064116197, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Redator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 27/07/2016)
Leia a íntegra do voto:
VOTOS
Des.ª Isabel de Borba Lucas (RELATORA)
Trata-se de recurso de apelação, promovido pelo Ministério Público, em que postula a condenação dos réus, nos termos da denúncia.
De início, o pleito condenatório deve ser acolhido, pois os elementos reunidos no feito revelam que os acusados, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, mediante grave ameaça, constrangeram a vítima, exigindo que esta lhes entregasse dinheiro, caso contrário, não veria mais sua motocicleta.
A MATERIALIDADE restou devidamente demonstrada pelo auto de prisão em flagrante e pelo boletim de ocorrência (fls. 16 e 06/09), auto de apreensão (fl. 10), pelas demais peças do inquérito policial constantes às fls. 04/47, bem como pela prova oral colhida.
A AUTORIA, por seu turno, foi sobejamente comprovada pelo depoimento da vítima Luan Vinicius da Cunha, prestado em sede judicial (fls. 356/358), o qual, de forma segura, coerente e harmônica narrou, com detalhes, o ocorrido, declarações que vieram ao encontro das demais provas dos autos – em especial as prestadas pelas das testemunhas Fernando e Diego, fls. 207/209 e 354/355v –, assumindo, desse modo, preponderante importância, de acordo com o entendimento da jurisprudência, não deixando, data vênia, qualquer dúvida acerca da autoria delitiva.
CLEBERSON, ouvido apenas em sede policial (fl. 22), pois revel, em juízo (fls. 224), narrou desconhecer o fato de que ALCEMAR e EVERTON estavam exigindo dinheiro pela devolução de uma moto furtada, que não participou de tal ato ilícito. Já ALCEMAR e EVERTON negaram a extorsão, mencionando que a eles foi oferecida, pela vítima Luan, a entrega de uma recompensa, caso descobrissem quem havia furtado a motocicleta (fls. 358/360v).
Por outro lado, conforme declarações do lesado Luan, ALCEMAR, EVERTON e CLEBERSON exigiram-lhe o valor de trezentos reais, em troca de sua motocicleta, que havia sido subtraída, no mesmo dia. De acordo com suas palavras, na ocasião, deixou seu veículo Yamaha/XTZ 125E estacionado, próximo ao hospital Centenário, por alguns minutos, e, ao retornar, verificou que já não se encontrava no mesmo local. Soube, mediante informação dos réus – os quais trabalhavam como flanelinhas no local –, que poderia recuperar seu bem, pois eles, referindo saber quem havia realizado o furto, interviriam e negociariam com o autor da subtração. O lesado deixou, então, o número do telefone de seu cunhado, testemunha Fernando, com os réus (bilhete, contendo a informação, apreendido com ALCEMAR – fls. 77/78), que, após algumas horas, passaram a efetuar ligações, simulando ser autores do furto, exigindo o valor de trezentos reais, caso contrário Luan não mais veria a motocicleta, pois seria depenada. Na sequência, quando se encontrava na delegacia, fazendo a ocorrência do furto, novamente recebeu a ligação, verificando que o número do telefone era de um “orelhão”, próximo à delegacia e ao hospital, ocasião em que foram localizados os acusados (no orelhão, fls. 356/358).
No mesmo sentido foram as declarações das testemunhas, que se encontravam junto à vítima, no momento dos fatos. Fernando, cunhado, narrou que, após a subtração da motocicleta, vieram os réus ao encontro deles, referindo que conheciam o autor do delito, ocasião em que pegaram o seu número de telefone. Após, recebeu ligações deles, como se fossem os furtadores, os quais ameaçavam o tempo todo que iam depenar a moto se não desse o dinheiro para os flanelinhas. Na sequência, na última ligação, descobriram de onde a ligação estava sendo efetuada, ocasião em que flagraram os 3 flanelinhas (fls. 354/355v). Diego, por sua vez, referiu que subtraíram a motocicleta de seu meio-irmão, e, após, passaram a pedir dinheiro para a entrega do bem. Mencionou que acionaram a BM e os milicianos buscaram os três caras e voltaram com os caras, que estavam pedindo os R$300,00.
Com efeito, a prova oral colhida, principalmente com o depoimento da vítima, tornou certo que os réus, em conjunção de vontades, constrangeram a vítima, sob ameaças de depenar a motocicleta, com o intuito de obter vantagem indevida, restando assente a autoria delitiva. Ressalte-se, aqui, que a vítima e testemunhas não conheciam e nem possuíam qualquer animosidade com os três réus, devendo preponderar suas declarações. Como se sabe, as alegações seguras, coerentes e harmônicas da vitima assumem especial relevância, quando se trata de delitos de natureza patrimonial, os quais, normalmente, são cometidos na clandestinidade.
