STJ aplica insignificância a furto de alimentos avaliados em R$56,00
O Ministro Sebastião Reis Júnior Relator, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 23/04/2021, ao julgar o HC 641122/SP, aplicou o princípio da insignificância a um crime de furto de alimentos avaliados em R$56,00, valor abaixo de 10% do salário mínimo vigente na época do cometimento do delito.
Deste modo, o réu foi absolvido com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Confira a íntegra da decisão:
HABEAS CORPUS Nº 641122 – SP (2021/0019906-8)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de Ingrison Ricardo Miranda, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Crime n. 0004241-38.2018.8.26.0664).
Narram os autos que o paciente foi condenado a 1 ano de reclusão e 10 dias-multa, pela prática do crime de furto. Na oportunidade, o Magistrado concedeu o direito de apelar em liberdade e substituiu a pena privativa de liberdade pela obrigação de prestação de serviço à comunidade (fls. 213/219).
Inconformada, a defesa interpôs apelação contra o decisum, mas o Colegiado estadual deu parcial provimento ao recurso para aplicar tão somente a pena de multa (fls. 318/321).
Daí o presente mandamus, no qual se sustenta, em síntese, a absolvição do paciente, com possibilidade de aplicação do princípio da insignificância.
Afirma-se que a lesão jurídica foi ínfima e o bem foi restituído à vítima.
Destacam-se os predicados favoráveis do paciente.
Requer-se, ao final, a concessão da ordem de habeas corpus para cassar o ato coator ilegal e absolver o paciente, em razão da atipicidade da conduta, decorrente do princípio da insignificância.
Sem liminar, prestadas as informações de praxe, o Ministério Público Federal opinou, pelas palavras do Subprocurador-Geral da República Alexandre Camanho de Assis, concedendo-se a ordem para que se reconheça o princípio da insignificância ao caso, conducente à atipicidade material da conduta e à consequente absolvição do paciente (fls. 402/406).
É o relatório.
Pelos percucientes fundamentos, adoto também como razões de decidir o parecer do Ministério Público Federal, in verbis (fls. 402/406 – grifo nosso):
[…] A Corte a quo afastou a aplicação do princípio da insignificância considerando, tão somente, a figura privilegiada do artigo 155 – §2º do CP, que foi compensada com a causa de aumento do repouso noturno.
[…] Entretanto, encontra-se sedimentada no meio jurídico a teoria que defende a mínima intervenção ou fragmentariedade do Direito Penal, de onde reponta a necessidade de adequação razoável entre a conduta e a ofensa ao bem jurídico tutelado, de modo que o Direito Penal só intervenha quando a lesão ao bem jurídico seja muito relevante, bem como quando inexista a possibilidade de reparação pelos outros ramos do Direito.
Desse modo, deve-se observar o grau de lesividade da conduta tida como ilícita, aferindo se a conduta praticada pelo agente lesou de forma relevante o bem jurídico penalmente protegido, de tal sorte a merecer a aplicação da medida de ultima ratio.
É nesse contexto que se situa o princípio da insignificância ou bagatela – construção doutrinária e jurisprudencial oriunda da necessidade de afastar condutas de baixa lesividade da tutela do Direito Penal.
Para tanto, fixou-se na jurisprudência dos tribunais superiores que, para analisar a possibilidade da aplicação de tal princípio, faz-se necessária a presença de certos vetores: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Aqui, verifica-se que tanto a conduta praticada quanto o histórico do paciente ostentam reprovabilidade mínima. Os vetores previstos para a aplicação do princípio da insignificância amoldam-se ao presente caso.
Na espécie, os bens furtados são “6 abacaxis, 8 tomates, 4pimentões verdes, 2 mangas, 12 maracujás, 8 bananas, 2 pacotes de quiabo e pacote de pimentas”, avaliados em R$ 56,00 –valor abaixo de 10% do salário mínimo vigente na época do cometimento do delito. Trata-se, portanto, de bens de gênero alimentício de valores inexpressivos.
Nesse sentido é o entendimento desta Corte:
[…] No caso, a excepcionalidade sobressai do valor do bem (avaliado em R$ 56,00 – cinquenta e seis reais) e da natureza da res furtivae (produtos alimentícios).
Cumpre destacar, ainda, o fato de que o bem foi restituído à vítima, circunstância que, acrescida da natureza e do valor da res furtivae, autoriza a incidência do princípio da insignificância.
Nesse sentido, destaco precedente recente da Sexta Turma desta Corte:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO A TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO ATACADA. AGRAVO QUE DEVE SER CONHECIDO. FURTO. 2 GARRAFAS DE BEBIDA ALCOÓLICA. REITERAÇÃO DELITIVA DO RÉU. IRRELEVÂNCIA. INEXPRESSIVA LESÃO JURÍDICA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E DAR-LHE PROVIMENTO.
1. Reconhecida a impugnação a todos os fundamentos da decisão atacada, deve ser conhecido o agravo em recurso especial.
2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
3. Não obstante a reiteração delitiva do réu, a natureza dos bens subtraídos, bem como seu valor irrisório – 2 garrafas de bebida alcoólica, no valor total de R$ 56,00 -, permite a aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista que inexiste interesse social na onerosa intervenção estatal.
4. Agravo regimental provido para conhecer do agravo e dar-lhe provimento a fim de absolver o recorrente, quanto ao delito do art. 155, caput, do CP, pela incidência do princípio da insignificância.
(AgRg no AREsp n. 1.587.768/MG, Ministro Nefi Cordeiro. Sexta Turma, DJe 10/2/2020 – grifo nosso)
Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, concedo a ordem a fim de absolver o paciente quanto ao crime de furto, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal (Ação Penal n. 0004241-38.2018.8.26.0664, da 2ª Vara Criminal da comarca de Votuporanga/SP).
Intime-se o Ministério Público estadual.
Publique-se.
Brasília, 23 de abril de 2021.
Ministro Sebastião Reis Júnior Relator
(Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 27/04/2021)
Leia também: