Notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 03 de outubro de 2019 (leia aqui), referente ao RHC 111060.
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento ao recurso em habeas corpus de Lázaro Luiz Gonzaga, ex-presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio-MG), para afastar a sua condição de servidor público e, em consequência, trancar a ação penal que tramita contra ele em relação aos crimes de peculato, corrupção passiva e fraude à licitação.
O colegiado ressaltou, contudo, que a decisão não impede eventual enquadramento das condutas atribuídas ao réu em outras figuras penais, se for o caso.
Segundo o Ministério Público de Minas Gerais, à época em que era presidente da Fecomércio, Lázaro Gonzaga liderava uma organização criminosa responsável por desviar recursos das entidades integrantes do “Sistema S” – que abrange o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) –, bem como da própria federação, além de simular negócios posteriores com a finalidade de falsear a origem do dinheiro.
O ex-dirigente da Fecomércio foi denunciado por associação criminosa, falsidade ideológica, supressão de documentos (por quatro vezes), peculato (quatro vezes), corrupção passiva (quatro vezes), coação no curso do processo (três vezes), fraude à licitação (duas vezes) e lavagem de dinheiro (oito vezes), todos na forma dos artigos 29 e 69 do Código Penal.
Ao STJ, a defesa argumentou que a ação penal deveria ser trancada quanto aos delitos de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, diante da inépcia da denúncia, bem como em relação ao crime de fraude à licitação, em virtude da atipicidade material do fato.
Medida excepcional
O relator do recurso, ministro Joel Ilan Paciornik, explicou que o trancamento de uma ação penal é medida excepcional, somente sendo possível quando ficar demonstrada a total ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade.
Em seu voto, o ministro ainda lembrou a possibilidade de encerramento prematuro da persecução penal nos casos em que a denúncia se mostrar inepta, não atendendo ao que dispõe o artigo 41 do Código de Processo Penal – o que, de todo modo, não impede a propositura de nova ação, desde que suprida a irregularidade.
No caso em análise, Paciornik observou que “a denúncia faz a devida qualificação do acusado, descreve de forma suficiente a conduta delituosa perpetrada pelo suposto agente e pelos demais corréus – que, em tese, configuram os crimes de associação criminosa, falsidade ideológica, supressão de documentos e lavagem de dinheiro – e traz diversos elementos probatórios”.
O relator ainda ressaltou que a jurisprudência do tribunal tem mitigado a exigência de descrição minuciosa de cada ação nos crimes de autoria coletiva, desde que a denúncia não seja demasiadamente genérica.
Precedentes
Contudo, o relator ressaltou que a jurisprudência da Quinta Turma, alinhada a decisões do Supremo Tribunal Federal, entende que não se aplicam aos dirigentes do “Sistema S” a Lei 8.666/1993 (Lei das Licitações) e o capítulo I do Título XI do Código Penal (o qual tipifica os crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral).
Em um dos precedentes mencionados (RHC 90.847), a Quinta Turma assinalou que o artigo 327, parágrafo 1º, do Código Penal equipara a servidores públicos quem exerce cargo, emprego ou função em entidades paraestatais, mas estas não integram a administração pública. “Ademais, o produto das contribuições, ao ingressar nos cofres dos Serviços Sociais Autônomos, perde o caráter de recurso público, não havendo se falar em dinheiro público ou particular, mas sim próprio”, consignou o colegiado naquele julgamento.
Dessa forma, segundo Paciornik, não podem ser imputados ao recorrente os delitos de peculato, corrupção passiva e fraude à licitação, bem como não é possível processá-lo pelo crime do artigo 335 do Código Penal (impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública), uma vez que a norma foi revogada pela Lei 8.666/1993.
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