É possível regredir para um regime pior do que o inicial?
Ao definir a pena a ser cumprida pelo réu, o Juiz, na sentença condenatória, também fixa o regime inicial de cumprimento da pena, o qual varia de acordo com o art. 33, §2º, do Código Penal:
§ 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
No cumprimento da pena, é adotado o sistema progressivo, isto é, mediante o cumprimento de determinados requisitos objetivos (cumprimento de 1/6, 2/5 ou 3/5 da pena, conforme o caso) e subjetivos (boa conduta carcerária), o apenado passará para um regime menos rigoroso do que aquele no qual iniciou a pena.
Caso cometa uma falta grave (art. 50 da Lei de Execução Penal), ficará sujeito a determinadas consequências (sobre as metapunições, clique aqui), como a perda dos dias remidos, a alteração da data-base para futuros benefícios e a regressão de regime, estando a última sanção prevista no art. 118, I, da LEP:
Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I – praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
Todavia, sobre a regressão de regime após o reconhecimento de falta grave, questiona-se: o preso pode ser colocado em regime mais gravoso do que aquele que foi fixado na sentença condenatória?
A questão é: o regime inicial é o “teto” da execução penal (o pior regime que o apenado poderá enfrentar como decorrência daquela condenação) ou é apenas o início? Em suma, se um apenado condenado ao regime semiaberto regredir para o regime fechado, há violação à coisa julgada?
Aqui, não se questiona a possibilidade de regressão de regime após o apenado ter progredido para um regime mais benéfico, o que equivaleria a um retorno. Dessa forma, se um apenado inicia no regime semiaberto, progride para o regime aberto e, em seguida, pratica uma falta grave, não haverá violação da coisa julgada se houver o seu retorno para o regime semiaberto. O problema estaria na sua “regressão” para o regime fechado, que é pior do que aquele em que iniciou a execução da pena.
A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, em seu art. 9º, dispõe:
Artigo 9. Princípio da legalidade e da retroatividade
Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado.
A lógica de impossibilidade de aplicação de pena mais grave do que aquela aplicável no momento da perpetração do delito pode ser invocada para proibir a imposição de uma sanção mais grave do que aquela prevista na sentença condenatória.
Nesse sentido, o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal, que constitui precedente com uma tese defensiva de suma importância:
[…] Regressão de regime em razão da prática de falta grave [o paciente foi beneficiado com a saída temporária e não retornou]. Impossibilidade da regressão de regime do cumprimento da pena: a regressão de regime sem que o réu tenha sido beneficiado pela progressão de regime afronta a lógica. A sanção pela falta grave deve, no caso, estar adstrita à perda dos dias remidos. […] (STF, Segunda Turma, HC 93761, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 05/08/2008)
Destarte, a tese se baseia na ideia de que, se não houve a progressão, não há como o apenado regredir de regime prisional. Logo, seriam aplicáveis somente as outras consequências decorrentes do reconhecimento da falta grave.
Considera-se, ainda, que, no momento da sentença, a pena aplicada (e o respectivo regime inicial de cumprimento) é aquela necessária e suficiente para punir o agente pelo crime praticado, observando os objetivos da pena.
Dessa forma, impor a regressão para o regime fechado a alguém condenado inicialmente ao regime semiaberto constitui uma “nova” condenação (de natureza extrajudicial). Ademais, viola-se uma decisão judicial transitada em julgado, que impôs, após a dosimetria da pena, o teto da sanção penal, seja pelo aspecto quantitativo (a duração), seja pelo viés qualitativo (o regime).
A referida tese já foi adotada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que reconheceu na sentença a fixação dos limites objetivos da pena:
REGRESSÃO DE REGIME. FALTA GRAVE. PROCEDIMENTO DISCIPLINAR HOMOLOGADO. AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 118, § 2º, DA LEP NÃO DESIGNADA. DESNECESSIDADE. REGRESSÃO INCABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE DE CONDUZIR O APENADO A REGIME MAIS RIGOROSO DO QUE O ESTABELECIDO NA SENTENÇA. LIMITES OBJETIVOS DA PENA. Agravo improvido. (TJ/RS, Sexta Câmara Criminal, Agravo Nº 70017949884, Rel. Marco Antônio Bandeira Scapini, julgado em 12/04/2007)
Por fim, mais um recente julgado do TJ/RS:
[…] Assim, tendo em vista as garantias constitucionais outorgadas aos apenados, mostra-se impositivo o reconhecimento de que o recolhimento do apenado a regime mais gravoso do que o fixado em sentença ou concedido através da progressão de regime, configura flagrante ilegalidade, ferindo diretamente a dignidade humana […] (TJ/RS, Terceira Câmara Criminal, Agravo nº 70076062934, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ingo Wolfgang Sarlet, Julgado em 28/03/2018)
Em suma, quem atua na Advocacia Criminal deve ter atenção quanto a essa tese defensiva, que deve ser alegada durante a apuração da falta grave. Caso ocorra a regressão de regime contra um apenado que ainda não havia sido beneficiado pela progressão, a referida tese deverá integrar o agravo em execução.
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