STJ: crime de tortura dispensa deleite ou gozo em relação aos fatos
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no AgRg nos EDcl no REsp n. 2.047.319/MG, concluiu que para a configuração do crime de tortura, é dispensável que o réu demonstre deleite ou gozo em relação a situação, mas apenas que tenha a intenção de causar sofrimento físico e mental desnecessário à vítima, como forma de castigo.
Confira a ementa relacionada:
PENAL. A GRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA QUE CONDENOU O RÉU PELO CRIME DE TORTURA. PLEITO DEFENSIVO PELA MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE HAVIA DESCLASSIFICADO A CONDUTA PARA O CRIME DE MAUS TRATOS. PRÁTICA REITERADA DE LESÕES POR CUIDADOR CONTRA IDOSO PORTADOR DE ALZHEIMER. DOLO ESPECÍFICO CONFIGURADO. INTENÇÃO DE INFLIGIR SOFRIMENTO FÍSICO OU MENTAL À VÍTIMA COMO FORMA DE CASTIGO. AUSÊNCIA DE INTENÇÃO PEDAGÓGICA OU EDUCATIVA. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DESTA CORTE. INAPLICABILIDADE. REVALORAÇÃO DOS FATOS DELINEADOS NA SENTENÇA E EM ACÓRDÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na decisão monocrática ora agravada, esta relatoria deu provimento ao recurso especial acusatório, a fim de restabelecer a sentença que condenou o réu pelo crime de tortura, na modalidade tortura-castigo (art. 1º, II, c/c § 4º, II, da Lei n. 9.455/1997), reformando, assim, o acórdão de apelação que havia desclassificado a conduta para o crime de maus tratos (art. 136 do Código Penal – CP). 2. No presente regimental, a defesa alega que incide, na hipótese, o óbice da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, bem como aduz não haver configuração do dolo específico necessário à tipificação do crime de tortura, devendo a conduta ser desclassificada para o crime de maus tratos, nos termos do acórdão de origem. 3. Consoante constou na decisão monocrática agravada, tanto o acórdão quanto a sentença convergiram quanto à ocorrência dos fatos descritos na denúncia, ou seja, a prática reiterada de lesões por parte do réu, cuidador, contra a vítima, idoso de mais de 80 anos e portador de Alzheimer. O ponto controverso cingiu-se à qualificação jurídica dos referidos fatos: enquanto a sentença compreendeu se tratar de crime de tortura, o acórdão desclassificou-os para o delito de maus tratos, por julgar que não houve sadismo imoderado por parte do réu, mas somente abuso dos meios de correção. 4. No entanto, no contexto fático delineado tanto pela sentença, quanto pelo acórdão, não se vislumbra a prática de lesões com finalidade educativa, corretiva ou disciplinar. Ao contrário, a vítima encontrava-se em estágio avançado da doença, mantinha-se estática na cama, não conseguia se expressar e alimentava-se por meio de sonda. Nesse cenário, não é razoável supor que as agressões seriam dotadas de algum intuito corretivo ou pedagógico, pois o estado do ofendido sequer permitia tal entendimento, mas, tão somente, tinham como intenção causar-lhe sofrimento físico e mental, já que estava totalmente indefeso e sem reação. Tanto é assim que as descrições das condutas revelam uma violência gratuita, desnecessária e cruel, longe de representar uma resposta a algum comportamento supostamente repreensível da vítima. 5. Ao contrário do aduzido pela defesa, é dispensável que o réu demonstre deleite ou gozo em relação à situação, mas apenas que tenha a intenção de causar sofrimento físico e mental desnecessário à vítima, como forma de castigo, como ocorreu no caso dos autos. Amparam este entendimento a doutrina e a jurisprudência. 6. Repise-se, ainda, que, diversamente do alegado pelo agravante, tal conclusão foi obtida mediante mera revaloração do quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias, ou seja, sem incidir no óbice da Súmula n. 7 deste STJ. 7. No caso, portanto, reitera-se que o réu praticou o crime previsto no art. 1º, II, c/c § 4º, II, da Lei n. 9.455/1997 (tortura-castigo), pois, na condição de cuidador, submeteu a vítima idosa e doente, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Mantida, assim, a decisão agravada que restabeleceu a sentença condenatória. 8. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no REsp n. 2.047.319/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 10/6/2024, DJe de 12/6/2024.)
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