STJ: o defensor público tem direito de se habilitar em investigação criminal supervisionada pelo juiz das garantias
No HC 989.426-PR, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “o defensor possui direito público subjetivo à habilitação em procedimento judicial relativo a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público sob a supervisão do Juiz das garantias”.
Informações do inteiro teor:
A controvérsia consiste em definir se a defesa tem direito de acessar os autos em que o Juízo das garantias exerce a supervisão judicial da investigação criminal conduzida pelo Ministério Público.
No julgamento conjunto das ADIs n. 2.943, 3.309 e 3.318, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a prerrogativa de o Ministério Público conduzir, por autoridade própria, investigações criminais, todavia, por coerência lógica do sistema, entendeu que essas investigações devem seguir as mesmas regras instituídas para os inquéritos policiais, inclusive a necessidade de supervisão judicial.
Nesse sentido, o art. 3º-B, IV, do CPP dispõe que “O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal”.
Assim, comunicado da abertura da investigação criminal, pelas múltiplas agências de investigação criminal, inclusive o Ministério Público, o Juiz das garantias abrirá um procedimento para a prática das decisões de sua competência, promovendo o controle de legalidade da investigação criminal e proferindo as decisões que a lei lhe atribui.
No caso, o Ministério Público comunicou ao Juízo das garantias sobre a investigação criminal que instaurou, e referido juízo vem praticando atos jurisdicionais de controle da investigação, inclusive proferindo decisões invasivas de direitos fundamentais. No entanto, sem motivo razoável, as instâncias ordinárias negaram à defesa o direito de acessar os autos, o que viola o art. 3º-C, § 3º, do Código de Processo Penal e a Súmula vinculante n. 14.
Ocorre que a defesa tem o direito público subjetivo de acessar os autos em que o Juízo das garantias exerce a supervisão judicial da investigação criminal.
Dessa forma, o indeferimento do pedido de habilitação da defesa nos autos judiciais de supervisão, sem justificativa legal ou razoável, constitui cerceamento de defesa e configura constrangimento ilegal.
Leia a ementa:
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL CONDUZIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DA DEFESA NOS AUTOS DE SUPERVISÃO JUDICIAL PELO JUIZ DAS GARANTIAS. INDEFERIMENTO INJUSTIFICADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. VIOLAÇÃO DO ART. 3º-C, § 3º, DO CPP E DA SÚMULA VINCULANTE 14. CONCESSÃO DE OFÍCIO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado contra acórdão da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, que denegou a ordem no HC n. 0119911-48.2024.8.16.0000. O paciente é investigado em procedimento investigatório criminal conduzido pelo Ministério Público do Estado do Paraná para apurar possíveis crimes contra a ordem tributária, falsidades ideológicas e lavagem de dinheiro. A defesa requereu sua habilitação nos autos eletrônicos de supervisão judicial da investigação, que tramita no sistema Projudi, mas teve o pedido indeferido sob a justificativa de que deveria ser feito nos autos físicos do PIC. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a defesa tem direito de habilitação nos autos judiciais de supervisão do juiz das garantias; (ii) estabelecer se o indeferimento imotivado da habilitação configura constrangimento ilegal passível de correção por habeas corpus, mesmo concedido de ofício. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corpus é incabível como substitutivo de recurso ordinário, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou abuso de poder. 4. A Constituição da República e a jurisprudência do STF e do STJ exigem que a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público esteja sujeita ao controle jurisdicional exercido pelo Juiz das garantias, conforme o art. 3º-B, IV, do CPP. 5. A decisão do Supremo Tribunal Federal, nas ADIs n. 2.943, 3.309 e 3.318, fixou que todas as investigações criminais, inclusive as realizadas pelo Ministério Público, devem seguir os parâmetros do inquérito policial, com controle judicial e respeito às garantias da defesa. 6. A Súmula vinculante n. 14 do STF assegura ao defensor o direito de acesso amplo aos elementos de prova já documentados em procedimentos investigatórios, inclusive nos autos de supervisão judicial. 7. O indeferimento do pedido de habilitação da defesa nos autos judiciais de supervisão, sem justificativa legal ou razoável, constitui cerceamento de defesa e configura constrangimento ilegal. 8. É preciso distinguir a habilitação nos autos judiciais de supervisão do Juiz das garantias (art. 3º-B, CPP) do pedido de habilitação nos autos da investigação propriamente dita, que se desenvolve de forma administrativa sob a Presidência do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, conforme o caso. O que a defesa pretende, no presente habeas corpus, é sua habilitação no procedimento judicial de supervisão do Juiz das garantias, o que não lhe pode ser negado, sob pena de violação do art. 3º-C, § 3º, do Código de Processo Penal e da Súmula vinculante n. 14. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Ordem concedida de ofício. Teses de julgamento (i) o defensor possui direito público subjetivo à habilitação nos autos judiciais de supervisão da investigação criminal conduzida sob a supervisão do Juiz das garantias. (ii) o indeferimento imotivado da habilitação da defesa nesses autos constitui constrangimento ilegal corrigível por habeas corpus. (HC n. 989.426/PR, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 3/6/2025, DJEN de 9/6/2025.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Código de Processo Penal, artigos 3º-B, IV; e 3º-C, § 3º.
Precedentes Qualificados
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição Extraordinária nº 27 de 29 de julho de 2025 – leia aqui.
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