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Evinis Talon

TJ/RS: atipicidade da conduta de manter casa de prostituição, por se tratar de conduta amplamente tolerada pela sociedade

23/01/2020

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Decisão proferida pela Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na Apelação nº 70061310124, julgada em 09/07/2015 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL (FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇAO) E MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. Absolvição (art. 386, inc. VII, do CPP). Ausência de prova do elemento subjetivo do tipo (dolo), observada a narrativa da própria vítima, corroborada pela da ré e da testemunha presencial, no sentido de que a ofendida livremente procurou o estabelecimento comercial e nele buscou emprego, inexistindo prova segura de vício em sua autonomia deliberativa. Inexistência de comprovação de que a ré conhecida a idade da vítima. Manutenção de casa de prostituição. Absolvição (art. 386, inc. III, do CPP). Atipicidade material da conduta. Incidência do princípio da adequação social do fato. A exploração de casa de prostituição, embora formalmente típica, é conduta amplamente tolerada pela sociedade, faz tempo, e muitas vezes pelo próprio Estado, que, através de sua administração, fecha olhos para o funcionamento escancarado de prostíbulos e de pontos de prostituição em plena via pública, além de ser estimulada e divulgada pela mídia. Então, não pode o próprio Estado, de um lado, coibir a prática através de sua função repressiva, e, de outro, pela via adminsitrativa, permiti-la a olhos vistos. APELO DEFENSIVO PROVIDO. ABSOLVIÇÃO. UNÂNIME. (Apelação-Crime, Nº 70061310124, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bernadete Coutinho Friedrich, Julgado em: 09-07-2015). Assunto: DIREITO PENAL. PROSTITUIÇÃO. VÍTIMA VULNERÁVEL. ERRO DE TIPO FALTA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO. APELO PROVIDO. Referência legislativa: CPP-386 INC-VII

Leia a íntegra do voto:

VOTOS

Des.ª Bernadete Coutinho Friedrich (RELATORA)

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do apelo.

O Ministério Público imputa à ré a prática dos crimes de favorecimento da prostituição e de manutenção de casa de prostituição, na forma dos arts. 218-B, §2º, inc. II, e art. 229, ambos do CP.

A sentença hostilizada, acolhendo a denúncia, condenou a ré à pena de seis (6) anos de reclusão, sendo quatro (4) anos pelo primeiro fato e dois (2) anos pelo segundo fato, em regime inicial semiaberto.

Contra esta decisão se insurge a defesa, postulando a absolvição da ré por ambos os fatos.

O recurso prospera.

De dizer, por primeiro, que a existência do crime de favorecimento a prostituição, primeiro fato descrito na denúncia, não encontra sustentação na prova produzida.

A fim de evitar indesejada tautologia, transcrevo trecho da sentença, da lavra da Exma. Sra. Juíza de Direito  Aline Zambenedetti Borghetti, que bem sintetiza os relatos prestados pela vítima, pela ré e pelas testemunhas chamadas a falar nos autos:

Interrogada, a ré Rosa Iara negou a prática dos delitos narrados na denúncia. Em relação à menor Loren, disse que não tinha conhecimento do fato dela ser menor de idade, sobrelevando que no momento em que esta chegou ao estabelecimento, não se encontrava no local, pois estava cuidando de uma amiga que estava internada no hospital. Disse que, quando chegou do hospital, sequer teve tempo de conversar com Loren e solicitar seus documentos, pois em seguida chegou a polícia. Referiu que, pelo que sabe, Loren não fez programa no estabelecimento. Além disso, negou ser proprietária de uma casa de prostituição, referindo que se trata apenas de um bar, sem fins de exploração sexual (fls. 272/278).

