Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 69.988, julgado em 25/10/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CARCINOMA. CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO. CRIME MILITAR. COLABORAÇÃO PREMIADA. JUSTIÇA CASTRENSE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NATUREZA JURÍDICA. MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA E NEGÓCIO JURÍDICO PERSONALÍSSIMO. VALIDADE. QUESTIONAMENTO POR CORRÉUS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. A matéria referente à suposta impossibilidade de utilização do instituto da colaboração premiada no âmbito da Justiça Castrense não foi apreciada pela Corte local, razão pela qual inviável o seu exame direto por este Tribunal Superior sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 2. A colaboração premiada é uma técnica especial de investigação, meio de obtenção de prova advindo de um negócio jurídico processual personalíssimo, que gera obrigações e direitos entre as partes celebrantes (Ministério Público e colaborador), não possuindo o condão de, por si só, interferir na esfera jurídica de terceiros, ainda que citados quando das declarações prestadas, faltando, pois, interesse dos delatados no questionamento quanto à validade do acordo de colaboração premiada celebrado por outrem. Precedentes do STF e STJ. 3. Recurso Ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (STJ, Quinta Turma, RHC 69.988/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/10/2016)
Trecho mais importante do voto:
“Como visto, diante da natureza de negócio jurídico processual personalíssimo, bem como por se tratar de meio de obtenção de provas, e não de efetiva prova, somente possuem legitimidade para questionar a legalidade do acordo de colaboração premiada as próprias partes que o celebraram, restando aos coinvestigados ou corréus, na condição de coautores ou partícipes, que porventura tenham sido citados na delação, questionar as declarações efetivamente prestadas pelo colaborador, até porque o acordo, em si, não tem o condão de atingir a sua esfera jurídica, faltando-lhe, pois, interesse de agir no que se refere à legalidade ou não do acordo.”
Leia a íntegra do voto:
“VOTO O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A defesa objetiva a declaração da ilicitude do acordo de colaboração premiada celebrado pelo corréu CEL Décio Almeida da Silva e que teria subsidiado o oferecimento da denúncia contra os recorrentes, por ter sido homologado pela Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro, juízo que, ao ver da defesa, seria absolutamente incompetente para a respectiva homologação ante a ausência de previsão legal no Código Penal Militar e no CPPM do crime de organização criminosa e, ainda, a declaração quanto à impossibilidade de aplicação do instituto da colaboração premiada perante a Justiça Castrense.
Quanto à tese defensiva de impossibilidade de aplicação do meio de obtenção de prova da colaboração premiada no âmbito da Justiça Castrense, verifico, após exame do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (e-STJ fls. 152/171), que o tema não foi em nenhum momento analisado pela instância de origem.
Aliás, constato que a matéria não foi nem sequer submetida pela defesa quando da impetração do mandamus originário à Corte de origem (e-STJ fls. 1/23), implicando manifesta inovação quando da apresentação dos memoriais perante este Tribunal Superior.
Assim, constatando que a instância ordinária não se manifestou expressamente sobre o tema sub examine, inviável se torna seu exame direto por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância. Deveria a defesa, a fim de provocar a manifestação da Corte local sobre os temas, ter veiculado a matéria quando da impetração originária ou por meio da oposição de embargos de declaração, o que não ocorreu.
A propósito, confira-se o seguinte julgado desta Corte Superior:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DUPLA TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADES NO INQUÉRITO POLICIAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO. DECRETO PRISIONAL FUNDAMENTADO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. I – A tese recursal relativa à eventuais nulidades ocorridas no inquérito policial sequer foi analisada pelo eg. Tribunal a quo, ao fundamento de que não foram apresentados documentos comprobatórios do alegado, razão pela qual o mandamus impetrado na eg. Corte de origem foi parcialmente conhecido. II – Assim sendo, fica impedida esta eg. Corte de analisar a quaestio ventilada no recurso, sob pena de indevida supressão de instância, já que o eg. Tribunal a quo não se manifestou acerca das alegadas nulidades. […] Recurso ordinário conhecido em parte e, nesta parte, desprovido. (RHC 45.246/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 2/10/2014, DJe 13/10/2014)
No que se refere à suposta nulidade do acordo de colaboração premiada celebrado pelo corréu CEL Décio Almeida da Silva, suscitado pelos ora recorrentes ARTUR CRUZ JUNIOR, RICARDO COUTINHO PACHECO e KLEBER DOS SANTOS MARTINS, o recurso, igualmente, não comporta provimento.
