STF definirá elementos necessários para condenação por crime de redução a condição análoga à de escravo
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá definir os elementos para que se configure o delito de redução a condição análoga à de escravo e quais são as provas necessárias para condenações por esse crime, previsto no artigo 149 do Código Penal. Por maioria de votos, o Plenário reconheceu a existência de repercussão geral (Tema 1158) da matéria, discutida no Recurso Extraordinário (RE) 1323708.
“Realidade rústica”
O recurso foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que absolveu um proprietário de fazendas no Pará do crime de redução de 43 trabalhadores a condição análoga à de escravo. Segundo o TRF-1, a produção de provas foi deficiente, diante da ausência de depoimentos das vítimas, e a acusação teria se valido de elementos “comuns na realidade rústica brasileira”, como alojamentos coletivos e precários e falta de água potável, de instalações sanitárias e de equipamentos de primeiros socorros.
Para o Tribunal Regional, a condenação só se justificaria em casos mais graves, em que o trabalhador seja efetivamente rebaixado na sua condição humana e submetido a constrangimentos econômicos, pessoais e morais inaceitáveis.
Condição degradante
No recurso, o MPF sustenta que as condições em que os trabalhadores foram encontrados não podem ser consideradas “mera realidade local” e se enquadram na conduta tipificada no artigo 149 do Código Penal, que equipara ao trabalho escravo aquele exercido em condições degradantes. A decisão do TRF-1, a seu ver, beneficia os trabalhadores urbanos e prejudica os rurais, que, mesmo que estejam em localidades distantes, onde a presença do Estado é mais difícil, não podem ser submetidos a condições laborais e de habitação menos civilizadas. Para o MPF, se as condições retratadas nos autos não forem reconhecidas como degradantes, o trabalho em condições análogas à de escravo não terá fim no meio rural.
Repercussão geral
O presidente do STF, ministro Luiz Fux, relator do recurso, observou que o caso diz respeito à diferenciação das condições necessárias à sua tipificação como degradantes em razão da realidade local em que o trabalho é realizado e, ainda, sobre o chamado standard probatório (quantidade de provas necessárias) para a condenação pelo crime. Assim, o STF terá de decidir a matéria com base nas normas constitucionais referentes à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho, aos objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de redução das desigualdades sociais e regionais.
Segundo Fux, o Estado Democrático de Direito não deve demonstrar complacência diante dos “numerosos e inaceitáveis casos de violação aos direitos humanos” em relação a trabalhadores rurais e urbanos brasileiros. “Quase 132 anos após a abolição da escravatura no Brasil, situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas”, afirmou.
Dados
Segundo ele, o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem, hoje, 1,7 mil procedimentos de investigação dessa prática e de aliciamento e tráfico de trabalhadores em andamento. Ainda de acordo com estatísticas do MPT, entre 2003 e 2018, cerca de 45 mil trabalhadores foram resgatados e libertados do trabalho análogo à escravidão no Brasil.
Jurisprudência
Fux citou também decisões do STF no sentido de que o crime previsto no artigo 149 do Código Penal está configurado no caso de situações de ofensa constante aos direitos básicos do trabalhador, como a submissão a trabalhos forçados, a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho. Assim, não é necessário que haja o cerceamento da liberdade de ir e vir do trabalhador.
Fonte: Supremo Tribunal Federal (STF) – leia aqui.
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