A vítima Loren Daniela Viegas Suna confirmou que no local funcionava uma casa noturna de prostituição, da qual a acusada era proprietária. Destacou que quando chegou no local a ré não se encontrava, uma vez que estava cuidando de uma amiga internada, tendo, na ocasião, falado com Letícia, que estava tomando conta do local. Referiu que tomou conhecimento da boate perguntando para uma pessoa na rua, próximo à rodoviária. Disse que permaneceu no estabelecimento por cerca de três a quatro dias, sendo que o preço do programa era R$ 60,00, dos quais R$ 10,00 pagava à acusada pelo quarto. Por fim, destacou que só viu a ré no último dia, oportunidade em que esta lhe solicitou os documentos pessoais (fls. 187/189).

A testemunha Maria Cristina Meyer da Cunha, policial civil que atuou no caso, confirmou que no local a ré mantinha uma casa de prostituição, sendo que, quando da realização da operação, a vítima Loren, menor de idade, estava trabalhando no local. Destacou que a vítima lhe informou que cobrava R$ 60,00 por programa, dos quais R$ 10,00 eram destinadas à acusada, pelo aluguel do quarto. Disse, ainda, que consumia bebida alcoólica no local, ganhando R$ 3,00 a título de comissão a cada garrafa de cerveja, que era vendida a R$ 10,00 (fls. 144/145).

No mesmo sentido foram os depoimentos das testemunhas Martin Fermun e Fernanda Maria Timm, também policiais civis que atuaram no caso (fls. 145V/149).

A Delegada da Polícia Civil Vivian Sander Duarte afirmou que receberam denúncia de que havia menores se prostituindo no estabelecimento da acusada, razão pela qual se dirigiram ao local, lá encontrando a vítima. Destacou que a vítima confirmou que estava se prostituindo naquele local, inclusive detalhando o procedimento referente ao preço do programa e porcentagem destinada à dona do estabelecimento (fls. 241/242).

O Conselheiro Tutelar Fabiano Raphael afirmou ter efetuado a condução da menina para Pelotas, para que fosse entregue para sua família. Disse que a menor, primeiramente, negou que estivesse em situação de prostituição. Depois, com o passar do tempo, durante a viagem, a menor confirmou que estava na boate há aproximadamente uma semana, mas continuou negando que tivesse feito programa, apenas consumido bebida alcoólica. Por fim, destacou que a boate da acusada é conhecida na cidade como um local de prostituição (fls. 149v/150v).

A testemunha Vanderleia Braga da Silva, funcionária do estabelecimento da acusada, disse que no local funciona um bar dançante. Referiu que Loren chegou naquele dia à tardinha, sendo que a ré estava no hospital cuidando de uma amiga internada. Negou que o bar tivesse a finalidade de induzir a prostituição (fls. 151V/153).

Lidia Grala confirmou que a ré lhe cuidava no hospital no período em que esteve internada, aproximadamente entre 19 e 25 de agosto de 2010. Disse que a acusada ficava no hospital até por volta de meia noite, sendo que após ia para casa. Referiu ter conhecimento de que no local funciona um barzinho, nada sabendo sobre se tratar de uma casa de prostituição (fls. 153V/155).

Por fim, Elimar Pereira prestou depoimento apenas como testemunha abonatória, nada esclarecendo sobre os fatos narrados na denúncia (fl. 151).? (Grifei)

Rogada vênia, a análise da prova oral, colhida durante a instrução da causa, não esclarece sobre a verdade real desse fato narrado na denúncia.

Explico.

Cumpre consignar que o preceito primário do art. 218-B, caput, do Código Penal, descreve as condutas de ?submeter, induzir ou atrair à prostitução ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos…?

A este respeito, imperativa a transcrição da doutrina de Julio Fabbrini Mirabete, verbis:

 “Submeter é dominar, subjugar, tirar a liberdade, sujeitar alguém a algo, ou reduzi-lo a um estado de obediência ou dependência. Submeter alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual é sujeitar a pessoa a esse estado contra a sua vontade ou sem que tenha ela liberdade de escolha.