Sinala-se que, inobstante CLEBERSON não tenha sido preso em flagrante delito, porquanto não se encontrava com os outros acusados, no momento da última ligação efetuada, foi levado à delegacia, pois reconhecido como um dos agentes que pediu o telefone para a vítima, afirmando que poderia lhe reaver o bem subtraído (exato momento em que deram início ao ato de extorquir, a fim de, posteriormente, constrangê-la a entregar os valores). Assim, estavam todos os agentes em conluio para a prática do delito, não importando, para efeitos de responsabilidade pelo crime cometido, quem efetuou o último ato contra o ofendido – a derradeira ligação.
Por outro lado, a divergência verificada, entre a vítima e a testemunha Fernando, quando fazem referência aos valores que estavam sendo exigidos pelos “flanelinhas”, não afasta a pretensão acusatória, pois minúcias dos fatos são muitas vezes apagadas da memória, com o passar do tempo, como no caso, em que ambos foram ouvidos, em juízo, somente um ano após a ocorrência delitiva.
De qualquer sorte, certo é que houve o constrangimento contra a vítima, mediante a ameaça de depenar a sua motocicleta. Assim, embora os réus ALCEMAR, EVERTON e CLEBERSON neguem a prática do delito descrito na inicial, o que se justifica dentro do princípio do “nemo tenetur se detegere”, decorrente do direito fundamental previsto na Constituição Federal, as demais provas os desmentem, evidenciando que o fato narrado na exordial acusatória é induvidoso, cingindo-se, aqui, o debate, apenas quanto à tipificação da conduta.
No ponto, ressalto que, embora anteriormente me filiasse ao entendimento de que, no crime de extorsão, as elementares da violência ou grave ameaça deveriam ser direcionadas à pessoa, de forma a incutir-lhe temor, constrangendo-a a entregar a vantagem pretendia pelo agente, alterei meu entendimento, após mais refletir sobre o tema, passando a amoldar ao crime previsto no artigo 158 do CP também aquelas condutas onde o constrangimento é direcionado à pessoa, embora as ameaças digam respeito ao seu patrimônio. E este é o caso dos autos.
Em verdade, casos como o presente devem ter definição casuística, já que há uma tênue divisão entre a atipicidade da conduta de solicitar valor para informar/devolver o bem e a de constranger a vítima, mediante grave ameaça. A depender da maneira como realizado, é viável que o constrangimento ultrapasse a mera esfera patrimonial e, de algum modo, traga abalo e sofrimento psicológico à vítima, amoldando-se ao tipo penal do artigo 158 do CP.
Ressalto que no tipo penal em discussão não há nenhuma ressalva ou determinação sobre a elementar grave ameaça ter relação com a integridade física ou moral da vítima, ou de outra pessoa, e não com seu patrimônio, sendo viável inferir que tal elementar deva ser dirigida à pessoa da vítima, sujeito passivo do crime, de quem se almeja obter vantagem indevida, mediante temor nela incutido, sem se restringir à sua integridade física ou moral, podendo alcançar, portanto, seu patrimônio. No ponto, por se tratar de julgado paradigmático, reproduzo entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, em que este entendimento, ao qual me filio, vem sendo acolhido:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO. AMEAÇA. BENS DA VÍTIMA CONSIDERADOS EM SUA AMPLITUDE. DESTRUIÇÃO DE MOTOCICLETA. CONDUTA TÍPICA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. APRECIAÇÃO DA TESE ABSOLUTÓRIA FORMULADA NA APELAÇÃO DEFENSIVA.
A ameaça – promessa de causar um mal -, enquanto meio de execução do crime de extorsão, deve sempre ser dirigida a uma pessoa (alguém), sujeito passivo do ato de constranger. De tal conclusão, porém, não deriva outra: a de que a ameaça se dirija apenas à integridade física ou moral da vítima, como apontou o Tribunal de origem.
É certo que a ameaça há de ser grave, isto é, hábil para intimidar a vítima; todavia, não é possível extrair do tipo nenhuma limitação quanto aos bens jurídicos a que tal meio coativo pode se dirigir. Doutrina.
Conforme se afirma na Exposição de Motivos do Código Penal, a extorsão é definida numa fórmula unitária, suficientemente ampla para abranger todos os casos possíveis na prática.
