Notícia publicada no site do Superior Tribunal Militar (STM) no dia 22 de novembro de 2019 (leia aqui), referente ao recurso em sentido estrito nº 7000870-69.2019.7.00.0000.
O Superior Tribunal Militar (STM) recebeu denúncia contra um ex-sargento do Exército e sua esposa, após o julgamento de um Recurso em Sentido Estrito, impetrado pelo Ministério Público Militar (MPM).
Os dois acusados foram denunciados pelo MPM, que acredita que ambos tenham incorrido no crime de estelionato, artigo 251 do Código Penal Militar (CPM). O casal teria planejado uma fraude com o objetivo de fazer a Administração Militar considerar o sargento como morto ficto.
A morte ficta ou presumida, de forma geral, é declarada quando a pessoa desaparece sem deixar procurador. Não existe uma certeza da morte, apenas a suspeita. No caso em questão, a unidade militar em que o ex-sargento servia declarou a sua morte ficta após um ano do seu desaparecimento com o objetivo de resguardar os direitos da esposa, que, neste caso, é considerada viúva e que teria direito ao recebimento da pensão.
Deserção e pensão militar
De acordo com o MPM, a farsa começou ainda em 1996, quando o sargento saiu de férias e não retornou, sendo considerado desertor. Um ano após o fato, a mulher do sargento solicitou habilitação à concessão de pensão militar, que lhe foi deferida dois meses depois, quando ela passou a receber os respectivos proventos depositados pelo Exército.
Consta ainda na peça acusatória apresentada pelo MPM que a deserção foi premeditada, uma vez que o militar tinha conhecimento de que sua ausência por um período prolongado causaria a declaração da chamada “morte ficta”, o que daria à mulher dele o direito a receber a pensão na condição de viúva.
Todo o caso foi descoberto quando o próprio sargento se apresentou à Administração Militar, nove anos depois, acreditando que o crime já estaria prescrito, o que motivou a deflagração do processo investigatório e posterior oferecimento de denúncia.
Para o MPM, vários são os sinais de que a deserção foi intencional e em comum acordo com a outra denunciada, a esposa do ex-militar.
Segundo o MPM, um dos primeiros indícios é o fato de que durante muitos anos o militar exerceu função de auxiliar de análise de processo na Seção de Inativos e Pensionistas (SIP), na unidade militar em que trabalhava, o que fazia com que ele soubesse exatamente quais os trâmites em caso de uma ausência prolongada.
Além disso, o MPM apurou que durante os nove anos em que o sargento esteve na qualidade de desertor, ele e a esposa não só mantiveram contato, como abriram uma empresa em sociedade.
No total, durante todo o período em que durou a ausência do denunciado, sua esposa recebeu, a título de pensão, quase R$ 1 milhão, dinheiro que o MPM entende pago indevidamente, configurando o crime de estelionato.
Argumentos defensivos
No STM, a Defensoria Pública da União (DPU) sustentou que ambos os acusados foram erroneamente inquiridos como testemunhas de defesa durante Inquérito Policial Militar (IPM).
Da mesma forma, alegou que não houve indução que acarretasse o erro por parte da Administração Militar, não constando dos autos nenhum documento ou relato de suspeita de apresentação de documento falso.
Sustentou também que o MPM não se incumbiu de demonstrar a tipicidade formal do delito e que os elementos de convicção eram deficientes. A DPU argumentou ainda que a investigação não foi aprofundada do ponto de vista jurídico e legal no momento da concessão do benefício de pensão para a indiciada, sendo impositiva a manutenção da decisão que rejeitou a denúncia.
Justificativa para rejeição
O juiz federal da Justiça Militar, responsável pela rejeição da denúncia na primeira instância, explicou que a Administração Militar acolhia a exclusão por deserção como causa para concessão de pensão na forma da Lei nº 3.765/60, conforme procedimento de habilitação.
“Na verdade, ao meu sentir, os acusados se valeram de posicionamento administrativo, tendo a denunciada simplesmente requerido a habilitação e a concessão de pensão, sem apresentar dado ou documento falso, nem gerar ou manter a Administração em erro. Cabe registrar que tudo teve início com a exclusão de um militar estável por deserção, contrariando o Código de Processo Penal Militar, que prevê a agregação nesses casos”, explicou o magistrado.
O juiz continuou a fundamentação demonstrando que a exclusão por deserção jamais poderia ter gerado a denominada morte ficta, na forma da Lei nº 3.765/60, ao contrário do entendimento da unidade militar em que ele servia.
“A morte ficta deve alcançar tão somente militares expulsos ou excluídos a bem da disciplina. Temos, na verdade, um fato atípico, motivo pelo qual rejeito a denúncia”, decidiu o magistrado de primeira instância.
Decisão na corte superior
A ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha foi a relatora do Recurso em Sentido Estrito no STM.
Inicialmente, a magistrada decidiu pela retirada dos autos dos depoimentos colhidos dos acusados durante o Inquérito Policial Militar (IPM).
A defesa alegava, e a ministra concordou, que as provas violaram preceitos fundamentais dos acusados, uma vez que, na ocasião, foram interrogados como testemunha, não sendo a eles facultado o direito ao silêncio.
No mérito da questão, no entanto, a magistrada entendeu que na atual fase processual deve prevalecer o in dubio pro societate.
“A instrução processual é direito subjetivo outorgado ao dono da ação quando satisfeitas as exigências legais. Impedir seu exercício de forma precoce frustra as prerrogativas do MPM, pois o impossibilita de exercer sua função”, afirmou a ministra.
“Por isso, diante da existência de lastro probatório mínimo e não se evidenciando patente atipicidade da conduta, tampouco provas cabais a afastar a autoria, reconheço existir justa causa apta a deflagrar a ação penal, devendo a peça ser recebida”, decidiu Maria Elizabeth Rocha, que deu provimento ao recurso do Ministério Público e determinou a baixa dos autos à primeira instância, local em que o feito deverá prosseguir. Os ministros do STM acolheram o voto da magistrada, por unanimidade.
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