Decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no EAREsp 1.311.636-MS, julgado em 10/04/2019.
Informações do inteiro teor:
Cinge-se a discussão a definir sobre a possibilidade da utilização de múltiplas condenações transitadas em julgado não consideradas para efeito de caracterização da agravante de reincidência (art. 61, I, CP) como fundamento, também, para a exasperação da pena-base, na primeira fase da dosimetria (art. 59, CP), tanto na circunstância judicial “maus antecedentes” quanto na que perquire sua “personalidade”.
Com efeito, a doutrina, ao esmiuçar os elementos constituintes das circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, enfatiza que a conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios – referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu.
Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social).
Nesse sentido, é possível concluir que constitui uma atecnia entender que condenações transitadas em julgado refletem negativamente na personalidade ou na conduta social do agente. Isso sem contar que é dado ao julgador atribuir o peso que achar mais conveniente e justo a cada uma das circunstâncias judiciais, o que lhe permite valorar de forma mais enfática os antecedentes criminais do réu com histórico de múltiplas condenações definitivas.
Observe-se, por fim, que essa novel orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça se alinha também à orientação seguida pela Segunda Turma do Pretório Excelso. (Informativo n. 647.)
Confira a ementa:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ADMISSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO COMO AMICUS CURIAE: DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA. VALORAÇÃO NEGATIVA DE MAUS ANTECEDENTES E DA PERSONALIDADE. RÉU QUE OSTENTA MÚLTIPLAS CONDENAÇÕES DEFINITIVAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. DECOTE DA VETORIAL PERSONALIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. O amicus curiae atua, no processo, como um verdadeiro colaborador da justiça, cuja intervenção se justifica na necessidade de se abrir o diálogo jurídico à sociedade, haja vista a existência de questões que ultrapassam os interesses meramente das partes.
Possibilita-se, outrossim, o debate não apenas jurídico, mas também metajurídico, qualificando-se as informações dos autos, a fim de contribuir para decisões com maior legitimidade democrática, por meio de um processo cooperativo.
Sua admissão no processo penal (art. 3º do CPP), no entanto, a par dos requisitos descritos no art. 138 do CPC/2015 (relevância da matéria, especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia), é pautada fundamentalmente na sua aptidão de contribuir para a elucidação do tema objeto de controvérsia, tendo em conta sua expertise e/ou experiência no campo de atuação relacionado à questão analisada no bojo do processo, sem descurar da necessidade de manutenção da paridade de armas, de maneira a não agravar a situação processual do réu.
Não se revela útil a admissão de outro Ministério Público estadual como amicus curiae se a instituição já se encontra suficientemente representada pelo Ministério Público estadual que deu início à ação penal e figura como recorrido nos embargos de divergência, bem como pelo Ministério Público Federal, ambos com possibilidade de se manifestar nos autos e fazer uso da palavra por ocasião do julgamento, tanto mais quando a única contribuição referente ao mérito da controvérsia trazida pelo pretenso interveniente foi a citação de precedentes desta Corte sobre o tema, o que não configura argumentação inédita apta a trazer uma nova luz sobre a questão.
De outro lado e tendo em conta que a instituição do Ministério Público é una, nada impede o acompanhamento da questão pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em reforço à interpretação defendida pela acusação, mas sempre em colaboração com o Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul, ora recorrido.
2. Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente. Precedentes da Quinta e da Sexta Turmas desta Corte.
3. A conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios – referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social).
Já a circunstância judicial dos antecedentes se presta eminentemente à análise da folha criminal do réu, momento em que eventual histórico de múltiplas condenações definitivas pode, a critério do julgador, ser valorado de forma mais enfática, o que, por si só, já demonstra a desnecessidade de se valorar negativamente outras condenações definitivas nos vetores personalidade e conduta social.
4. Havendo uma circunstância judicial específica destinada à valoração dos antecedentes criminais do réu, revela-se desnecessária e “inidônea a utilização de condenações anteriores transitadas em julgado para se inferir como negativa a personalidade ou a conduta social do agente” (HC 366.639/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 5/4/2017). Tal diretriz passou a ser acolhida mais recentemente pela colenda Sexta Turma deste Tribunal: REsp 1760972/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/11/2018, DJe 04/12/2018 e HC 472.
654/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 11/03/2019. Uniformização jurisprudencial consolidada.
5. In casu, a condenação imposta ao recorrente aumentou sua pena-base acima do mínimo legal, valorando, indevidamente, tanto no delito de lesão corporal (129, § 9º, do Código Penal) quanto no de ameaça (art. 147, CP), sua personalidade e seus maus antecedentes com base em diferentes condenações criminais transitadas em julgado.
6. Extirpada a vetorial da personalidade, na primeira fase da dosimetria, remanesce ainda, em ambos os delitos, a vetorial “antecedentes criminais”, o que justifica a elevação da pena-base acima do mínimo legal.
7. Embargos de divergência providos, para, reformando o acórdão recorrido, dar provimento ao agravo regimental do réu e, por consequência, conhecer de seu agravo e dar provimento a seu recurso especial, reduzindo, as penas impostas ao recorrente na proporção do aumento indevidamente atribuído ao vetor “personalidade”, na primeira fase da dosimetria.
(EAREsp 1311636/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2019, DJe 26/04/2019)
Leia também:
- TRF4: Inquéritos policiais ou ações penais em andamento não se prestam a majorar a pena-base
- STJ: Condenações passadas não podem ser usadas para desvalorar personalidade ou conduta social
- Condenações transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais (informativo 647 do STJ)