O Tribunal de origem rechaçou a suposta ilicitude na homologação do acordo de colaboração premiada realizada por corréu e que teria subsidiado o oferecimento de denúncia contra os recorrentes, pelos seguintes fundamentos (e-STJ fl. 167):
Também não há que se falar em ocorrência de ilegalidade pelo fato de que o acordo de colaboração premiada ter sido homologado pela Auditoria Militar. Eis que a própria Lei n.º 12.850/2013 exige tal formalidade, em seu artigo 4.º, §7.º. Por tais razões, a preliminar de nulidade, por utilização da colaboração premiada é de rejeitada. Isso porque, eventual condenação dos pacientes não estará estribada no instituto em comento, mas nos vários elementos probatórios porventura produzidos nos autos da ação penal principal, não havendo que se falar em desentranhamento do incidente de delação premiada, ou mesmo das demais provas.
A colaboração premiada “é uma técnica especial de investigação, um meio de obtenção de prova, por meio da qual um coautor e/ou partícipe da infração penal para, além de confessar a prática delitiva, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal, informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal” (DE LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. Editora JusPODIVM, 3ª edição, 2015, pg. 524).
O Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, em voto de relatoria do Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC n. 127.483/PR, assentou o entendimento no sentido de que a colaboração premiada, para além de uma técnica especial de investigação, é um negócio jurídico processual personalíssimo, pois, por meio dele, se pretende a cooperação do imputado para a investigação e para o processo penal, o qual poderá redundar em benefícios de natureza penal premial, sendo necessário que a ele aquiesça, voluntariamente, que esteja no pleno gozo de sua capacidade civil e consciente dos efeitos decorrentes de sua realização. Eis alguns termos do voto que adoto como razão de decidir:
A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração. Dito de outro modo, embora a colaboração premiada tenha repercussão no direito penal material (ao estabelecer as sanções premiais a que fará jus o imputado-colaborador, se resultar exitosa sua cooperação), ela se destina precipuamente a produzir efeitos no âmbito do processo penal
Note-se que a Lei nº 12.850/13 expressamente se refere a um “acordo de colaboração” e às “negociações” para a sua formalização, a serem realizadas “entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor” (art. 4º, § 6º), a confirmar que se trata de um negócio jurídico processual. […]
Dentre os relevantes efeitos processuais do acordo de colaboração, destacam-se os previstos no art. 4º da Lei nº 12.850/13: I) “o prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional” (§ 3º); II) “o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou for o primeiro a prestar efetiva colaboração (§ 4º); e III) “nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade” (§ 14). Além disso, nos termos do art. 5º da Lei nº 12.850/13, o acordo de colaboração judicialmente homologado confere ao colaborador o direito de: I) ”usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica”; II) “ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados”; III) “ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes”, e IV) “participar das audiências sem contato visual com os outros acusados”. Indubitável, portanto, tratar-se de um negócio jurídico processual. […]
No caso da colaboração premiada, uma vez aceita por uma das partes a proposta formulada pela outra, forma-se o acordo de colaboração, que, ao ser formalizado por escrito, passa a existir (plano da existência). Não se confundem, assim, “proposta” e “acordo”, tanto que a “proposta” é retratável, nos termos do art. 4º, § 10, da Lei nº 12.850/13, mas não o acordo. Se o colaborador não mais quiser cumprir seus termos, não se cuidará de retratação, mas de simples inexecução de um negócio jurídico perfeito. O art. 6º, da Lei nº 12.850/13 estabelece os elementos de existência do acordo de colaboração premiada. Esse acordo deverá ser feito por escrito e conter: I) o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II) as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III) a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; e IV) as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor.