Configura o crime de extorsão a exigência de pagamento em troca da entrega de motocicleta furtada, sob a ameaça de destruição do bem. Precedente.
No caso, impõe-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que aprecie a tese defensiva formulada na apelação, que ficou prejudicada em razão do reconhecimento da atipicidade da conduta, ora afastada.
Recurso especial parcialmente provido.
(Resp. 1.207.155/RS – Sexta Turma. Min. Relator – Sebastião Reis Júnior. Data do julgamento: 07/11/2013. DJe: 26/11/2013) (grifei)
Assim, bem delineada a extorsão, bem como que foi efetuada mediante concurso de agentes. Efetivamente, o ofendido e as testemunhas foram contundentes em relatar a ação de três pessoas. Sabido é que, para que se caracterize o concurso de pessoas, desnecessário se faz o ajuste prévio entre os agentes, bastando a adesão de um à conduta do outro, mesmo que essa ocorra durante a empreitada delituosa.
Portanto, configurou-se o delito do artigo 158, §1º (concurso de agentes) do Código Penal, impondo-se a condenação.
Passo, então, a analisar o APENAMENTO.
Alcemar Solano Souza Jacobi
Diante dos vetores do artigo 59 do CP, a culpabilidade, que é o grau de censurabilidade do réu por adotar um comportamento ilícito, é normal para este tipo de delito. Possui antecedentes, os quais não serão sopesados nesta fase do apenamento, e sim ,na segunda. A conduta social, que consiste no seu desempenho na sociedade, família, trabalho, grupo comunitário, servindo para avaliar o modo pelo qual o agente se tem conduzido na vida de relação, é sem notícias nos autos. A personalidade, formada pelo conjunto dos dados externos e internos que moldam um feitio de agir do réu, é voltada à prática de delitos. Os motivos são os de sempre, o lucro fácil. As circunstâncias do delito não merecem maior valoração. As consequências, aqui, não fogem ao normal. Finalmente, o comportamento da vítima em nada contribuiu para o cometimento do delito.
Em razão da análise supra, considerando negativo o vetor personalidade, a pena base é fixada em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Na segunda fase, presente a agravante da reincidência (certidão atualizada e juntada à contracapa – processo nº 033/2.05.0001414-0), a reprimenda vai exasperada em 06 (seis) meses, fixada a pena provisória em 04 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão.
Na terceira fase, presente a majorante do concurso de agentes, aumento a pena no mínimo legal de 1/3, tornando-se definitiva em 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão.
O regime inicial de cumprimento da pena é o fechado, diante da reincidência do réu, à vista do art. 33, §2º, a, do CP.
A pena de multa vai fixada em 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.
Inviável a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, tendo em vista que não presentes os requisitos do artigo 44, I, do CP.
Everton Rafael Wallauer
Quanto à primeira fase, remeto à análise acima realizada, em relação aos vetores culpabilidade, conduta social, motivos, circunstâncias, consequências e comportamento da vítima, porquanto idênticos. A personalidade não apresenta distorções. Possui antecedentes (processo nº 033/2.05.0043275-9, certidão juntada à contracapa).
Desta maneira, considerando negativos os antecedentes, a pena base é fixada em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Na segunda fase, presente a agravante da reincidência (processo nº 001/2.09.0074210-1), a reprimenda vai exasperada em 06 (seis) meses, restando a pena provisória estabelecida em 04 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão.
Na terceira fase, presente a majorante do concurso de agentes, aumento a pena no mínimo legal de 1/3, tornando-se definitiva em 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão.
O regime inicial de cumprimento de pena é o fechado, diante da reincidência do réu, à vista do art. 33, §2º, a, do CP.
A pena de multa vai fixada em 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.
Inviável a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, tendo em vista que não presentes os requisitos do artigo 44, I, do CP.
Cleberson Batista de Moraes
Na primeira fase, reporto-me, novamente, à análise supra, em relação aos vetores culpabilidade, conduta social, motivos, circunstâncias, consequências e comportamento da vítima. Não possui antecedentes, tampouco sua personalidade apresenta distorções. Assim, fixo a basilar no mínimo legal de 04 (quatro) anos de reclusão.
Na segunda fase, estão ausentes agravantes e atenuantes.
Na terceira fase, presente a majorante do concurso de agentes, aumento a pena no mínimo legal de 1/3, tornando-se definitiva em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
O regime inicial de cumprimento de pena é o semiaberto, à vista do art. 33, §2º, b, do CP.