(…)

Induzir é persuadir, aconselhar, instigar etc. Por essa forma de conduta o agente não retira a liberdade de escolha do sujeito passivo, mas o influencia para que voluntariamente se sujeite ao estado de exploração sexual. É o que também ocorre na terceira modalidade, a de atrair, que significa seduzir, envolver, instigar, e que sugere a ação de quem já se encontra no ambiente de prostituição ou exploração sexual, ainda que não a exerça. Facilitar é favorecer, tornar mais fácil, prestar auxílio, propiciar condições para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual. (…)”

A caracterização do delito de favorecimento da prostituição, ou de outra forma de exploração sexual, de criança ou adolescente, exige a demonstração da ocorrência de algum dos verbos nucleares definidos na lição doutrinária supra transcrita, sem os quais não se faz presente a adequação típica da conduta à norma legal incriminadora.

A prova produzida na espécie, no entanto, não tem força de demonstrar a prática, pela ré, de qualquer daquelas condutas, restando demonstrado, isto sim, que houve voluntariedade da vítima na realização de programas sexuais, sem prova do inequívoco conhecimento, pela ré, de sua verdadeira idade cronológica.

Veja-se que a ofendida afirma, desde a fase investigarória, ter chegado à cidade de São Lourenço do Sul e ido buscar emprego em casas noturnas de forma livre e espontânea, sem qualquer induzimento ou instigação por parte da apelante, autonomia que manteve durante todo o período de estada no estabelecimento comercial de propriedade da requerida.

Tal relato é corroborado no depoimento de todas as demais testemunhas ouvidas ao tempo da instrução, observado que nenhuma delas, em momento algum, mesmo aquelas que acompanharam a menor ao tempo do flagrante, fazem qualquer referência no sentido de que tenham ouvido ela dizer ter sido coagida a se prostituir, ou por qualquer outra forma tenha sido reduzida sua autonomia para que realizasse programas sexuais, prova que deveria ter sido produzida extreme de dúvidas.

Neste sentido os precedentes que seguem:

APELAÇÃO CRIME. LENOCÍNIO E TRÁFICO DE PESSOAS. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ABSOLVIÇÃO. CASA DE PROSTITUIÇÃO. Com a evolução dos costumes, a manutenção de estabelecimento destinado à prostituição passou a ser aceita ¿ ou pelo menos tolerada ¿ pela sociedade. Assim, apesar da previsão contida no art. 229 do Código Penal, tanto a doutrina como a jurisprudência têm se orientado pela atipicidade material da conduta, frente ao princípio da adequação social. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO. SUBMISSÃO DE ADOLESCENTE À PROSTITUIÇÃO. Para a caracterização do delito de favorecimento à prostituição ¿ e de submissão de menor à prostituição ¿, é necessária a existência de ação comissiva do acusado no sentido de impor à vítima prática sexual mediante pagamento. No caso dos autos, tanto não veio devidamente comprovado. Os relatos trazidos pelas ofendidas dão conta que agiram por livre vontade, atraídas pela possibilidade de auferirem lucro com a atividade sexual. Diante de tais elementos de prova, não há falar em tipicidade da conduta atribuída ao denunciado, pois ausente qualquer ato comissivo de coerção das menores à prática de atos sexuais mediante pagamento. Reforma da sentença neste ponto, absolvendo-se o réu. RUFIANISMO Para a configuração do crime de rufianismo, necessário que o ganho obtido seja diretamente auferido da prostituição ¿ e não do comércio paralelo de outros produtos, como bebidas e alojamentos. Caso concreto em que indemonstradas as elementares exigidas pelo art. 230 do Código Penal. FORNECIMENTO DE BEBIDA À ADOLESCENTE E FALSA IDENTIDADE. O contexto probatório é insuficiente para autorizar a condenação do denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 63, I, do Decreto-Lei nº 3.688/41 e do art. 307 do Código Penal, impondo-se a conservação da absolvição. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO. APELO DEFENSIVO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70027409499, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 17/12/2009)?

