No REsp 1.373.356-BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o testemunho por ouvir dizer (hearsay rule), produzido somente na fase inquisitorial, não serve como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia, que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri (clique aqui).
Informações do inteiro teor:
O ponto nodal da discussão cinge-se à possibilidade de a pronúncia ser fundamentada exclusivamente em elemento informativo colhido na fase inquisitorial da persecução penal. Com efeito, é cediço que, muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir a pronúncia do réu, dada a sua carga decisória, sem qualquer lastro probatório colhido em juízo, fundamentada exclusivamente em prova colhida na fase inquisitorial, mormente quando essa prova se encontra isolada nos autos.
É verdade que alguns julgados proferidos pela Quinta e Sexta Turmas deste Superior Tribunal, denotam a orientação de que, muito embora não seja possível sustentar uma condenação com base em prova produzida exclusivamente na fase inquisitorial, não ratificada em juízo, tal entendimento não se aplica à decisão de pronúncia (v.g. HC n. 314.454-SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T; DJe 17/2/2017; AgRg no REsp 1.582.122- RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T, DJe 13/6/2016). Entretanto, essa orientação não se aplica à hipótese em que testemunhos produzidos na fase judicial não apontem os acusados como autores do delito e os depoimentos colhidos na fase inquisitorial sejam “relatos baseados em testemunho por ouvir dizer”.
Sobre a temática – já enfrentada na oportunidade em que apreciado o REsp 1.444.372-RS, DJe 25/2/2016 – vale observar que a norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas – como o norte-americano – o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule).
No Brasil, embora não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, doutrina aponta que “não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta.” A razão do repúdio a esse tipo de testemunho se deve ao fato de que, além de ser um depoimento pouco confiável, visto que os relatos se alteram quando passam de boca a boca, o acusado não tem como refutar, com eficácia, o que o depoente afirma sem indicar a fonte direta da informação trazida a juízo.
Assim, a submissão do réu a julgamento pelos seus pares deve estar condicionada à produção de prova mínima e, diga-se, judicializada, na qual haja sido garantido o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa que lhe são inerentes.
Confira a ementa do REsp 1.373.356/BA:
RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO E DESTRUIÇÃO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTO INFORMATIVO COLHIDO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL. NÃO CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. A decisão de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação, não sendo exigido, neste momento processual, prova incontroversa da autoria do delito; bastam a existência de indícios suficientes de que o réu seja seu autor e a certeza quanto à materialidade do crime.
2. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório, mormente quando os testemunhos colhidos na fase inquisitorial são, nas palavras do Tribunal a quo, “relatos baseados em testemunho por ouvir dizer, […] que não amparam a autoria para efeito de pronunciar os denunciados” (fl. 1.506).
3. O Tribunal de origem, ao despronunciar os ora recorridos, entendeu “ausentes indícios de autoria e insuficiente o ‘hearsay testimony’ (testemunho por ouvir dizer)” (fl. 1.506), razão pela qual, consoante o enunciado na Súmula n. 7 do STJ, torna-se inviável, em recurso especial, a revisão desse entendimento, para reconhecer a existência de prova colhida sob o contraditório judicial apta a autorizar a submissão dos recorridos a julgamento perante o Tribunal do Júri.
4. Recurso especial não provido.
(STJ, Sexta Turma, REsp 1373356/BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/04/2017)
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