A pena de multa vai fixada no patamar mínimo legal.
Deixo de arbitrar indenização mínima à vítima, já que não foi evidenciado o prejuízo por ela sofrido.
O pedido de isenção de pagamento da multa, referido em sede de memoriais defensivos, por apresentar a natureza de pena, cominada cumulativamente com a reclusiva no tipo penal, não cabe nesta sede, por ser pedido a ser produzido no juízo da execução penal.
Custas pelos réus, suspensa a exigibilidade dos pagamentos, considerando a precária situação econômica, assim como pelo fato de terem sido sempre acompanhados, no processo, pela Defensoria Pública, na forma do art. 98 do novo CPC.
EM FACE DO EXPOSTO, voto no sentido de dar provimento ao apelo da acusação, para julgar procedente a denúncia e condenar ALCEMAR SOLANO SOUZA JACOBI e EVERTON RAFAEL WALLAUER às penas de 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 20 (vinte) dias-multa, à razão unitária mínima, bem como CLEBERSON BATISTA DE MORAES à pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, e 10 (dez) dias-multa, à razão unitária mínima, porque incursos nas sanções do artigo 158, §1º, do Código Penal.
Transitando em julgado, lancem-se os nomes no rol dos culpados, expeçam-se mandados de prisão e se procedam às devidas anotações e comunicações.
FV
Desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira (REVISOR E REDATOR)
Com a devida vênia, divirjo da Ilustre Relatora.
A denúncia narra a prática de crime de extorsão praticado mediante a exigência de entrega pela vítima de quantia em dinheiro, “sob a ameaça de não devolução de sua motocicleta”. Ocorre que, para a configuração do crime em tela – em que pese a divergência doutrinária, o que não se desconhece –, necessária se faz a comprovação do emprego de violência ou grave ameaça dirigida à vida, integridade física, moral ou psíquica da vítima, o que não se verifica, na hipótese.
Corroborando esse entendimento, veja-se:
APELAÇÃO-CRIME. FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE AGENTES. EXTORSÃO MAJORADA (2X). CONCURSO MATERIAL. ABSOLVIÇÃO. 1. FURTO QUALIFICADO. DECRETO ABSOLUTÓRIO. MANUTENÇÃO. Em que pese a verossimilhança da tese acusatória, a prova produzida nos autos não autoriza a conclusão de… Ver íntegra da ementa que os acusados furtaram os tacógrafos de propriedade da vítima que venderam para o codenunciado Adelar (acusado de receptação, em processo que foi cindido). Furto ocorrido 6 dias antes de os réus terem exigido quantia em dinheiro da vítima para devolver os objetos (2º e 3º fatos denunciados), e, depois, transmiti-los a terceiro, o que não permite que se instale a presunção de autoria, que decorre da apreensão do bem em poder do agente logo após a prática ilícita. Prova escorreita somente no sentido de que os agentes estavam na posse dos tacógrafos e os repassaram ao codenunciado, de modo que, pelo tempo transcorrido, poderiam tê-lo receptado. A receptação, contudo, não está narrada na inicial, sendo inviável, nos termos da Súmula n.° 453 do E. STF a aplicação da “mutatio libelli” em sede recursal. Sentença absolutória mantida. 2. EXTORSÃO MAJORADA. FATOS 2 E 3. ÉDITO ABSOLUTÓRIO. MANUTENÇÃO. ELEMENTAR DA GRAVE AMEAÇA NÃO CONFIGURADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. À configuração do crime de extorsão imprescindível a demonstração de que a vítima restou constrangida pela violência ou grave ameaça a fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa, alcançando, ao sujeito, vantagem… econômica indevida. Delito complexo cuja tutela dirige-se à vida, integridade física, tranquilidade e liberdade pessoal, bem como o patrimônio, sendo que a ofensa à pessoa é o meio executório para a obtenção da vantagem pretendida. Hipótese na qual a vítima disse que os agentes exigiram a entrega de R$ 500,00 pelos tacógrafos, sob pena de não devolução dos objetos. Ameaça de não devolução dos bens que não desponta com a gravidade exigida pelo tipo penal em questão, no sentido de obrigar a vítima à ação pretendida pelo sujeito, até mesmo porque a perda patrimonial havia já se perfectibilizado quando da subtração dos tacógrafos, não caracterizando o crime de extorsão. Absolvição mantida. APELO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70056065246, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 11/05/2016)
APELAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. EXTORSÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO DELITO. GRAVE AMEAÇA À PESSOA NÃO CONFIGURADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA DESCRITA NA DENÚNCIA. Não se identifica na ação imputada ao acusado importante elementar do delito de extorsão – o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. A exigência de dinheiro para a restituição do veículo anteriormente subtraído da vítima, desvinculada de qualquer meio de intimidação capaz de criar fundado receio de iminente e grave mal, físico ou moral, à sua pessoa ou a algum familiar, não se amolda ao delito previsto no artigo 158 do Código Penal. Exigência de determinada quantia para a entrega do automóvel, sob pena de levar o bem a desmanche, desvinculada de qualquer indício de prova acerca do emprego de grave ameaça à integridade física ou moral da vítima no momento da negociação. E eventual ameaça de mal injusto, além de duvidosa, no caso, ocorreu em momento posterior à entrega do veículo e ao pagamento da quantia prometida. Apelo provido para absolver o réu com fulcro no artigo 386, inciso III, do CPP. Por maioria. (Apelação Crime Nº 70051036739, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 20/02/2013)
A conduta narrada na exordial, no que diz com a classificação jurídica imputada aos réus – extorsão –, é atípica, muito embora pudessem os atos anteriores caracterizar, em tese, o delito de furto ou receptação, o que não se cogitou na origem.