Por sua vez, “a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família”, prevista no inciso V do referido dispositivo legal, afigura-se um elemento particular eventual, uma vez que o acordo somente disporá sobre tais medidas “quando necessário”. Quanto ao plano subsequente da validade, o acordo de colaboração somente será válido se: I) a declaração de vontade do colaborador for a) resultante de um processo volitivo; b) querida com plena consciência da realidade; c) escolhida com liberdade e d) deliberada sem má-fé; e II) o seu objeto for lícito, possível e determinado ou determinável. Nesse sentido, aliás, o art. 4º, caput e seu § 7º, da Lei nº 12.850/13 exige, como requisitos de validade do acordo de colaboração, a voluntariedade do agente, a regularidade e a legalidade dos seus termos. Destaco que requisito de validade do acordo é a liberdade psíquica do agente, e não a sua liberdade de locomoção. A declaração de vontade do agente deve ser produto de uma escolha com liberdade (= liberdade psíquica), e não necessariamente em liberdade, no sentido de liberdade física. […]
Finalmente, superados os planos da existência e da validade, chega-se ao plano da eficácia: o acordo existente e válido somente será eficaz se for submetido à homologação judicial (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13). Esse provimento interlocutório, que não julga o mérito da pretensão acusatória, mas sim resolve uma questão incidente, tem natureza meramente homologatória, limitando-se a se pronunciar sobre a “regularidade, legalidade e voluntariedade” do acordo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13). […]
Nessa atividade de delibação, o juiz, ao homologar o acordo de colaboração, não emite nenhum juízo de valor a respeito das declarações eventualmente já prestadas pelo colaborador à autoridade policial ou ao Ministério Público, tampouco confere o signo da idoneidade a seus depoimentos posteriores. […]
A homologação judicial constitui simples fator de atribuição de eficácia do acordo de colaboração. […]
Finalmente, havendo um acordo de colaboração existente, válido e eficaz, nos termos do art. 4º, I a V, da Lei nº 12.850/13, a aplicação da sanção premial nele prevista dependerá do efetivo cumprimento pelo colaborador das obrigações por ele assumidas, com a produção de um ou mais dos seguintes resultados: a) identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; b) revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; c) prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; d) recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e) localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Se não sobrevier nenhum desses resultados concretos para a investigação, restará demonstrado o inadimplemento do acordo por parte do colaborador, e não se produzirá a consequência por ele almejada (aplicação da sanção premial). […]
Por se tratar de um negócio jurídico processual personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento quando do “relato da colaboração e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13). O acordo de colaboração, como negócio jurídico personalíssimo, não vincula o delatado e não atinge diretamente sua esfera jurídica: res inter alios acta. A delação premiada, como já tive oportunidade de assentar, é um benefício de natureza personalíssima, cujos efeitos não são extensíveis a corréus (RHC nº 124.192/PR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 8/4/15) Esse negócio jurídico processual tem por finalidade precípua a aplicação da sanção premial ao colaborador, com base nos resultados concretos que trouxer para a investigação e o processo criminal. Assim, a homologação do acordo de colaboração, por si só, não produz nenhum efeito na esfera jurídica do delatado, uma vez que não é o acordo propriamente dito que poderá atingi-la, mas sim as imputações constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de direitos fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses depoimentos e nas provas por ele indicadas ou apresentadas – o que, aliás, poderia ocorrer antes, ou mesmo independentemente, de um acordo de colaboração. Tanto isso é verdade que o direito do imputado colaborador às sanções premiais decorrentes da delação premiada prevista no art. 14 da Lei nº 9.807/99; no art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro); no art. 159, § 