Superior Tribunal de Justiça

Evinis Talon

STJ: o efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição

23/05/2019

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 266092/MG, julgado em julgado em 19/05/2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES. IMPUGNAÇÃO. JULGAMENTO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DEVOLUTIVIDADE RESTRITA. SÚMULA N. 713 DO STF. INDICAÇÃO DA ALÍNEA EQUIVOCADA NO TERMO. DELIMITAÇÃO NAS RAZÕES RECURSAIS. MERA IRREGULARIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A teor da Súmula n. 713 do Supremo Tribunal Federal, o efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos nela empregados, motivo pelo qual a Corte estadual, ao apreciar a apelação criminal oriunda do Tribunal do Júri, está vinculada aos limites de sua interposição fixados, ab initio, pelo termo ou pela petição de recurso. 2. A ausência de indicação ou mesmo a sinalização errônea de uma das alíneas do referido artigo, no termo ou na petição de recurso, acarreta mera irregularidade se, nas razões recursais, a parte apresenta fundamentos para o apelo e os delimita em seu pedido, como ocorreu na hipótese dos autos. 3. Habeas corpus não conhecido. (HC 266.092/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 31/05/2016)

Leia o voto:

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

Habeas corpus substitutivo

Preliminarmente, releva salientar que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Sob tais premissas, não identifico suficientes razões, na espécie, para engendrar a concessão, ex officio, da ordem.

Contextualização

Depreende-se dos autos que a paciente foi denunciada e pronunciada pela prática da conduta delituosa descrita no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal e no art. 1º da Lei n. 8.072/90 (fls. 65-66 e 67-71).

Ao ser submetida a julgamento, o Tribunal do Júri desclassificou a conduta imputada à recorrente para homicídio culposo. Assim, ao proferir a sentença, o Juiz sentenciante condenou-a, como incursa no art. 121, § 3º, c/c o art. 65, III, “b”, ambos do Código Penal, à pena de 1 ano e 4 meses de detenção, em regime aberto (fls. 20-23).

Irresignado com a desclassificação operada pelo Tribunal do Júri, o Ministério Público interpôs termo de apelação, nos seguintes termos (fl. 222):

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por sua Promotora de Justiça, no uso de suas atribuições legais, não se conformando com a r. decisão do E. Tribunal do Júri, nos autos n. 067/98, vem à presença de V. Exa. interpor recurso de apelação, nos termos do art. 593, III, “b”, do Código de Processo Penal, requerendo prazo para oferecimento de razões recursais.

Em suas razões, alegou, todavia, que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos (fls. 226-231):

DA DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS Longe de macular a soberania dos veredictos dos jurados por não haver modificação da decisão proferida mas, ao reverso, um juízo de cassação, como diz José Frederico Marques, em sendo provido o recurso, traz a lei penal adjetiva a possibilidade de apelo por decisão manifestamente contrária à prova dos autos. E não poderia mesmo ser diferente. Soberania não significa arbítrio. A liberdade da consciência dos jurados deve prender-se, ao mesmo, às provas dos autos. […] Ora ínclitos julgadores, tal decisão está claramente afastada da prova dos autos. A uma porque a faca não estava em poder da vítima e sim em poder da acusada. A duas porque as testemunhas afirmaram que a acusada, ao adentrar no local do crime, foi diretamente em cima da vítima levando a mão em seu peito. […] Assim, não há como falar que a autora, por falta de cuidado objetivo em manejar a faca, tenha atingido justamente uma região letal, como o tórax de Moisés. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, ratificando as alegações finais de fls. 169/173, requer o conhecimento do recurso, a anulação da decisão dos jurados, submetendo-se Cleusa Geraldo Miquelino a novo julgamento.

O recurso foi provido para determinar a submissão da ré a novo julgamento, porque o Tribunal de origem reconheceu que a decisão impugnada foi manifestamente contrária à prova dos autos (fls. 39-43).

Novamente submetida ao Tribunal do Júri, a paciente foi, então, condenada, por homicídio simples, à pena de 6 anos de reclusão, cuja sentença transitou em julgado em 10/11/2008.

