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Evinis Talon

STJ: é necessária a edição de lei em sentido formal para a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma

16/06/2020

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Decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.798.903-RJ, julgado em 25/09/2019.

Informações do inteiro teor:

O conceito de crime contra a humanidade se encontra positivado no art. 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual foi adotado em 17/07/1998, porém apenas passou a vigorar em 01/07/2002, quando conseguiu o quórum de 60 países ratificando a convenção, sendo internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002.

No Brasil, no entanto, ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade, embora esteja em tramitação o Projeto de Lei n. 4.038/2008, que “dispõe sobre o crime de genocídio, define os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional, institui normas processuais específicas, dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional, e dá outras providências”.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade – art. 5º, XXXIX, da CF/1988 segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” – art. 5º, XXXIX, da CF/1988.

Assim, tanto no Supremo Tribunal Federal como também no Superior Tribunal de Justiça, não obstante a tendência em se admitir a configuração do crime antecedente de organização criminosa – antes da entrada em vigor da Lei n. 12.850/2013 – para configuração do crime de lavagem de dinheiro, em virtude da internalização da Convenção de Palermo, por meio Decreto n. 5.015/2004, prevaleceu o entendimento no sentido de que a definição de organização criminosa contida na referida convenção não vale para tipificar o art. 1º, inciso VII, da Lei n. 9.613/1998 – com redação anterior à Lei n. 12.683/2012.

De igual modo, não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta. (Informativo n. 659.)

