O Brasil não adota o sistema da prova tarifada, em que uma prova possui valor maior do que as outras. Entretanto, é inegável que, na prática, há uma supervalorização da prova testemunhal, especialmente porque não há tanta preocupação com a prova pericial no nosso país.
Testemunha é toda pessoa idônea, diversa das partes, que, por iniciativa própria, a pedido das partes ou convocada pelo juiz, falará o que sabe sobre o caso.
Como regra, as pessoas têm o dever de testemunhar, conforme o art. 206 do Código de Processo penal:
Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.
Se a testemunha não comparecer em juízo (e não apresentar justificativa plausível para o não comparecimento), o Juiz poderá determinar sua condução coercitiva (art. 218 do CPP). Há, evidentemente, casos em que a testemunha é dispensada ou proibida de depor, como, por exemplo, no caso do art. 207 do CPP.
A prova testemunhal depende do preenchimento de alguns requisitos, como a oralidade, fundamentada no art. 204 do CPP, que afirma: “o depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito”.
Pela lógica da oralidade, é necessário que o depoimento seja falado e espontâneo. Nesse ponto, a defesa deve insurgir-se contra uma prática muito comum: o Promotor de Justiça lê o depoimento prestado pela testemunha na fase policial e pergunta se ela confirma o que disse.
Ora, esse expediente viola, indiretamente, o art. 204 do CPP. A regra é simples: se a testemunha não pode trazer seu depoimento por escrito, também não é possível que alguém leia o depoimento anterior da testemunha e apenas pergunte se ela o confirma (como se fosse um “depoimento de adesão”).
Como é sabido, o art. 155 do CPP afirma que, como regra, o Juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos durante a investigação.
Nesse diapasão, a estratégia dos Promotores que leem os depoimentos e aguardam a confirmação da testemunha é tentar “judicializar” aquilo que foi dito durante a fase policial sem o risco de que as testemunhas contem versões diferentes ou digam que não se lembram dos fatos.
Entretanto, uma análise mais apurada demonstra que a estratégia, além de violar o art. 204 do CPP, é equivocada.
Novamente, a questão é muito simples: se a testemunha, após a leitura pelo Ministério Público do seu depoimento realizado na fase policial, apenas confirma o que foi dito, não há prova judicializada, porque sua narrativa não foi exposta.
Dessa forma, se todos os depoimentos em juízo passaram por esse expediente e a defesa não perguntar nada, o Magistrado deveria absolver o acusado (art. 386, VII, do CPP), porquanto não há prova produzida em juízo. Afinal, a leitura realizada pelo “Parquet” não serve como prova testemunhal em relação ao depoente que a confirma (caso contrário, seria um depoimento prestado por terceiro), tampouco tem valor para uma decisão condenatória.
Se ela leitura fosse válida como prova, teríamos, inevitavelmente, um problema: o Promotor teria prestado o depoimento pela testemunha em nome dela (o que não é admitido) ou o mesmo Promotor teria atuado como testemunha (falando em nome próprio), ficando impedido de trabalhar como acusador no mesmo processo.
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