STJ: divergência entre os laudos provisório e definitivo levam à absolvição
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no HC n. 776.101/SP, decidiu que, havendo divergência entre os laudos provisório e definitivo quanto à presença de cocaína (positivo e negativo, respectivamente), e sem haver chances de produzir laudo complementar, pois houve a incineração da droga, o réu deve ser absolvido por ausência de materialidade do delito.
Confira a ementa relacionada:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. MATERIALIDADE DO DELITO. LAUDO DE CONSTATAÇÃO POSITIVO. LAUDO TOXICOLÓGICO DEFINITIVO NEGATIVO. LAUDO COMPLEMENTAR. CONTRADITÓRIO NÃO OBSERVADO. NULIDADE. PERDA DE UMA CHANCE PROBATÓRIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. “Por ocasião do julgamento dos EREsp n. 1.544.057/RJ, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (DJe 9/11/2016), a Terceira Seção desta Corte uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo toxicológico definitivo implica a absolvição do acusado, por ausência de provas acerca da materialidade do delito, e não a nulidade da sentença. Foi ressalvada, no entanto, a possibilidade de se manter o édito condenatório quando a prova da materialidade delitiva estiver amparada em laudo preliminar de constatação, dotada de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por perito oficial e em procedimento equivalente, que possa identificar, com certo grau de certeza, a existência dos elementos físicos e químicos que qualifiquem a substância como droga, nos termos em que previsto na Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde” (HC n. 686.312/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, 3ª S., DJe 19/4/2023). 2. No caso, embora o laudo de constatação haja atestado positivo para a presença de cocaína no material apreendido, o exame definitivo não constatou a presença de substâncias proscritas, mesmo depois de utilizada a técnica de Cromatografia Gasosa. 3. O processo penal tem compromisso com a verdade, mas não de forma absoluta, pois há outros valores protegidos pelo Estado durante a persecução penal. A busca da verdade sujeita-se, portanto, a limites epistemológicos e éticos, relacionados à necessidade de se observarem regras de maior confiabilidade e idoneidade da prova, bem como de se protegerem garantias e direitos do acusado. 4. A garantia fundamental do contraditório, que deve ser aplicada à produção de todas as provas, em relação à prova pericial se densifica na possibilidade de requerer a produção desta prova, ou mesmo apresentar quesitos para a sua realização – art. 159, § 2º, do CPP -, como também na possibilidade de a parte acompanhar o ato, manifestar-se sobre seu resultado, requerer nova perícia, complementação ou esclarecimento, ou, ainda, na necessária obtenção de manifestação motivada do juiz acerca da perícia. 5. É nulo o laudo complementar – elaborado pelo mesmo expert responsável pela confecção do laudo definitivo, por determinação informal do Delegado de Polícia em ligação telefônica ao Perito, sem a ciência e a participação das partes, e durante a tramitação da ação penal (findo, portanto, o inquérito), quando já iniciada a instrução criminal – porque produzido sem respeito às garantias constitucionais e processuais. 6. A oitiva posterior do perito que produziu o laudo complementar não é suficiente tanto para sanar a ausência de contraditório na produção da prova quanto para conferir credibilidade a uma prova que, ab initio, se mostrou desconforme ao modelo normativo. 7. “‘Nas hipóteses em que o Estado se omite e deixa de produzir provas que estavam ao seu alcance, julgando suficientes aqueles elementos que já estão à sua disposição, o acusado perde a chance – com a não produção (desistência, não requerimento, inviabilidade, ausência de produção no momento do fato etc.) -, de que a sua inocência seja afastada (ou não) de boa-fé. Ou seja, sua expectativa foi destruída’ (ROSA, Alexandre Morais da; RUDOLFO, Fernanda Mambrini. A teoria da perda de uma chance probatória aplicada ao processo penal. Revista Brasileira de Direito, v. 13, n. 3, 2017, p. 462)” (AREsp n. 1.940.381/AL, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 16/12/2021). 8. “Apesar de os fatos serem gravíssimos e ser dever do Estado não incorrer em proteção insuficiente aos bens jurídicos merecedores de tutela penal, essa obrigação não pode ser cumprida da maneira mais cômoda, com a prolação de condenações baseadas em prova frágil, mormente quando possível a produção de elemento probatório que, potencialmente, possa resolver adequadamente o caso penal” (HC n. 706.365/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 30/5/2023). 9. Divergentes os laudos provisório e definitivo – com resultado para a presença de cocaína positivo e negativo, respectivamente -, considerado nulo o laudo complementar produzido e incinerada a droga, deve o réu ser absolvido por ausência da materialidade do delito. 10. Ordem concedida a fim de reconhecer a nulidade do laudo complementar e da decisão que dispensa a realização de nova perícia e, por conseguinte, absolver o acusado com fundamento no art. 386, II, do CPP. (HC n. 776.101/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023.)
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