Bolsonaro e o Decreto do Indulto: “se tiver indulto neste ano, certamente será o último”
Nesta quarta-feira, 28 de novembro de 2018, Jair Bolsonaro, presidente eleito, publicou no Twitter que não concederá indulto aos apenados (clique aqui).
A publicação diz:
Fui escolhido presidente do Brasil para atender aos anseios do povo brasileiro. Pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos nossos principais compromissos de campanha. Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último.
Pretendo, em breves linhas, analisar a (im)possibilidade de um Presidente da República deixar de conceder o indulto, que já vem sendo concedido há muitos anos.
Inicialmente, destaco que o indulto está previsto no art. 107, II, do Código Penal, como causa extintiva da punibilidade. Portanto, com a concessão do indulto, há o fim da pena daqueles apenados que cumprirem os requisitos do Decreto.
Ademais, trata-se de competência privativa do Presidente da República, conforme o art. 84, XII, da Constituição, que dispõe: “conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”.
Insta asseverar que há uma diferença básica entre indulto e comutação, conquanto os dois sejam concedidos (ou tenham seus requisitos previstos) tradicionalmente no mesmo Decreto: o indulto encerra a pena, enquanto a comutação apenas reduz a sanção imposta.
Em outro texto (clique aqui), analisei o Decreto do indulto de 2016. Naquela oportunidade, abordei a ausência de previsão da comutação, o que é extremamente relevante para a nossa análise atual. Em suma, afirmei:
Um dos fatos mais gravosos e estranhos é o de que, neste ano, não há previsão do cabimento da comutação. O Decreto limitou-se a prever o indulto, não fazendo referência à comutação. Portanto, segundo o Decreto do Indulto de 2016, não seria cabível a aplicação da comutação aos apenados.
Trata-se de um infeliz retrocesso. É o primeiro Decreto brasileiro deste milênio a não prever a comutação. Aliás, a última vez em que foi publicado um Decreto de Indulto sem comutação foi em 1974 (Decreto nº 75.076/74), durante o governo de Ernesto Geisel (leia aqui). Antes disso, em 1973, Emílio Médici publicou Decreto com a concessão de comutação. Portanto, foram 41 Decretos seguidos prevendo anualmente a comutação. Quando o Decreto não mencionava expressamente a palavra “comutação”, ainda assim previa a redução da pena, efeito prático da comutação, como no caso do Decreto do Indulto de 1990.
Entendo que essa omissão da comutação merece uma profunda reflexão.
Considerando a expectativa criada em virtude da consolidação desse direito, resultado dos vários anos em que é concedido, não haveria um retrocesso em termos de direito fundamental? Não poderíamos falar aqui do “efeito cliquet” (vedação ao retrocesso social), como tão bem falam sobre os direitos sociais?
Certamente, muitos doutrinadores e a jurisprudência entenderão que essa omissão no Decreto se trata de uma discricionariedade que se encontra na alçada de decisão do Chefe do Poder Executivo. Em outras palavras, afirmarão que o Presidente da República pode deixar de conceder a comutação, como o fez, por se tratar de uma decisão política.
Entendo, contudo, que não se deve admitir o retrocesso de algo sobre o qual há um consenso básico. Assim, de forma pretensiosa, inauguro aqui uma nova tese defensiva: a impossibilidade de retrocesso quanto aos direitos fundamentais penais, assim como consolidado doutrinária e jurisprudencialmente quanto aos direitos sociais.
Dessa forma, defendo o cabimento da concessão da comutação, em que pese a omissão casuística e premeditada no Decreto de 2016. Para tanto, afirmo que devem ser utilizadas as frações previstas no art. 2º do Decreto do Indulto de 2015 (Decreto nº 8.615/15), quais sejam, um quarto (não reincidentes) e um terço (reincidentes). A data de aferição do cumprimento desses lapsos temporais deve ser 25 de dezembro de 2016, considerando o padrão tradicionalmente adotado.
Assim, surge a indagação quanto à notícia veiculada hoje: afinal, um Presidente da República pode deixar de conceder o indulto? Em caso positivo, é possível que o Judiciário supra a omissão, ainda que esta seja uma escolha?
A princípio, parece-me que a elaboração do Decreto do Indulto é uma discricionariedade do Presidente da República. Sua omissão não enseja crime de responsabilidade ou qualquer punição constitucionalmente prevista.
Entretanto, considerando que o indulto é concedido tradicionalmente, há várias décadas, no mês de dezembro, há uma expectativa legítima de que continuará sendo concedido. Deixar de concedê-lo constitui um retrocesso em termos de direitos fundamentais, mantendo os apenados que têm bom comportamento em um sistema prisional que configura um estado de coisas inconstitucional (como decidiu o STF na ADPF 347 – clique aqui).
Assim, utilizo os mesmos fundamentos que invoquei diante da omissão da comutação no Decreto do Indulto de 2016 para concluir que, caso a ideia se confirme, o Judiciário poderá suprir a omissão. Nesse caso, deveria utilizar os requisitos previstos pelo último Decreto do Indulto publicado, com a devida alteração da data de consideração do preenchimento dos requisitos.
Não se desconsidera, obviamente, que surgirão fortes questionamentos sobre o viés democrático.
De um lado, se o Judiciário suprisse a falta de previsão do indulto, agiria de forma ativista – interferindo na esfera de outro Poder – na tutela de direitos fundamentais, assim como faz quando determina que o Poder Executivo reforme um estabelecimento prisional ou entregue medicamentos a quem não tem condições financeiras.
Por outro lado, alguns argumentariam que o discurso do Presidente eleito foi responsável por sua eleição. Por conseguinte, do ponto de vista democrático e da separação dos Poderes, alegariam que deve prevalecer, quanto à política criminal, a vontade de quem passou pelo crivo popular e tem a competência constitucional para decidir sobre o indulto.
Entendo que um Poder não deve interferir na competência/atribuição do outro, salvo quando necessário para tutelar direitos violados. No caso em comento, se entendermos que seria um retrocesso quanto aos direitos fundamentais (“efeito cliquet”) – assim entendo -, seria plausível admitir a atuação judicial para aplicar as regras previstas no último Decreto do Indulto.
De qualquer forma, atualmente, ainda falta cerca de um mês para a publicação do Decreto do Indulto de 2018. A eventual omissão do Presidente eleito, caso ocorra, será em dezembro de 2019, suscitando debates judiciais liminares imediatamente (durante o recesso) ou, mais precisamente, depois do fim do recesso de 2019-2020. Portanto, até lá, há muito tempo para refletir sobre a possibilidade e as consequências da falta de previsão do indulto.
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