Confira a ementa:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. 1. ATENTADO AO RIOCENTRO.
VIOLAÇÃO A DIREITOS HUMANOS. DÉCADAS DE 60, 70 E 80. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA. NECESSIDADE DE RECONCILIAÇÃO NACIONAL. OBSERVÂNCIA À SOBERANIA PÁTRIA. POSSIBILIDADE DE RECONSTRUÇÃO PELA PAZ. EXEMPLO DA ÁFRICA DO SUL. 2. RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA.
VIOLAÇÃO DO ART. 107, IV, DO CP. DISPOSITIVO QUE NÃO ABRANGE A CONTROVÉRSIA DOS AUTOS. IMPRESCRITIBILIDE DOS CRIMES DE LESA-HUMANIDADE. MATÉRIA CONSTANTE DE TRATADOS INTERNACIONAIS.
AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE NORMA INTERNACIONAL VIOLADA. NORMA CONSTITUCIONAL PRÓPRIA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCIDÊNCIA DO VERBETE N. 284/STF. 3. ACÓRDÃO RECORRIDO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO NA ORIGEM. NÃO ENQUADRAMENTO DAS CONDUTAS COMO CRIME CONTRA A HUMANIDADE. CONCLUSÃO DO TRF/2ª REGIÃO FIRMADA COM BASE NO ARCABOUÇO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO NA VIA ELEITA.
ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 4. ARQUIVAMENTO DO IP NA JUSTIÇA MILITAR.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA PELO STM. ANISTIA DA EC 26/1985.
COISA JULGADA MATERIAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. IRRELEVÂNCIA.
PRECEDENTES DO STF. 5. LEI DA ANISTIA. ADPF 153/DF. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, EM CASOS DIVERSOS. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM A ORDEM JURÍDICA INTERNA.
COMPETÊNCIA DO STF. 6. SOBERANIA NACIONAL. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA. DECISÕES INTERNACIONAIS. DEVER DE HARMONIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBVERSÃO DA ORDEM INTERNA. 7. CRIME CONTRA A HUMANIDADE. CONCEITO TRAZIDO NO ART. 7º ESTATUTO DE ROMA. AUSÊNCIA DE LEI EM SENTIDO FORMAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ART. 5º, XXXIX, DA CF. TRATADO INTERNALIZADO EM 2002. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA.
AFRONTA AO ART. 5º, XL, DA CF. 8. CONVENÇÃO SOBRE A IMPRESCRITIBILIDADE DOS CRIMES DE GUERRA E DOS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO PELO BRASIL. PEDIDO DE APLICAÇÃO COMO JUS COGENS. COSTUME INTERNACIONAL RESPEITADO E PRATICADO.
ANÁLISE QUE DEVE SER FEITA PELO STF. INAPLICABILIDADE DO JUS COGENS ASSENTADA NA EXTRADIÇÃO 1.362/DF. 9. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE.
PREMISSA DE STATUS DE SUPRALEGALIDADE. TRATADO NÃO INTERNALIZADO DE ACORDO COM O ART. 5º, § 3º, DA CF. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM A CF. 10. TRATADOS INTERNACIONAIS NÃO INTERNALIZADOS. OBSERVÂNCIA NA ORDEM INTERNA. POSSIBILIDADE. ART. 5º, § 2º, DA CF. PRINCÍPIO DA UNIDADE E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IRRETROATIVIDADE. SOBERANIA ESTATAL E SUPREMACIA DA CF.
IMPOSSIBILIDADE DE SUBVERSÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO. OFENSA A OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 11. NORMAS PRESCRICIONAIS. DIREITO PENAL MATERIAL. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL.
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. PRESCRITIBILIDADE.
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 12. A ADMISSÃO DO JUS COGENS NÃO PODE VIOLAR PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM O ORDENAMENTO PÁTRIO. RESGUARDO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. FINALIDADE PRINCIPAL DOS DIREITOS HUMANOS. IMPOSSIBILIDADE DE TIPIFICAR CRIME SEM LEI PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE DE RETIRAR A EFICÁCIA DAS NORMAS PRESCRICIONAIS. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IRRETROATIVIDADE.
PRINCÍPIOS CAROS AO DIREITO PENAL. 13. CONCLUSÃO QUE NÃO DIMINUI O COMPROMISSO DO BRASIL COM OS DIREITOS HUMANOS. PUNIÇÃO APÓS QUASE 40 ANOS. NÃO RESTABELECIMENTO DE DIREITOS VIOLADOS. VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DE IGUAL MAGNITUDE. AFRONTA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. SEGURANÇA JURÍDICA. COISA JULGADA MATERIAL.
LEGALIDADE E IRRETROATIVIDADE. 14. OFENSA AOS ARTS. 347 E 348 DO CP.
RECURSO CONHECIDO NO PONTO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA NATUREZA PERMANENTE DOS TIPOS PENAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRIMES INSTANTÂNEOS.
DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 15. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO.
1. Considerações preliminares: A matéria trazida nos presentes autos é de extrema relevância, haja vista ter, de fato, havido graves violações a direitos humanos durante as décadas de 60, 70 e 80.