APELAÇÃO-CRIME. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO. MENOR ADOLESCENTE. ART. 244-A DO ECA. ART. 218-B DO CP. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SITUAÇÃO DE EXPLORAÇÃO SEXUAL POR TERCEIRO NÃO DEMONSTRADA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Na hipótese prevista no artigo 244-A do ECA, reproduzido pelo artigo 218-B do CP (cuja única alteração, mais benéfica, inclusive, diz respeito à pena de multa, agora exigível somente quando o agente atuar com o fim de obter vantagem econômica), indispensável à configuração do delito que o menor se encontre em situação de exploração sexual por terceiro, condição esta que não restou demonstrada no acervo probatório formado nestes autos, tendo o adolescente, inclusive, afirmado que assim agia por conta própria. APELO MINISTERIAL IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70039037973, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 16/02/2011)

Por outro lado, de lembrar que o delito tipificado no art. 218-B do Código Penal é punido apenas a título de dolo (ainda que eventual), elemento subjetivo que também não resta suficientemente demonstrado na espécie, porquanto tanto a ré quanto a testemunha Vanderleia Braga da Silva e a própria vítima, foram uníssonas em afirmar que a apelante não tinha conhecimento da idade da ofendida, tendo solicitado sua documentação, pessoalmente, apenas quando com ela teve contato, isto no dia em que se houve o flagrante, sendo que, até então, esta dizia que não possuía a documentação consigo, mas que a providenciaria para breve.

A vítima, segundo ela mesma afirma, nitidamente escondeu da funcionária da ré e da própria ré a sua verdadeira identidade, certamente pelo receio de que, sabedoras de sua idade, não permitissem que trabalhasse naquele local. Não há, outrossim, nenhum indicativo nos autos dando conta de que a compleição física da vítima era de tal maneira ostensiva que não permitiria a dúvida a respeito de sua menoridade.

Então, prova do dolo da ré não há, nem mesmo do dolo eventual, tornando impositiva, também por este fundamento, a absolvição da apelante quanto ao crime de favorecimento a prostituição, primeiro fato narrado na denúncia.

Em relação ao crime de manutenção de casa de prostituição  também impositiva a absolvição, agora por observância obrigatória ao princípio da adequação social, o qual afasta a tipicidade material do delito imputado à ré.

Esse princípio determina que não se pode reputar criminosa uma conduta tolerada pela sociedade, ainda que se enquadre em uma descrição típica. Refere-se ele a condutas que, embora formalmente típicas, porquanto subsumidas num tipo penal, são materialmente atípicas, pois, socialmente toleradas, isto é, estão em consonância com a ordem social.

A exploração de casa de prostituição, embora formalmente típica, inegavelmente é conduta amplamente tolerada pela sociedade, faz tempo, e muitas vezes pelo próprio Estado, que, através de sua administração, fecha olhos para o funcionamento escancarado de prostíbulos e de pontos de prostituição em plena via pública, além de ser estimulada e divulgada pela mídia. Então, não pode o próprio Estado, de um lado, coibir a prática através de sua função repressiva, e, de outro, pela via administrativa, permiti-la a olhos vistos.

No ponto, adoto os fundamentos esposados no bem lançado parecer da Procuradoria de Justiça, de lavra do preclaro Procurador Gilberto Thums, cujo trecho ora transcrevo, a fim de evitar indesejada tautologia:

Igualmente, entendo que deve ser absolvida a ré quanto a esse delito em face da atipicidade material da conduta.

A sociedade dos dias de hoje vem tolerando crimes como o de manutenção de casa de prostituição, favorecimento à prostituição, rufianismo, etc, o que se depreende, inclusive, de anúncios nesse sentido em jornais de grande circulação do nosso Estado.

Assim, punir esses comportamentos, é banalizar o direito penal, uma vez que tais condutas que não agridem bem jurídico fundamental contraria o caráter fragmentário do Direito Penal, que significa, na lição de Cézar Roberto Bitencourt1, que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão somente aquelas condutas realmente relevantes e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes.

