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Evinis Talon

Policiais e a produção antecipada da prova (Informativo 595 do STJ)

22/01/2019

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No RHC 64.086-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 23/11/2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que é justificável a antecipação da colheita da prova testemunhal com arrimo no art. 366 do Código de Processo Penal nas hipóteses em que as testemunhas são policiais. O atuar constante no combate à criminalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado (clique aqui).

Informações do inteiro teor:

Tratou-se de recurso ordinário em habeas corpus em que pretendeu o impetrante a declaração de nulidade da decisão que determinou a produção antecipada de provas na forma do art. 366 do CPP, ante a ausência de fundamento concreto para a produção, incidindo ao caso a Súmula 455 do STJ. Do artigo anteriormente mencionado, pode-se concluir que, na hipótese de ser desconhecido o paradeiro do acusado após a sua citação por edital, fica o Juiz autorizado a determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes, visando justamente resguardar a efetividade da prestação jurisdicional, diante da possibilidade de perecimento da prova em razão do decurso do prazo que o processo permanecerá suspenso.

Se, de um lado, pondera-se que a produção antecipada de provas poderia representar prejuízo à ampla defesa, visto que não oportunizaria ao acusado o exercício da autodefesa, não se desconhece que, cuidando-se de prova testemunhal, evidencia-se certa urgência em sua colheita, haja vista o possível esquecimento dos fatos pelos depoentes durante o período em que o processo permanece, por força da norma referida, sobrestado.

Este Superior Tribunal firmou o entendimento segundo o qual o simples argumento de que as testemunhas poderiam esquecer detalhes dos fatos com o decurso do tempo não autorizaria, por si só, a produção antecipada de provas, sendo mister fundamentá-la concretamente, sob pena de ofensa à garantia do devido processo legal. É que, muito embora esse esquecimento seja passível de concretização, não poderia ser utilizado como mera conjectura, desvinculado de elementos objetivamente deduzidos. Nesse sentido, a súmula n. 455 do STJ: “A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”.

Contudo, o enunciado na súmula anteriormente mencionada deve ser interpretado criteriosamente. Tem-se que, a prova testemunhal é, se comparada a outros meios de prova, mais urgente, de maneira que a tardança em coletá-la compromete, definitivamente, a prestação jurisdicional, com reflexos nos fins a que se destina a jurisdição penal. Ademais, o atuar constante no combate à criminalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado, caso a defesa técnica repute necessária a repetição do seu depoimento por ocasião da retomada do curso da ação penal.

De mais a mais, não se pode olvidar que a realização antecipada de provas não traz prejuízo para a defesa, visto que, além de o ato ser realizado na presença de defensor nomeado, o comparecimento eventual 8 do réu – e a consequente retomada do curso processual – lhe permitirá requerer a produção das provas que julgar necessárias para sua defesa e, ante argumentos idôneos, poderá até mesmo lograr a repetição da prova produzida antecipadamente.