Contudo, não há uma única forma de reconstrução após crises como a ocorrida no Brasil. Na verdade, as experiências de reconciliação nacional, em vários países do mundo, foram diversas, respeitando-se sempre a cultura e a soberania de cada país. Emblemática é, por exemplo, a experiência de justiça restaurativa na África do Sul sob a direção do estadista Nelson Mandela e coordenação do arcebispo Desmond Tutu. O processo transicional, do regime racista do apartheid para a democracia multirracial, ocorreu de forma negociada e pacífica. A criação de uma Comissão de Verdade e Reconciliação promoveu o encontro de vítimas, familiares, ofensores e representantes das comunidades locais para discutirem sobre as violações dos direitos humanos praticadas durante o sistema segregacionista. Nesses encontros, os violadores reconheciam os seus erros, pediam perdão às famílias ou aos seus familiares e se responsabilizavam pelas consequências materiais dos seus atos lesivos. Essas foram as condições necessárias para a declaração de anistia aos ofensores naquele país.
2. Admissibilidade: O exame do recurso especial deve se ater à matéria efetivamente submetida ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que “o recurso especial possui fundamentação vinculada, de modo que não cabe ao STJ imiscuir-se em questões que não lhe tenham sido devolvidas especificamente”. (AgInt no AREsp 1325685/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019). O recorrente aponta violação ao art.
107, IV, do CP, por considerar que “os delitos imputados aos ora recorridos devem ser tomados como crimes de lesa-humanidade na linha dos diplomas internacionais, e, por conseguinte, imprescritíveis”.
Contudo, a norma infraconstitucional apontada como violada não tem o alcance pretendido. Não se aborda, na referida norma, a imprescritibilidade (tema previsto na Lei maior e em tratado não internalizado). Constata-se, portanto, a falta de correlação entre a norma apontada como violada e a discussão efetivamente trazida nos autos, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial. “A indicação de preceito legal federal que não consigna em seu texto comando normativo apto a sustentar a tese recursal e a reformar o acórdão impugnado padece de fundamentação adequada, a ensejar o impeditivo da Súmula 284/STF” (REsp n. 1.715.869/SP, Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 7/3/2018).
3. A ordem foi concedida pelo Tribunal de origem, por maioria, reconhecendo a ocorrência da prescrição, “em virtude de os fatos não se enquadrarem nos crimes contra a humanidade”. Dessa forma, ainda que o recorrente tivesse indicado o dispositivo correto, que trata da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, seu exame não teria o condão de desconstituir o acórdão proferido pela Corte local, porquanto fundamentado na não configuração de crime de lesa-humanidade. Inviável, outrossim, aferir se os fatos narrados se inserem na categoria de crime contra humanidade, uma vez que o recorrente não apontou igualmente violação a dispositivo legal, ou mesmo supralegal, que albergue referida discussão. Ademais, desconstituir a conclusão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que possui amplo espectro de cognição dos fatos e provas juntadas aos autos, demandaria o revolvimento fático-probatório, o qual é vedado na via eleita, nos termos do enunciado n. 7/STJ.
4. Preliminares de mérito: O STM, por mais de uma vez, “inadmitiu o prosseguimento de inquérito instaurado para apurar o atentado do Riocentro, e fez mais, decretou a extinção de punibilidade de todos os envolvidos, face a anistia deferida pela Emenda Constitucional 26/1985”. Como é cediço, “a decisão que declar[a] extinta a punibilidade em favor do Paciente, ainda que prolatada com suposto vício de incompetência de juízo, é susceptível de trânsito em julgado e produz efeitos. A adoção do princípio do ne bis in idem pelo ordenamento jurídico penal complementa os direitos e as garantias individuais previstos pela Constituição da República, cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que o direito à liberdade, com apoio em coisa julgada material, prevalece sobre o dever estatal de acusar”. (HC 86606, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 22/05/2007, DJe 2/8/2007). Precedentes outros do STF na mesma direção. Assim, caso fosse acolhida a tese recursal do MPF, deveria este Colegiado examinar, previamente e de ofício, o tema da coisa julgada material (matéria de ordem pública, que foi expressamente analisada pela Corte de Origem). Recorde-se: em favor do acusado, sempre é possível a concessão da ordem de habeas corpus até mesmo de ofício.
5. Os fatos, ocorridos em 30/4/1981, estão albergados pela anistia trazida no art. 4º, § 1º, da EC n. 26/1985, promulgada pela própria Assembleia Nacional Constituinte, a qual reafirmou a Anistia de 1979. Não se pode descurar, ademais, que a Lei n. 6.683/1979 foi considerada constitucional pelo STF, no julgamento da ADPF n.
