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Evinis Talon

Supressão de instância em sede de habeas corpus

01/02/2018

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Supressão de instância em sede de habeas corpus

A supressão de instância seria a análise, por um tribunal, de uma matéria ainda não julgada pela instância inferior.

Como exemplo de supressão de instância, podemos citar o exame, pelo Tribunal de Justiça, de uma matéria ainda não apreciada pelo Juízo de primeiro grau. Nesse caso, é provável que o Tribunal de Justiça deixe de analisar esse ponto com fundamento na supressão de instância ou, se analisar, o Superior Tribunal de Justiça reconheça a nulidade dessa decisão.

Na prática, é comum que os tribunais invoquem a supressão de instância como um fundamento para não conhecer de “habeas corpus” ou denegar a ordem.

Nesse ponto, há um equívoco. A supressão de instância não pode ser utilizada como fundamento para denegar ordem de “habeas corpus”, haja vista que esse remédio constitucional discute a liberdade do indivíduo – o que deve preponderar em relação a supostas regras de competência – e pode ser concedido de ofício.

Aliás, o “habeas corpus” não é um recurso, mas sim uma ação autônoma de impugnação. Sendo assim, não há de se exigir um prequestionamento na instância inferior.

Conforme o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Observa-se que a Constituição não impõe qualquer requisito quanto à necessidade de apresentar os argumentos no Juízo de piso antes de impetrar o remédio constitucional.

Nessa linha o “habeas corpus” é utilizado por quem sofre coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Logo, concorrendo com a indevida criação do obstáculo denominado supressão de instância, temos o direito constitucional à liberdade do indivíduo.

Exigir esse prequestionamento é algo contrário à ideia de economia e celeridade processual, esta última prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição, e item 6, art. 7º, do Pacto de São José da Costa Rica.

Assim, repita-se: acima de eventual supressão de instância está o direito à liberdade.

Entrementes, muitas decisões pelo país denegam (ou deixam de conhecer de) “habeas corpus” com base na supressão de instância. Noutras palavras, esses tribunais não concede a ordem de “habeas corpus”, alegando que decidir sobre determinado ponto – como a ilegalidade da prisão – seria uma supressão de instância.

Aliás, o STJ argumenta que há supressão de instância em casos nos quais a parte impetra “habeas corpus” como substituto de recurso, porque a inadequação da via processual adotada faria com que a matéria não fosse analisada pelo tribunal de origem (o que é contraditório, pois o HC é impetrado exatamente contra uma decisão do tribunal de origem, razão pela qual todas as matérias poderiam ter sido analisadas, especialmente pela possibilidade que aquele tribunal tinha de deferir a ordem de ofício):

HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PRISÃO DOMICILIAR. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM POR INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ADOTADA PELA DEFESA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não tem admitido a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso próprio, prestigiando o sistema recursal, contudo, tem preservado a importância e a utilidade do remédio constitucional, visto que permite a concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. […] 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo examine o mérito da impetração. (STJ, Quinta Turma, HC 305.716/SP, Rel. Ministro Leopoldo de Arruda Raposo, julgado em 03/03/2015)

Várias outras decisões seguem a mesma linha de não conhecer do “habeas corpus” quando não houve, na instância inferior, provocação feita pela parte.

Assim, o STJ já deixou de decidir sobre unificação de penas, porque o Tribunal de Justiça não havia se manifestado sobre esse ponto:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. HC ORIGINÁRIO NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL A QUO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. […] 1. Verifica-se que o egrégio Tribunal a quo não analisou o tema, situação que obsta a apreciação da referida matéria por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância […] 4. Ordem não conhecida. (STJ, Sexta Turma, HC 225.692/SP, Rel. Ministro Vasco Della Giustina, julgado em 10/04/2012)

Em outra situação, deixou-se de reconhecer o cerceamento de defesa alegado pela defesa, haja vista que não havia provocação da instância inferior. Nessa situação, se houve ou não um obstáculo ao contraditório e à ampla defesa, pouco importa. O Judiciário privilegia as regras de competência em detrimento da possibilidade de conceder a ordem de “habeas corpus” de ofício:

[…] SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. A questão relativa ao suposto constrangimento ilegal suportado pela paciente, consubstanciado em alegado cerceamento de defesa, não foi apreciada pelo eg. Tribunal a quo, razão pela qual fica impedida esta eg. Corte de proceder a tal análise, sob pena de indevida supressão de instância (precedentes). Agravo regimental desprovido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no HC 306.178/RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, julgado em 05/05/2015)

Da mesma forma que ocorre em relação aos casos anteriormente citados, também é comum verificar que os Tribunais de Justiça não conhecem de “habeas corpus” quando a defesa não peticiona ao Juiz de primeiro grau após este decretar a prisão preventiva. Noutras palavras, se um Juiz, de forma ilegal, decreta uma prisão cautelar, há tribunais que entendem pela necessidade de que a defesa se manifeste a esse mesmo Juízo – o que quase sempre é em vão – sobre as alegações que, em seguida, farão parte do “habeas corpus”.

É decepcionante viver em um país no qual o Judiciário entende que uma prisão ilegal somente pode ser reconhecida como tal se houver uma prévia manifestação da instância inferior.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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