Em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de origem, verifico que ainda não houve o integral cumprimento da pena imposta.

III. Efeito devolutivo do recurso de apelação das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri

É certo que as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri possuem peculiaridades que as diferenciam daquelas exaradas pelos juízes togados. Dentre muitas particularidades, tem-se o efeito devolutivo do recurso de apelação criminal, que fica restrito aos fundamentos da sua interposição, previstos nas alíneas do inciso III do art. 593 do Código de Processo Penal.

A teor da Súmula n. 713 do Supremo Tribunal Federal, o efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição:

O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos de sua interposição.

Isso significa que a Corte estadual, ao apreciar a apelação criminal oriunda do Tribunal do Júri, está vinculada aos limites de sua interposição fixados, ab initio, pelo termo ou pela petição de interposição do recurso.

Assim, é notório o entendimento de que, quando a parte pretende recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Popular, deve apresentar, na petição de interposição, qual o motivo do seu inconformismo, deixando expressa a alínea eleita do inciso III do art. 593 do CPP.

Entretanto, a ausência de indicação ou mesmo a sinalização errônea de uma das alíneas do referido artigo, no termo ou na petição de interposição, acarreta mera irregularidade se, nas razões recursais, a parte apresenta fundamentos para o apelo e os delimita em seu pedido.

Nesse sentido:

 […] 2. Esta Corte tem decidido que a ausência, no termo de interposição, da indicação das alíneas que embasam o recurso de Apelação contra decisão proferida pelo Tribunal do Júri, não obsta o seu conhecimento se, nas razões recursais, a defesa apresentou fundamentação para o apelo e delimitou os pertinentes pedidos, como se verificou nos autos. 3. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida de ofício para anular os julgamentos de apelação e agravo regimental no Tribunal de origem, para que as razões recursais aventadas pela defesa sejam conhecidas e decididas. (HC n. 293.976/MS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 10/3/2016)

[…] 2. As decisões do Tribunal do Júri revelam particularidades, motivo pelo qual o efeito devolutivo do recurso de apelação criminal se restringe aos fundamentos da sua interposição, elencados nas alíneas do inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal. Entretanto, apresenta-se como mera irregularidade a ausência de indicação de uma das alíneas do referido artigo, se nas razões recursais, a defesa apresentou fundamentação para o apelo e delimitou os seus pedidos, como ocorreu na espécie. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de anular o decisum do Tribunal de origem, em sede de apelação, para que o recurso interposto da defesa seja conhecido e julgado. (HC n. 258.623/TO, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 14/5/2014)

Na hipótese, verifico que, muito embora haja o Ministério Público, ao manifestar interesse de recorrer, indicado a alínea b do inciso III do art. 593 do Código Penal (fl. 222), delimitou, nas razões recursais, apresentadas dentro do prazo recursal, sua irresignação contra a decisão dos jurados, por considerá-la manifestamente contrária à prova dos autos.

Como se vê do trecho transcrito alhures, em nenhum momento o Ministério Público afirmou que a sentença do Juiz Presidente malferiu a lei expressa ou a decisão dos jurados, o que confirma que houve, no termo de interposição recursal, mero equívoco na indicação da alínea que amparou o apelo e, portanto, mera irregularidade, incapaz de gerar a nulidade do processo, principalmente agora, quando já houve o trânsito em julgado da condenação para a defesa.

Dispositivo

À vista do exposto, não conheço do habeas corpus, por entender inadequado o uso do writ como substitutivo do meio impugnativo próprio. E, ao analisar o seu conteúdo, não identifico suficientes razões, na espécie, para engendrar a concessão, ex officio, da ordem.

Leia também:

  • Análise de caso concreto: teses contra a decretação da prisão preventiva – tráfico de drogas (leia aqui)
  • A teoria do domínio do fato e sua (má) utilização no ordenamento jurídico brasileiro (leia aqui)
  • A criminalização do recebimento dos honorários advocatícios (leia aqui)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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