153/DF, embora estejam pendentes de julgamento embargos de declaração. Nada obstante, conforme explicitado pelo Ministro Alexandre de Moraes, Relator da Rcl n. 18.686/RJ, “essa decisão, proferida no âmbito de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, é dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 10, § 3º da Lei 9.882/99)”. Nessa linha de entendimento, cabe ao STF verificar os efeitos da decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs Brasil, bem como no Caso Herzog e outros vs Brasil, com a consequente harmonização da jurisprudência relativa à Lei de Anistia, o que é objeto também da ADPF n. 320/DF, da relatoria do eminente Luiz Fux.
6. Conclusão que não revela resistência ao cumprimento das decisões proferidas pela CIDH, ou reticência em exercer o controle de convencionalidade, porquanto a submissão à jurisdição da CIDH não prescinde da devida harmonização com o ordenamento pátrio, sob pena de se comprometer a própria soberania nacional. A soberania é fundamento da República Federativa do Brasil e justifica a Supremacia da CF na ordem interna. Dessa forma, o cumprimento das decisões proferidas pela CIDH não pode afrontar a CF, motivo pelo qual se faz mister sua harmonização, sob pena de se subverter nosso próprio ordenamento, negando validade às decisões do Supremo Tribunal Federal, em observância a decisões internacionais.
7. Mérito: O conceito de crime contra a humanidade se encontra positivado no art. 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual foi adotado em 17/7/1998, porém apenas passou a vigorar em 1º/7/2002, sendo internalizado por meio do Decreto n.
4.388, de 25/9/2002. No Brasil, no entanto, ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade, embora esteja em tramitação o Projeto de Lei n. 4.038/2008. Diante da ausência de lei interna tipificando os crimes contra a humanidade, rememoro que o STF já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade – art. 5º, XXXIX, da CF (exemplo: tipo penal de organização criminosa trazido na Convenção de Palermo). Dessa maneira, não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta. Ademais, cuidando-se de tratado que apenas passou a vigorar no Brasil em 25/9/2002, tem-se igualmente, na hipótese, o óbice à aplicação retroativa de lei penal em prejuízo do réu, haja vista o princípio constitucional da irretroatividade, previsto no art. 5º, XL, da CF.
8. A Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade é anterior aos fatos narrados.
Contudo, não foi ratificada pelo Brasil, não foi internalizada nem como norma supralegal. Nada obstante, no presente julgamento se pretende demonstrar que sua observância independe de ratificação, por se tratar de norma jus cogens que, nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento da Ext. n. 1.362/DF, “é um costume internacional, respeitado e praticado” e, segundo o Ministro Luiz Fux, no mesmo julgamento, “talvez a melhor Corte para dizer se o jus cogens se aplica ou não é o Supremo Tribunal Federal”. No referido julgamento, se considerou inaplicável o jus cogens, prevalecendo o entendimento no sentido de que a qualificação do crime como de lesa-humanidade não afasta a sua prescrição, uma vez que, conforme voto vencedor do saudoso Ministro Teori Zavascki, “somente lei interna (e não convenção internacional, muito menos aquela sequer subscrita pelo Brasil) pode qualificar-se, constitucionalmente, como a única fonte formal direta, legitimadora da regulação normativa concernente à prescritibilidade ou à imprescritibilidade da pretensão estatal de punir, ressalvadas, por óbvio, cláusulas constitucionais em sentido diverso, como aquelas inscritas nos incisos XLII e XLIV do art. 5º de nossa Lei Fundamental”.
9. Ainda que se admita o jus cogens, na contramão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Extradição n. 1.362/DF, o controle de convencionalidade exercido pelo STJ, com a finalidade de aferir se a legislação infraconstitucional está em dissonância com o disposto no tratado internacional sobre direitos humanos, deve se harmonizar com os princípios e garantias constitucionais. Com efeito, não se pode perder de vista que o tratado possui status supralegal, porém infraconstitucional, porquanto não internalizado nos termos do art. 5º, § 3º, da CF. Conclusão em sentido contrário violaria não apenas o disposto no referido dispositivo da Constituição da República, mas também a jurisprudência consolidada do STF sobre o status dos tratados sobre direitos humanos, bem como inviabilizaria o exame dos temas pelo STJ.
10. Considerando se estar diante de controle sobre Convenção admitida como jus cogens, entendo que sua observância na ordem jurídica interna, se legitima a partir do disposto no art. 5º, § 2º, da CF, o qual dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Nesse contexto, diante do princípio da unidade da constituição – o qual impõe a necessidade de harmonização de eventuais contradições existentes entre as normas constitucionais -, bem como do princípio da máxima efetividade – que visa conferir a maior efetividade possível aos direitos fundamentais -, entendo que a observância aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos deve ser compatibilizada com os princípios constitucionais da legalidade e da irretroatividade.
Assim, a aplicação da Convenção não poderia tipificar crimes nem alcançar fatos anteriores à Constituição de 1988, que legitimou sua aplicação, sob pena de revelar verdadeira afronta à própria soberania estatal e à supremacia da Constituição da República, subvertendo por completo o ordenamento jurídico pátrio e com malferimento de inúmeros outros direitos fundamentais, a pretexto de protegê-los.
11. Não se coaduna, igualmente, com a ordem constitucional vigente, admitir a paralisação da eficácia da norma que disciplina a prescrição, com o objetivo de tornar imprescrítiveis crimes contra a humanidade, por se tratar de norma de direito penal que demanda, da mesma forma, a existência de lei em sentido formal. Ademais, se deve igual observância ao princípio da irretroatividade. “A chamada ‘Constituição Cidadã’ busca a construção de uma sociedade livre e justa, conferindo amparo a um vasto rol de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Em um Estado de Direito, deve ser equilibrada pela lei a relação entre o Estado e os cidadãos, como forma de garantir que estes não serão vítimas do arbítrio do poder coercitivo estatal. Nesse sentido, a imprescritibilidade ameaça as garantias fundamentais de segurança jurídica e até mesmo da ampla defesa, pois submete o cidadão à eterna ameaça da repressão estatal, sem preocupar-se com os efeitos do tempo sobre os elementos probatórios que envolvem os fatos criminosos, sobre o acusado e sobre a repercussão social do crime”. (CALIXTO, Clarice Costa.
Portanto, não é possível tornar inaplicável o disposto no art. 107, IV, do CP (norma violadora e não violada), em face do disposto na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, sob pena de se vulnerar o princípio constitucional da legalidade e da irretroatividade, bem como a própria segurança jurídica, com consequências igualmente graves, em virtude da mitigação de princípios relevantes à própria consolidação do Estado Democrático de Direito.
12. Conclusão: A admissão da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade como jus cogens não pode violar princípios constitucionais, devendo, portanto, se harmonizar com o regramento pátrio. Referida conclusão não revela desatenção aos Direitos Humanos, mas antes observância às normas máximas do nosso ordenamento jurídico, consagradas como princípios constitucionais, que visam igualmente resguardar a dignidade da pessoa humana, finalidade principal dos Direitos Humanos. Nesse contexto, em observância aos princípios constitucionais penais, não é possível tipificar uma conduta praticada no Brasil como crime contra humanidade, sem prévia lei que o defina, nem é possível retirar a eficácia das normas que disciplinam a prescrição, sob pena de se violar os princípios da legalidade e da irretroatividade, tão caros ao direito penal.
13. O não reconhecimento da imprescritibilidade dos crimes narrados na denúncia não diminui o compromisso do Brasil com os Direitos Humanos. Com efeito, a punição dos denunciados, quase 40 anos após os fatos, não restabelece os direitos humanos supostamente violados, além de violar outros direitos fundamentais, de igual magnitude: segurança jurídica, coisa julgada material, legalidade, irretroatividade, etc.
14. Pedido Subsidiário: No que diz respeito à alegada ofensa aos arts. 347 e 348, ambos do CP, a argumentação trazida no recurso especial não encontra óbice ao seu conhecimento. Porém, a insurgência não merece prosperar. Com efeito, o recorrente pretende demonstrar que os crimes de fraude processual e de favorecimento pessoal têm natureza de crime permanente, motivo pelo qual o prazo prescricional, com relação ambos, ainda não teria se implementado.
Contudo, é uníssona na doutrina, bem como na jurisprudência, a classificação dos referidos crimes como instantâneos, motivo pelo qual não é possível igualmente acolher o pleito subsidiário do recorrente.
15. Dispositivo: Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, improvido.
(REsp 1798903/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/09/2019, DJe 30/10/2019)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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