Conforme o art. 2º, §6º, da Lei 12.830/13, “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.”
Portanto, o indiciamento consiste em ato formal que imputa a determinado indivíduo a prática de uma infração penal. Essa imputação ocorre no inquérito policial e por ato do Delegado.
O supracitado dispositivo legal deixa evidente que se trata de ato privativo do Delegado de Polícia. Nesse diapasão, é inadmissível que alguma outra autoridade – Juiz ou Promotor – determine (“rectius”: requisite) ao Delegado de Polícia que proceda ao indiciamento de alguém.
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. REQUISIÇÃO DE INDICIAMENTO PELO MAGISTRADO APÓS O RECEBIMENTO DENÚNCIA. MEDIDA INCOMPATÍVEL COM O SISTEMA ACUSATÓRIO IMPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. INTELIGÊNCIA DA LEI 12.830/2013. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. SUPERAÇÃO DO ÓBICE CONSTANTE NA SÚMULA 691. ORDEM CONCEDIDA. 1. Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o indiciamento de determinada pessoa. A rigor, requisição dessa natureza é incompatível com o sistema acusatório, que impõe a separação orgânica das funções concernentes à persecução penal, de modo a impedir que o juiz adote qualquer postura inerente à função investigatória. Doutrina. Lei 12.830/2013. 2. Ordem concedida.
(HC 115015, Relator: Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, julgado em 27/08/2013)
Outro ponto relevante e pacífico é que o indiciamento não vincula a manifestação do Ministério Público. Assim, é possível que o agente ministerial promova a denúncia contra alguém que não foi indiciado, como também se admite o arquivamento de inquérito policial em relação a indivíduo ou fato que conste em indiciamento.
Nesse diapasão, o STJ já se manifestou recentemente:
[…]
2. Compete ao Parquet, titular da ação penal pública, avaliar a peça informativa e valer-se de outros elementos disponíveis para formar sua opinio delicti. Pode denunciar pessoa que não haja sido indiciada ou mesmo pedir o arquivamento do inquérito por falta de provas, sem nenhuma vinculação às conclusões das autoridades policiais.
[…]
(RHC 79.534/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 04/04/2017, DJe 17/04/2017)
Há divergência se caberia indiciamento em termo circunstanciado (art. 69 da Lei 9.099/95). Apesar de alguns autores entenderem ser admissível o indiciamento, considero que a “análise técnico-jurídica do fato” (art. 2º, §6º, da Lei 12.830/13) é incompatível com a simplicidade do termo circunstanciado, haja vista que não o cumprimento pleno das diligências previstas no art. 6º do Código de Processo Penal, as quais são objeto de inquérito policial. Sobre o tema, remeto o leitor ao artigo em que analisei a jurisprudência do STJ sobre o termo circunstanciado (leia aqui).
Um grande problema consolidado na jurisprudência do STJ é a impossibilidade de trancamento de inquérito policial se não houve indiciamento ou limitação ao direito de locomoção. Por esse entendimento, não se admite “habeas corpus” para trancar o inquérito policial se não há imputação formal (indiciamento) do paciente pela prática de alguma infração penal. Em outras palavras, sem indiciamento, o investigado ainda não sofre constrangimento ao seu direito de locomoção, sendo descabida a impetração de “habeas corpus”. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS.
INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE INDICIAMENTO OU DE LIMITAÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Revela-se inadequada, como na espécie, a via eleita para discutir suposta ilegalidade em inquérito policial, no qual nem sequer houve indiciamento ou, ao menos, judicialização de prova. Isso porque, não caracterizado o imprescindível constrangimento atual ou próximo à direito de locomoção, passível de ser prontamente remediado mediante a garantia fundamental.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC 38.509/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017)
Esse entendimento é criticável. Deve-se lembrar que muitas prisões preventivas ou temporárias são decretadas contra investigados ainda não indiciados. A ausência de indiciamento, por si só, não significa ausência de constrangimento ilegal.