4º, do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 9.269/96 (extorsão mediante sequestro); no art. 25, § 2º, da Lei nº 7.492/86 e no art. 41 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas), independe da existência de um acordo formal homologado judicialmente. Ao disciplinarem a delação premiada, esses outros diplomas legais reputam suficiente, para a aplicação das sanções premiais, a colaboração efetiva do agente para a apuração das infrações penais, identificação de coautores ou partícipes, localização de bens, direitos ou valores auferidos com a prática do crime ou libertação da vítima, a demonstrar, mais uma vez, que não é o acordo propriamente dito que atinge a esfera jurídica de terceiros. Corroborando essa assertiva, ainda que o colaborador, por descumprir alguma condição do acordo, não faça jus a qualquer sanção premial por ocasião da sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº 12.850/13), suas declarações, desde que amparadas por outras provas idôneas (art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/13), poderão ser consideradas meio de prova válido para fundamentar a condenação de coautores e partícipes da organização criminosa. Por sua vez, o fato de o art. 4º, § 9º, da Lei nº 12.850/13 prever que “depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações” não significa, como pretendem fazer crer os impetrantes nas razões do agravo regimental interposto, que suas declarações somente poderão ser tomadas após a decisão homologatória. Significa apenas que, após a homologação do acordo, os depoimentos do colaborador se sujeitarão ao regime jurídico instituído pelo referido diploma legal. A toda evidência, subsistem válidos os depoimentos anteriormente prestados pelo colaborador, que poderão, oportunamente, ser confrontados e valorados pelas partes e pelo juízo. Em suma, nos procedimentos em que figurarem como imputados, os coautores ou partícipes delatados terão legitimidade para confrontar, em juízo, as afirmações sobre fatos relevantes feitas pelo colaborador e as provas por ele indicadas, bem como para impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor com base naquelas declarações e provas, inclusive sustentando sua inidoneidade para servir de plataforma indiciária para a decretação daquelas medidas – mas não, repita-se, para impugnar os termos do acordo de colaboração feito por terceiro. Outrossim, negar-se ao delatado o direito de impugnar o acordo de colaboração não implica desproteção a seus interesses. A uma porque a própria Lei nº 12.850/13 estabelece que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador” (art. 4º, § 16). A duas porque, como já exposto, será assegurado ao delatado, pelo contraditório judicial, o direito de confrontar as declarações do colaborador e as provas com base nela obtidas. […]
Por essa razão, Gustavo Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, embora cuidando da delação premiada prevista no art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/98, (Lavagem de Dinheiro), afirmam que as declarações do delator, para serem consideradas meios de prova, deverão encontrar amparo em outros elementos de prova existentes nos autos que corroborem seu conteúdo, bem como, caso tenham sido prestadas na fase extrajudicial ou em procedimento criminal diverso, deverão ser confirmadas em juízo, assegurando-se ao delatado o contraditório (Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp. 174-175, grifo nosso). A propósito, Gustavo dos Reis Gazzola, ao tratar do direito de o delatado contrastar as informações prestadas pelo colaborador, aduz que a delação premiada no curso do processo pode gerar duas situações:
“Primeira, o delatado é corréu no processo. Deve, portanto, o delatado, por meio de advogado, poder contrastar as informações prestadas pelo delator no curso da própria relação processual, o que se dará pela possibilidade de perguntas, quer em audiência de interrogatório, quer em audiência designada para essa finalidade. Segunda, o delatado não é corréu no processo. A delação será objeto de contraditório no processo a que eventualmente estiver respondendo o delatado, ou no mesmo em que se deu a delação, caso haja aditamento da denúncia (…)” (Delação premiada. In: Limites constitucionais da investigação. Coord. Rogério Sanches Cunha, Pedro Taques e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.180).