E, para evitar tautologia, bem como homenagear o trabalho do ilustre Procurador de Justiça Paulo Antônio Todeschini, que muito bem equacionou a questão posta a julgamento por este Colegiado, transcrevo os termos de seu parecer, adotando-os como razão de decidir:
Com efeito, conforme se vê da denúncia ofertada, os acusados, no dia 31 de maio de 2011, cerca de 17h00min, no estacionamento do Hospital Centenário, em São Leopoldo, teriam, de comum acordo, exigido da vítima Luan Vinicius da Cunha a quantia de trezentos reais, tudo visando à devolução da motocicleta dele Luan, a qual tinha sido subtraída, momentos antes, do estacionamento do hospital respectivo. Conforme ainda a denúncia, a exigência foi feita mediante ameaça no sentido de que, caso não efetivado o pagamento, a motocicleta não seria devolvida.
Portanto, à margem dessa retrospecção, percebe-se, com clareza, que a ameaça integrante da receptação noticiada se dirigiu, única e exclusivamente, ao patrimônio da vítima. Vale dizer, e venia pela insistência, a motocicleta, caso não efetuado o pagamento, não seria mais devolvida. De resto, o Ministério Público, nas razões recursais, reforçou que, de fato, a veiculada grave ameaça se dirigiu, sim, ao patrimônio do ofendido.
Ora bem, se essa foi a narrativa da denúncia, salta aos olhos que o crime de extorsão não se configurou sequer em tese. No particular, advirta-se que, smj., a melhor exegese do artigo 158, caput, do Código Penal exige que a violência ou grave ameaça, elementos do tipo respectivo, sejam endereçados diretamente à vítima ou familiar seu. Dizendo de outro modo, mister, para a tonalização do tipo em epígrafe, que, tanto a violência quanto à grave ameaça, importem em intimidação ou constrangimento direto e imediato a integridade corporal ou psíquica/psicológica da vítima ou familiar. Em atenção a isso, determinante observar que roubo e extorsão são crimes, numa linguagem popular, primos-irmãos. Daí porque as respectivas elementares (violência/grave ameaça), tanto num caso quanto no outro, devem ser dirigidas, de fato, diretamente à própria pessoa, não, venia pela insistência, ao patrimônio ou outra objetividade jurídica que não tenha a ver com a integridade física ou liberdade do sujeito passivo.
Logo, como a própria denúncia deixou claro que a grave ameaça teve como foco e direcionamento a não devolução da motocicleta, não há de se falar em extorsão.
[…]
Nessas condições, é de se manter a absolvição decretada na origem, aclarando-se, apenas, que o decreto absolutório deve ser lançado com esteio no inciso III do artigo 386 do CPP, já que, quanto ao dispositivo, mostrou-se silente a sentença.
Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo ministerial, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Des.ª Fabianne Breton Baisch (PRESIDENTE)
Com a devida vênia, vou divergir da eminente Relatora, nos exatos termos do voto do nobre Revisor, porque é o entendimento que venho adotando em casos tais.
Deve ser explicitada a sentença acerca do fundamento absolutório, que deve se dar no art. 386, III do CPP, já que silente o magistrado singular, no aspecto.
Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo ministerial, explicitando a sentença, para que o fundamento absolutório conste como sendo o art. 386, inciso III do CPP.
Leia também: