STJ anula provas após policial revelar confissão em podcast
A decisão proferida no AgRg no HC 898724 (leia aqui) anulou provas em um processo após policial confessar como a prova foi obtida em podcast.
A defesa alegou a nulidade das provas, especialmente relacionadas à confissão da paciente, que teria sido obtida mediante pressão por parte de policiais civis, sem que ela fosse informada de seu direito constitucional ao silêncio, violando, assim, o princípio da não autoincriminação, previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.
Art. 5º […] LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
Inicialmente, o TJSP havia negado o habeas corpus, afirmando que não havia nulidades processuais, pois os policiais haviam ingressado na residência da paciente com a sua autorização, conforme mencionado no boletim de ocorrência.
Entretanto, a defesa apresentou novos elementos em março de 2022, após a decisão de pronúncia ter transitado em julgado em outubro de 2021. Esses elementos incluíam um vídeo publicado no YouTube, no qual a perita que participou das investigações, descreveu como a confissão da paciente foi obtida durante um episódio de podcast.
De acordo com o relato da perita, a ré foi pressionada a confessar o crime sem que fosse previamente informada de seu direito ao silêncio. Os policiais civis, de forma indireta, teriam convencido a paciente a confessar, utilizando técnicas de persuasão e sugerindo benefícios sem garantia concreta.
No vídeo, a perita descreve o momento em que, durante uma conversa informal, observou manchas de sangue nas unhas e roupas da paciente e, com base nisso, iniciou um diálogo direcionado a obter a confissão, sem que a paciente fosse formalmente advertida sobre seu direito ao silêncio.
O princípio da não autoincriminação, também conhecido como nemo tenetur se detegere visa proteger o acusado de ser compelido a produzir provas contra si mesmo, devendo ser respeitado desde o início da abordagem policial, inclusive em situações de flagrante.
Com base nas novas provas trazidas pela defesa, a Ministra reconsiderou a decisão anterior, analisando o conteúdo do vídeo e os relatos apresentados.
Constatou-se que, ao contrário do que constava nos autos, a confissão extrajudicial da paciente não foi espontânea, sendo fruto de uma pressão exercida pelos policiais, sem o devido respeito ao direito de permanecer em silêncio. Diante dessa análise, foi reconhecida a nulidade da confissão extrajudicial e de todas as provas dela derivadas (artigo 5º, LVI, da Constituição Federal), incluindo a busca domiciliar, que foi realizada logo após a confissão, sem que houvesse autorização da paciente.
Art. 5º […] LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
No entanto, a decisão de pronúncia foi mantida, uma vez que essa não estava baseada nas provas ilícitas anuladas, mas sim em uma confissão judicial feita posteriormente pela paciente, quando ela já contava com a orientação de seu advogado. Além disso, os laudos periciais que embasaram a decisão de pronúncia foram juntados após a confissão extrajudicial e não foram contaminados pelas irregularidades apontadas.
Outro ponto relevante da decisão foi a crítica feita à conduta dos policiais civis, que, além de violarem o direito da paciente durante a investigação, expuseram detalhes do caso em um vídeo público, utilizando uma linguagem inadequada e gravando em um ambiente informal, com consumo de bebida alcoólica.
A Ministra destacou que essa exposição desrespeitou o dever de impessoalidade dos servidores públicos, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, e determinou o envio de cópias da decisão à Corregedoria da Polícia Civil e ao Ministério Público de São Paulo, para que sejam apuradas as responsabilidades funcionais dos referidos policiais.
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