Também Frederico Valdez Pereira assenta a indispensabilidade de se assegurar aos delatados pelo colaborador o direito de confrontar em juízo o arrependido, com o intuito de retirar ou abalar a credibilidade de suas declarações, aduzindo que o exercício desse direito representa
“(…) verdadeiro método indireto de controle da atuação dos órgãos de persecução no momento prévio de se definir por embasar a estratégia investigativa e de imputação em pretensos colaboradores, pois deverão então considerar, antecipadamente, o exame a que serão submetidos na fase judicial os declarantes, limitando-se, desse modo, a favorecer apenas sujeitos que pareçam fiáveis e constantes na opção colaborativa. (…) portanto, acaso se pretenda utilizar as informações advindas da delação para sustentar um juízo condenatório, ostentando a condição de meio de prova, é indispensável submeter o agente colaborador ao contraditório em juízo” (op. cit., p. 146-147).
Neste particular, o art. 4º, § 12, da Lei nº 12.850/13 determina que, “ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial”. Por sua vez, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), no art. 8º, inciso 2, f, estabelece, como garantia judicial, “o direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”. Não resta dúvida, portanto, de que o delatado, no exercício do contraditório, terá o direito de inquirir o colaborador, seja na audiência de interrogatório, seja em audiência especificamente designada para esse fim. Assegura-se, dessa forma, a “paridade de armas” entre o delatado e o órgão acusador, entendida como “o indispensável equilíbrio que deve existir entre as oportunidades concedidas às partes para que, ao apresentar suas provas e alegações ao juiz ou tribunal, não seja colocado […]
Neste particular, o art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/13, ao prever que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”, inspira-se nitidamente no citado art. 192, § 3º, do Código de Processo Penal italiano, que não exclui a utilizabilidade probatória das declarações feitas por coimputado sobre a responsabilidade alheia, mas, ao impor sua valoração conjunta com outros elementos que confirmem sua credibilidade (“attendibilità”), subordina sua utilização à necessidade de corroboração por elementos externos de verificação (GREVI, Vittorio. Compendio di procedura penale. 6. ed. p. 323-324). (negrito nosso)
Eis a ementa do julgado:
Habeas corpus. Impetração contra ato de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Conhecimento. Empate na votação. Prevalência da decisão mais favorável ao paciente (art. 146, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Inteligência do art. 102, I, i, da Constituição Federal. Mérito. Acordo de colaboração premiada. Homologação judicial (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13). Competência do relator (art. 21, I e II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Decisão que, no exercício de atividade de delibação, se limita a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo. Ausência de emissão de qualquer juízo de valor sobre as declarações do colaborador. Negócio jurídico processual personalíssimo. Impugnação por coautores ou partícipes do colaborador. Inadmissibilidade. Possibilidade de, em juízo, os partícipes ou os coautores confrontarem as declarações do colaborador e de impugnarem, a qualquer tempo, medidas restritivas de direitos fundamentais adotadas em seu desfavor. Personalidade do colaborador. Pretendida valoração como requisito de validade do acordo de colaboração. Descabimento. Vetor a ser considerado no estabelecimento das cláusulas do acordo de colaboração – notadamente na escolha da sanção premial a que fará jus o colaborador -, bem como no momento da aplicação dessa sanção pelo juiz na sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº 12.850/13). Descumprimento de anterior acordo de colaboração. Irrelevância. Inadimplemento que se restringiu ao negócio jurídico pretérito, sem o condão de contaminar, a priori, futuros acordos de mesma natureza. Confisco. Disposição, no acordo de colaboração, sobre os efeitos extrapenais de natureza patrimonial da condenação. Admissibilidade. Interpretação do art. 26.1 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), e do art. 37.2 da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (Convenção de Mérida). Sanção premial. Direito subjetivo do colaborador caso sua colaboração seja efetiva e produza os resultados almejados. Incidência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. Precedente. Habeas corpus do qual se conhece. Ordem denegada. 