Notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 06 de maio de 2020 (leia aqui).
Não é possível aplicar a teoria do direito ao esquecimento para impedir a publicação futura de reportagens sobre um crime ou sobre as pessoas condenadas por ele, pois isso configuraria censura prévia – mais ainda em caso que teve ampla repercussão na sociedade.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso no qual uma pessoa, após ter cumprido a pena por crime cometido há quase 30 anos, invocou o direito ao esquecimento para pedir que fosse proibida a divulgação de novas matérias jornalísticas sobre o caso.
Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, relator, o interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de um crime notório torna “incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para o fim de proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio”.
A reportagem que motivou a ação judicial retratava o cotidiano da pessoa 20 anos após o crime, quando a pena já havia sido integralmente cumprida. Na ação, alegou-se que houve exposição sensacionalista da pessoa e de seus familiares – inclusive com a publicação de fotos sem autorização. Em primeira e segunda instâncias, a editora foi condenada a indenizar os danos morais.
Liberdade com limites
No recurso especial, foi pedida a condenação da editora a não mais publicar qualquer reportagem sobre o assunto.
Mesmo reconhecendo ter havido a exposição da vida íntima de pessoa condenada por delito cuja pena se encontrava extinta, e também de sua família, o ministro rejeitou a aplicação do direito ao esquecimento. Segundo Villas Bôas Cueva, o interesse público deve preponderar quando as informações divulgadas a respeito de fato criminoso notório forem marcadas pela historicidade.
Porém – destacou o relator –, a liberdade de imprensa não tem caráter absoluto e encontra limite nos direitos da personalidade, notadamente no direito à imagem e à honra das pessoas sobre as quais se noticia.
De acordo com o ministro, a narrativa da reportagem dificulta a reintegração social da pessoa ao despertar “sensações de pretensa impunidade por meio da exploração do sentimento de vingança coletivo”, além de provocar “comoção midiática” com informações sobre seu modo de vida atual.
Repercussão
Villas Bôas Cueva destacou que o tema do direito ao esquecimento tem sido objeto de intensa discussão jurídica no Brasil, e são duas as principais acepções da doutrina: o direito ao esquecimento concebido a partir da ótica da proteção de dados pessoais e a configuração desse direito quando houver manifesta violação de direitos fundamentais.
O ministro mencionou dois julgados do STJ, relatados pelo ministro Luis Felipe Salomão, como exemplos desse debate. Mas, segundo ele, diferentemente daqueles precedentes, em que as partes apenas haviam sido acusadas, o caso analisado na Terceira Turma dizia respeito a uma pessoa efetivamente condenada pelo crime.
Apesar das violações reconhecidas aos direitos da personalidade – concluiu o relator –, é inviável acolher a tese do direito ao esquecimento diante da repercussão do caso.
Para Villas Bôas Cueva, proibir a divulgação de informações sobre o assunto, além de caracterizar censura prévia, implicaria o “apagamento de trecho significativo da história de crimes famosos que compõem a memória coletiva”.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
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