Destaco que o próprio Poder Público muitas vezes concede alváras para funcionamento de estabelecimentos que desenvolvem esse tipo de atividade, algumas vezes com nomes fictícios, mas que a comunidade sabe se tratar de prostíbulo, não havendo insurgência quanto a isso.

Como bem argumenta o doutrinador Guilherme de Souza Nucci, se a própria prostituição não é considerada crime e se nem toda a forma de exploração sexual consiste em atividade ilícita, não se mostra razoável a simples punição da pessoa que mantém local onde possam ocorrer quaisquer dessas situações

Portanto, as transformações sociais e os costumes retiraram a tipicidade material da conduta, devendo ser aplicado o princípio da adequação social, motivo pelo qual a absolvição quanto ao segundo fato também é impositiva.

Nesse sentido:

CÓDIGO PENAL. ART. 228. FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO. ART. 229. MANTER CASA DE PROSTITUIÇÃO. ATIPICIDADE. A manutenção de casa de prostituição com conhecimento das autoridades, sem imposição de restrições, desfigura o delito previsto no art. 229 do CPP. Conduta que, embora prevista como ilícita, é aceita pela sociedade atualmente. No caso dos autos, não há prova de que a ré induziu ou atraiu a vítima para a prostituição, visto que a mesma já fazia programas antes de a acusada adquirir o estabelecimento. Absolvição mantida. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70059523357, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 02/07/2014)

APELAÇÃO CRIMINAL. MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. COMERCIALIZAÇÃO DE CDS \”PIRATAS\”. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. Manutenção de casa de prostituição. Aplicação do princípio da adequação social. A conduta de manter casa de prostituição inseriu-se na sociedade contemporânea, sendo aceita pela coletividade, razão pela qual a absolvição dos réus se impõe. Embora formalmente típica, a prática em liça carece de tipicidade material. Receptação qualificada. Absolvição. Atipicidade da conduta, uma vez que não se enquadra no delito do art. 180, §1º, CP. Em razão da precariedade da prova pericial, que só analisou externamente as amostragens coletadas, e da ausência de prejuízo às empresas detentoras das licenças, não configurada a procedência criminosa dos CDs, motivo pelo qual a prática não se subsume à receptação qualificada. Afastada a origem criminosa dos bens adquiridos com o escopo de posterior alienação, não configurado o delito pelo qual os acusados foram indiciados. APELO DEFENSIVO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70044460350, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em 06/10/2011)

Por fim, como muito bem salientado pelo eminente Desembargador Ivan Leomar Bruxel, quando do julgamento da apelação criminal nº 70059523357, julgado em 02 de julho do corrente ano, sobre a atipicidade dessa conduta de manter casa de prostituição, ex vi:

Se de um lado está certo ao coibir tal conduta, que é tipificada, por outro não é de hoje que a prostituição está inserida em nossa sociedade.

Trata-se de situação que acompanha a história estando normalmente vinculada aos desajustes sociais, tais como miséria, desemprego, inversão de valores.  E embora não seja a prostituição em si tipificada, o que é razoável, à medida que a própria atividade já é degradante e penalizante, o seu favorecimento, através da manutenção de casa de prostituição o é.

Esta a prostituição de beira de estrada, onde trabalham aquelas mulheres que, na maioria das vezes por dificuldades financeiras, encontra nesta atividade a única fonte de renda que está ao seu alcance.

De outro lado, existe também a prostituição destinada a outros e outras, com atendimento individual em apartamentos, de forma mais discreta.

Sem contar os/as acompanhantes, as saunas, os hotéis day use, e outras situações similares, tanto que já corriqueira a expressão turismo sexual.

Mas, paradoxalmente, só os proprietários das pequenas casas, do interior,  é que são, vez que outra, transformados em réus.

Entretanto, a maioria da jurisprudência posiciona-se no sentido de desconsiderar atividade criminosa quando aceita pelas autoridades locais e pela própria sociedade.

Não fosse apenas este argumento, observa-se que a todo o momento nos deparamos na televisão, jornais e revistas com propagandas sobre o comércio do sexo, incentivando os jovens e instigando menores. Por isto parece-me impossível condenar a ré por ter mantido um lupanar, quando pelos meios de comunicação é levada à ignorância da antijuridicidade de seu agir, julgando ser sua conduta absolutamente legítima.

(…)

Não por outro motivo, aliás, já faz tempo que estabelecimentos do gênero são chamados de casas de tolerância.

Como analisado pela sentença e destacado no parecer, a decisão de afastar a tipicidade das condutas previstas nos arts. 228 e 229 do Código Penal foi correta, pois aplicados os princípios da adequação social e razoabilidade, na medida em que tais condutas passaram a ser aceitas socialmente. (…)

Dessa forma, seja pela adequação social, seja pela razoabilidade, deve ser a acusada absolvida também por esse delito do art. 229 do  CP.

A jurisprudência desta Corte é majoritária no mesmo sentido, verbis:

APELAÇÃO. SUBMISSÃO DE ADOLESCENTE À PROSTITUIÇÃO E À EXPLORAÇÃO SEXUAL, E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. NÃO COMPROVAÇÃO. CASA DE PROSTITUIÇÃO. ART. 229 DO CÓDIGO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. 1. A prova produzida é insuficiente para comprovar a prática dos crimes imputados aos réus. 2. Reconhecida a atipicidade material do artigo 229 do CP, porque a manutenção de casa de prostituição é aceita socialmente, com base nos princípios da razoabilidade e adequação social. Apelação desprovida. (Apelação Crime Nº 70058420621, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado em 16/04/2014)

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. ART. 229 DO CÓDIGO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. AFASTAMENTO DA ILICITUDE DA CONDUTA QUE ADVÉM DA MODIFICAÇÃO DOS PADRÕES DE COMPORTAMENTOS SOCIAIS E MORAIS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA. CRIMES PREVISTOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. SUBMISSÃO DE ADOLESCENTE À PROSTITUIÇÃO E À EXPLORAÇÃO SEXUAL. NÃO COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. – Ainda que a manutenção de casa de prostituição seja conduta típica prevista no art. 229 do Código Penal, há de considerar-se sua atipicidade material, que leva ao afastamento da ilicitude diante do princípio da adequação social, pois que deixou de ser considerada delituosa em decorrência da modificação dos padrões comportamentais da sociedade atual. – Caso em que não restou suficientemente comprovada nos autos a prática do crime imputado às rés, razão pela qual imposta está a sua absolvição. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70046046736, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 09/02/2012)

APELAÇÃO CRIMINAL. MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. COMERCIALIZAÇÃO DE CDS \”PIRATAS\”. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. Manutenção de casa de prostituição. Aplicação do princípio da adequação social. A conduta de manter casa de prostituição inseriu-se na sociedade contemporânea, sendo aceita pela coletividade, razão pela qual a absolvição dos réus se impõe. Embora formalmente típica, a prática em liça carece de tipicidade material. Receptação qualificada. Absolvição. Atipicidade da conduta, uma vez que não se enquadra no delito do art. 180, §1º, CP. Em razão da precariedade da prova pericial, que só analisou externamente as amostragens coletadas, e da ausência de prejuízo às empresas detentoras das licenças, não configurada a procedência criminosa dos CDs, motivo pelo qual a prática não se subsume à receptação qualificada. Afastada a origem criminosa dos bens adquiridos com o escopo de posterior alienação, não configurado o delito pelo qual os acusados foram indiciados. APELO DEFENSIVO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70044460350, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em 06/10/2011).

Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento ao apelo defensivo, a fim de absolver a ré Rosa Iara Natel Padilha, quanto ao 1º fato da denúncia, por insuficiência probatória, fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP, e, quanto ao 2º fato, pela atipicidade material da conduta, fundamento no art. 386, inc. III, do CPP.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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