1. Diante do empate na votação quanto ao conhecimento de habeas corpus impetrado para o Pleno contra ato de Ministro, prevalece a decisão mais favorável ao paciente, nos termos do art. 146, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Conhecimento do habeas corpus, nos termos do art. 102, I, “i”, da Constituição Federal. 2. Nos termos do art. 21, I e II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o relator tem poderes instrutórios para ordenar, monocraticamente, a realização de quaisquer meios de obtenção de prova (v.g., busca e apreensão, interceptação telefônica, afastamento de sigilo bancário e fiscal). 3. Considerando-se que o acordo de colaboração premiada constitui meio de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que o relator tem poderes para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13). 4. A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração. 5. A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador. 6. Por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no “relato da colaboração e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13). 7. De todo modo, nos procedimentos em que figurarem como imputados, os coautores ou partícipes delatados – no exercício do contraditório – poderão confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor. 8. A personalidade do colaborador não constitui requisito de validade do acordo de colaboração, mas sim vetor a ser considerado no estabelecimento de suas cláusulas, notadamente na escolha da sanção premial a que fará jus o colaborador, bem como no momento da aplicação dessa sanção pelo juiz na sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº 12.850/13). 9. A confiança no agente colaborador não constitui elemento de existência ou requisito de validade do acordo de colaboração. 10. Havendo previsão em Convenções firmadas pelo Brasil para que sejam adotadas “as medidas adequadas para encorajar” formas de colaboração premiada (art. 26.1 da Convenção de Palermo) e para “mitigação da pena” (art. 37.2 da Convenção de Mérida), no sentido de abrandamento das consequências do crime, o acordo de colaboração, ao estabelecer as sanções premiais a que fará jus o colaborador, pode dispor sobre questões de caráter patrimonial, como o destino de bens adquiridos com o produto da infração pelo agente colaborador. 11. Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada, legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do colaborador. 12. Habeas corpus do qual se conhece. Ordem denegada. (HC 127483, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/8/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 3-2-2016 PUBLIC 4-2-2016).
Como visto, diante da natureza de negócio jurídico processual personalíssimo, bem como por se tratar de meio de obtenção de provas, e não de efetiva prova, somente possuem legitimidade para questionar a legalidade do acordo de colaboração premiada as próprias partes que o celebraram, restando aos coinvestigados ou corréus, na condição de coautores ou partícipes, que porventura tenham sido citados na delação, questionar as declarações efetivamente prestadas pelo colaborador, até porque o acordo, em si, não tem o condão de atingir a sua esfera jurídica, faltando-lhe, pois, interesse de agir no que se refere à legalidade ou não do acordo.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal, em outras ocasiões, novamente se posicionou no sentido da inviabilidade de corréus questionarem acordos de colaboração premiada celebrados por outrem:
INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 317 DO CÓDIGO PENAL E 1°, V, VI, VII, DA LEI 9.613/1998. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: HIPÓTESE EM QUE NÃO É RECOMENDÁVEL CISÃO DO PROCESSO. PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS: NÃO CABIMENTO DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 86, § 4º DA CONSTITUIÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA E ILICITUDE DE PROVA: INEXISTÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. COLABORAÇÃO PREMIADA: REGIME DE SIGILO E EFICÁCIA PERANTE TERCEIROS. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP: INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADOS EM RELAÇÃO À SEGUNDA PARTE DA DENÚNCIA. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA. 1. Segundo entendimento afirmado por seu Plenário, cabe ao Supremo Tribunal Federal, ao exercer sua prerrogativa exclusiva de decidir sobre a cisão de processos envolvendo agentes com prerrogativa de foro, promover, em regra, o seu desmembramento, a fim de manter sob sua jurisdição apenas o que envolva especificamente essas autoridades, segundo as circunstâncias de cada caso (Inq 3515 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2014, DJe de 14/3/2014). Ressalvam-se, todavia, situações em que os fatos se revelem “de tal forma imbricados que a cisão por si só implique prejuízo a seu esclarecimento” (AP 853, Relator(a): Min. ROSA WEBER, DJe de 22/5/2014), como ocorre no caso. 2. À luz dos precedentes do Supremo Tribunal, a garantia contra a autoincriminação se estende às testemunhas, no tocante às indagações cujas respostas possam, de alguma forma, causar-lhes prejuízo (cf. HC 79812, Tribunal Pleno, DJ de 16-02-2001). 3. A previsão constitucional do art. 86, § 4º, da Constituição da República se destina expressamente ao Chefe do Poder Executivo da União, não autorizando, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que amplie sua incidência a outras autoridades, nomeadamente do Poder Legislativo. Precedentes. 4. Tratando-se de colaboração premiada contendo diversos depoimentos, envolvendo diferentes pessoas e, possivelmente, diferentes organizações criminosas, tendo sido prestados em ocasiões diferentes, em termos de declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de diligências, não assiste a um determinado denunciado o acesso universal a todos os depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da colaboração premiada que lhe digam respeito. 5. Eventual desconstituição de acordo de colaboração premiada tem âmbito de eficácia restrito às partes que o firmaram, não beneficiando e nem prejudicando terceiros (HC 127483, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 4/2/2016). Até mesmo em caso de revogação do acordo, o material probatório colhido em decorrência dele pode ainda assim ser utilizado em face de terceiros, razão pela qual não ostentam eles, em princípio, interesse jurídico em pleitear sua desconstituição, sem prejuízo, obviamente, de formular, no momento próprio, as contestações que entenderem cabíveis quanto ao seu conteúdo. 6. Preservado o conteúdo das informações prestadas pelo colaborador, eventuais divergências de literalidade entre o documento escrito e a gravação dos depoimentos, quando realizada, não importa, automaticamente, a nulidade do ato, reservando-se ao interessado, se for o caso, no âmbito da ação penal, insurgir-se contra eventuais inconsistências existentes na versão escrita, podendo demandar do colaborador os esclarecimentos que forem necessários. 7. Não há nulidade na realização de busca e apreensão deferida após o oferecimento da denúncia, quando a medida cautelar visa especificamente coletar elementos referentes a fatos circunscritos a outra investigação e os elementos probatórios colhidos não foram utilizados ou considerados para o específico juízo de recebimento da denúncia. 8. Não se fazem presentes elementos mínimos de autoria, exigidos para o recebimento da denúncia, em relação à efetiva participação dos denunciados nos supostos crimes ocorridos nos anos de 2006 e 2007, ou mesmo que tenham eles, no período imediato, recebido vantagem indevida em razão do mandato parlamentar. 9. Todavia, em sua segunda parte, a denúncia, reforçada pelo aditamento, contém adequada indicação da conduta delituosa imputada, a partir de elementos aptos a tornar plausível a acusação e permitir o pleno exercício do direito de defesa, o que autoriza, nesse ponto, o recebimento da denúncia. 10. É incabível a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal pelo mero exercício do mandato parlamentar, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no art. 317, § 1º. A jurisprudência desta Corte, conquanto revolvida nos últimos anos (Inq 2606, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2014, DJe-236 DIVULG 01-12-2014 PUBLIC 02-12-2014), exige uma imposição hierárquica ou de direção (Inq 2191, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2008, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 07-05-2009 PUBLIC 08-05-2009) que não se acha nem demonstrada nem descrita nos presentes autos. 11. Denúncia parcialmente recebida, prejudicados os agravos regimentais. (Inq. 3983/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, Dje 3/3/2016).