Confira a ementa do RHC 64.086/DF:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TENTADO. RÉU FORAGIDO. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. TESTEMUNHAS POLICIAIS. ART. 366 DO CPP. SÚMULA 455 DO STJ. TEMPERAMENTO. RISCO DE PERECIMENTO DA PROVA. TEMPO E MEMÓRIA. JURISDIÇÃO PENAL E VERDADE. AFETAÇÃO DA MATÉRIA À TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Desconhecido o paradeiro do acusado após a sua citação por edital, pode o Juiz, fundamentadamente, determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes, visando a justamente resguardar a efetividade da prestação jurisdicional, comprometida com a busca da verdade, diante da possibilidade de perecimento da prova em razão do decurso do tempo.
2. Se, por um lado, a jurisdição penal tem o dever de evitar que o acusado seja processado e julgado à revelia, não pode, a seu turno, ter seus resultados comprometidos pelo tardio depoimento de pessoas que, pela natureza de seu ofício, testemunham diariamente a prática de crimes, cujo registro mnemônico se perde com a sucessão de fatos similares e o decurso do tempo. O processo penal permite ao Estado exercitar seu jus puniendi de modo civilizado e eficaz, devendo as regras pertinentes ser lidas e interpretadas sob dúplice vertente – proteção do acusado e proteção da sociedade – sob pena de desequilibrarem-se os legítimos interesses e direitos envolvidos na persecução penal. É dizer, repudia-se tanto a excessiva intervenção estatal na esfera de liberdade individual (proibição de excesso), quanto a deficiente proteção estatal de que são titulares todos os integrantes do corpo social (proibição de proteção penal deficiente).
3. A Lei n. 9.271/1996 – cujo objetivo maior foi o de corrigir a distorção, até então existente em nosso sistema punitivo, de permitir o julgamento à revelia de pessoas não localizadas para serem pessoalmente citadas sobre a existência do processo penal – buscou, todavia, evitar que a nova sistemática introduzida em nosso ordenamento engendrasse a total ineficácia do futuro provimento jurisdicional. Para tanto, previu três alternativas a acompanhar a norma principal (suspensão do processo, objeto do art. 366 do CPP), a saber: a) a suspensão do prazo prescricional; b) a produção de provas urgentes e c) a decretação da prisão preventiva do réu. A oportuna produção da prova urgente decorreu, portanto, do propósito legislativo de não tornar inútil a atividade jurisdicional a ser desenvolvida após o eventual comparecimento do réu não localizado, sob a perspectiva, de difícil refutação, de que a imprevisível duração da suspensão do processo prejudique o encontro da verdade, em face da dificuldade de se reunirem provas idôneas a lastrear a narrativa constante da peça acusatória, ou mesmo a versão que venha a ser apresentada pelo réu.
4. Estudos recentes de Psicologia demonstram a ocorrência frequente do fenômeno psíquico denominado “falsa memória”, em razão do qual a pessoa verdadeiramente acredita que viveu determinado fato, frequentemente distorcido, porém, por interpretações subjetivas, convergência de outras memórias e por sugestões externas, de sorte a interferirem no processo de resgate dos fatos testemunhados.
5. Assim, desde que explicitadas as razões concretas da iniciativa judicial, é justificável a antecipação da colheita da prova testemunhal com arrimo no art. 366 do Código de Processo Penal, de maneira a não se perderem detalhes relevantes ao deslinde da causa e a não comprometer um dos objetivos da persecução penal, qual seja, a busca da verdade, atividade que, conquanto não tenha a pretensão de alcançar a plenitude da compreensão sobre o que ocorreu no passado, deve ser voltada, teleologicamente, à reconstrução dos fatos em caráter aproximativo.
6. Este Superior Tribunal firmou o entendimento segundo o qual o simples argumento de que as testemunhas poderiam esquecer detalhes dos fatos com o decurso do tempo não autoriza a produção antecipada de provas, sendo indispensável fundamentá-la concretamente, sob pena de ofensa à garantia do devido processo legal. É que, muito embora tal esquecimento seja passível de concretização, não poderia ser utilizado como mera conjectura, desvinculado de elementos objetivamente deduzidos. Razão de ser da Súmula 455, do STJ e necessidade de seu temperamento na hipótese retratada nos autos.
7. A fundamentação da decisão que determina a produção antecipada de provas pode limitar-se a destacar a probabilidade de que, não havendo outros meios de prova disponíveis, as testemunhas, pela natureza de sua atuação profissional, marcada pelo contato diário com fatos criminosos que apresentam semelhanças em sua dinâmica, devem ser ouvidas com a possível urgência.
8. No caso sob análise, o Juízo singular, ao antecipar a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, salientou que, por ser a testemunha policial, sua oitiva deve realizar-se com urgência, pois “… o atuar constante no combate à criminalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado…”.
9. A realização antecipada de provas não traz prejuízo ínsito à defesa, visto que, a par de o ato ser realizado na presença de defensor nomeado, nada impede que, retomado eventualmente o curso do processo com o comparecimento do réu, sejam produzidas provas que se julgarem úteis à defesa, não sendo vedada a repetição, se indispensável, da prova produzida antecipadamente.
10. Recurso em Habeas Corpus, afetado à Terceira Seção, desprovido.
(STJ, Terceira Seção, RHC 64.086/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 23/11/2016)

Leia também:

  • Informativo 603 do STJ: O testemunho por ouvir dizer, produzido somente na fase inquisitorial, não serve como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia (leia aqui)
  • Informativo 605 do STJ: competência para executar decisão do Tribunal do Júri (leia aqui)
  • Informativo 606 do STJ: o fato de os delitos terem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial (leia aqui)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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