A (in)constitucionalidade do assistente da acusação
A Constituição Federal prevê o Ministério Público como titular da ação penal (art. 129, I).
Por sua vez, o art. 5º, LIX, da Constituição Federal, especifica que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”.
Ademais, ainda que não seja querelante, a vítima poderá intervir como assistente da acusação nos casos em que o Ministério Público promove a ação penal.
Com base nos arts. 31 e 268 do Código de Processo Penal, observa-se que podem ser assistentes da acusação o ofendido, seu representante legal e, em caso de morte do ofendido, o direito passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Os poderes do assistente da acusação estão elencados no art. 271 do CPP.
Ainda que o Código de Processo Penal trate do assistente da acusação, uma dúvida relevantíssima surge: a figura do assistente da acusação é compatível com a Constituição Federal? As regras do CPP sobre o assistente foram recepcionadas pela Constituição?
Não tenho o desiderato de exaurir o tema, mas apenas incentivar o debate.
A Constituição Federal deixa claro que o Estado tem o direito/dever de punir, mantendo o monopólio para processar e julgar crimes, inviabilizando a vingança privada. Dessa forma, com a ocorrência de um crime, há o direito/dever estatal de punir, restando para a vítima eventual pretensão na seara cível (indenização ou reparação). De qualquer sorte, a reparação civil não pressupõe o processo penal, havendo, excepcionalmente, alguns casos em que a pretensão reparatória é instituída no processo penal, como a composição dos danos civis nos Juizados Especiais Criminais, a prestação pecuniária tendo o ofendido como destinatário e a reparação do dano como requisito para alguns direitos.
O debate sobre a assistência da acusação suscita vários outros debates, como a (im)possibilidade de que a Defensoria Pública atue como assistente da acusação e a situação em que o Ministério Público, titular da ação penal, postula a absolvição, ocorrendo a discordância do assistente da acusação, que manifesta seu desejo de ver o acusado condenado.
Conforme vários julgados, o STJ já decidiu que, deixando o Ministério Público de recorrer, surge a legitimidade para o assistente da acusação:
[…] ADMISSÃO DE ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. LEGITIMIDADE PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS. […] 1. “O assistente de acusação tem legitimidade para recorrer quando o Ministério Público abstiver-se de fazê-lo ou quando o seu recurso for parcial, não abrangendo a totalidade das questões discutidas.” (REsp 828.418/AL, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 23/4/2007). […] (STJ, Sexta Turma, RHC 31.893/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, julgado em 04/10/2012)
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, da mesma forma, tem reiteradas decisões afirmando que a figura do assistente da acusação não é inconstitucional, pois sua habilitação decorre de expressa previsão legal, sendo que sua atuação é meramente auxiliar e limitada processualmente pelo art. 271 do Código de Processo penal:
[…] Preliminar. Inconstitucionalidade da habilitação de assistente de acusação. Permissão para habilitação de assistente da acusação em processos criminais decorrente de expressa previsão legal. Norma não declarada inconstitucional. Trata-se, ainda, de possibilidade de o ofendido ou seu familiar participar diretamente dos atos processuais que lhe digam interesse, não desregulando a proporcionalidade de armas entre acusação e defesa. Preliminar Rejeitada. […] (TJ/RS, Segunda Câmara Criminal, Recurso em Sentido Estrito Nº 70061609400, Relator: José Ricardo Coutinho Silva, julgado em 12/02/2015)
Apesar da constante alegação de que é admissível a figura do assistente da acusação diante de sua previsão no CPP, o ponto nevrálgico do debate é aferir se a Constituição admitiria esse instituto. Por se tratar de mais uma figura no polo acusatório, há uma nítida redução das possibilidades defensivas, ofendendo a paridade de armas, o contraditório e a ampla defesa. Senso assim, não basta uma previsão infraconstitucional e uma ausência de menção constitucional. Deveria haver expressa permissão da habilitação como assistente da acusação na Constituição Federal, o que inexiste.
Repita-se: trata-se de mais uma figura no polo acusatório. Se a Constituição especificou a ação penal privada subsidiária da pública (art. 5º, LIX), é importante questionar o motivo da ausência de previsão do assistente da acusação.
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