Nesse mesmo sentido já se pronunciou este Tribunal Superior em outras oportunidades:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DELAÇÃO PREMIADA. PLEITO DE NULIDADE. ALEGAÇÃO DE IMPEDIMENTO DE PROCURADORES QUE SUBSCREVERAM OS ACORDOS DE DELAÇÃO. ILEGITIMIDADE DE PARTE. ATUAÇÃO DO PARQUET POR MEIO DE FORÇA-TAREFA. ASSINATURA DOS ACORDOS POR DIVERSOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NULIDADE NÃO EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A impetração argúi, de início, a nulidade do acórdão impugnado, sob o argumento de que esse decisum teria sido baseado nas informações prestadas por autoridade judicial que já havia se declarado impedida/suspeita a para atuar em processos de interesse do Paciente. A arguição é improcedente, tendo em vista que o magistrado se limitou a prestar esclarecimentos à Corte de origem, sem proceder à realização de atos processuais nos autos das ações penais intentadas contra o Paciente ou, ainda, emitir qualquer pronunciamento de conteúdo decisório. 2. Apenas aqueles que celebraram os acordos de delação premiada – ou seja, os colaboradores e o Ministério Público Federal – detêm legitimidade para questionar os seus termos. Como o Paciente não constituiu nenhuma das partes que assinaram os acordos homologados judicialmente, poderá impugná-los nos autos das ações penais em que estes, porventura, tiverem sido utilizados como provas. 3. Ademais, constata-se das certidões explicativas juntadas aos autos que a atuação do Ministério Público Federal se deu por meio de uma força-tarefa. Desse modo, ainda que questionada a suspeição de um dos membros do Parquet na celebração dos acordos de delação premiada, os atos permaneceriam válidos, tendo em vista a existência de outros signatários legitimados para a sua efetivação. 4. Ordem de habeas corpus denegada. (HC 195.797/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 22/5/2012, DJe 6/6/2012; sem destaques no original).
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. DECLARAÇÕES DO COLABORADOR. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL PERSONALÍSSIMO. IMPUGNAÇÃO POR SUPOSTOS COAUTORES OU PARTÍCIPES DO COLABORADOR. ILEGITIMIDADE. POSSIBILIDADE DE CONFRONTO, EM JUÍZO, DAS DECLARAÇÕES DO COLABORADOR. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO, A QUALQUER TEMPO, DE MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ADOTADAS EM SEU DESFAVOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. O acordo de colaboração premiada, negócio jurídico personalíssimo celebrado entre o Ministério Público e o réu colaborador, gera direitos e obrigações apenas para as partes, em nada interferindo na esfera jurídica de terceiros, ainda que referidos no relato da colaboração. 2. Assim sendo, supostos coautores ou partícipes do réu colaborador nas infrações desveladas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no “relato da colaboração e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13), não possuem legitimidade para contestar a validade do acordo. 3. Não há direito dos “delatados” a participar da tomada de declarações do réu colaborador, sendo os princípios do contraditório e da ampla defesa garantidos pela possibilidade de confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor. 4. Precedentes do STF e do STJ. 5. Recurso desprovido. (RHC 68.542/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 19/4/2016, DJe 3/5/2016).
A decisão de homologação é simples fator de atribuição de eficácia do acordo de colaboração premiada para a parte que o celebra, para que, futuramente, possa gozar dos benefícios previstos em lei diante da eficácia objetiva de suas declarações. Assim, carece de interesse quanto ao questionamento da legalidade ou ilegalidade da decisão homologatória do acordo de colaboração premiada àqueles que não participaram de sua realização.
Portanto, os recorrentes, ora na condição de “delatados”, não possuem legitimidade para questionar a validade do acordo de colaboração premiada – realizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o corréu CEL Décio Almeida da Silva –, dado que, como já ressaltado anteriormente, o acordo gera direitos e obrigações apenas para as partes, em nada interferindo na esfera jurídica de terceiros, ainda que referidos no relato da colaboração, razão pela qual carecem de interesse no questionamento quanto ao Juízo competente para a homologação do acordo de colaboração premiada de corréu, sendo-lhes facultada, contudo, a contestação das alegações e provas porventura advindas deste negócio jurídico e que a eles digam respeito.
Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Ordinário em habeas corpus.
É como voto.”
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