Advocacia: cobrar pela consulta ou não?
Uma pergunta muito frequente diz respeito ao primeiro aspecto financeiro do atendimento realizado por um Advogado: devo cobrar pela consulta?
Normalmente, é necessário saber, previamente, qual é o procedimento a ser adotado, considerando que uma ligação para agendar a consulta pode ocorrer a qualquer momento. Logo, o Advogado deve saber o que dirá ao potencial cliente quando for perguntado sobre a consulta.
Trata-se de um tema polêmico e que suscita, necessariamente, algumas reflexões sobre o mercado jurídico.
De qualquer forma, abordaremos dois aspectos. Inicialmente, o foco é refletir sobre os riscos disciplinares. Em seguida, discutiremos o que pode ser feito para que o Advogado não trabalhe de graça.
Quanto à questão disciplinar, diante das várias características de cada Estado (e até de cada cidade), o ideal seria a avaliação em cada caso concreto. Há cidades em que se criou uma cultura de que não se cobra por consulta. O Advogado que ingressa no mercado nesses ambientes fica engessado e, por falta de opção, acaba seguindo o roteiro já estabelecido.
Portanto, de início, destacamos a enorme dificuldade que os iniciantes têm para cobrar por consultas. Dessa forma, neste texto, não se faz qualquer tipo de crítica aos Advogados que não cobram por consulta, considerando que o mercado possui várias limitações. O objetivo é apenas demonstrar os riscos disciplinares que, repetimos, deveriam ser avaliados de forma regional, e não nacionalmente, haja vista a heterogeneidade do mercado jurídico no país.
Na legislação, o art. 2º, parágrafo único, VIII, “f”, do Novo Código de Ética da OAB, diz que é dever do Advogado abster-se de contratar honorários advocatícios em valores aviltantes.
Na mesma linha, o art. 48, § 6º, também do Novo Código de Ética, diz que:
Deverá o advogado observar o valor mínimo da Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional onde for realizado o serviço, inclusive aquele referente às diligências, sob pena de caracterizar-se aviltamento de honorários.
Assim, a questão que surge é a seguinte:
- É dever do Advogado abster-se de contratar honorários advocatícios em valores aviltantes.
- Se não cobrar o valor mínimo da Tabela de Honorários, há aviltamento de honorários;
- A Tabela de Honorários prevê o valor que deve ser cobrado em cada consulta (no Rio Grande do Sul, por exemplo, o valor é de R$ 266,79, passando para R$ 666,99, se a consulta for realizada em condições excepcionais);
- Logo, a partir dessas premissas, a conclusão seria a de que há aviltamento de honorários quando não é cobrada a consulta, porque é desrespeitado o valor mínimo descrito na Tabela de Honorários.
Ademais, é possível que o Tribunal de Ética e Disciplina decida, como já foi feito em algumas Seccionais, que a ausência de cobrança da consulta constitua uma forma de angariar clientes, oferecendo uma “amostra gratuita”, o que seria uma espécie de mercantilização da Advocacia. Concordando ou não com essa interpretação, o risco existe.
Por outro lado, há regulamentações que apresentam a cobrança da consulta como um “conselho” aos Advogados. O art. 11 da Tabela de Honorários da OAB/RS fala sobre isso:
Art. 11° É aconselhável que o advogado cobre sempre o valor da consulta, quando alguma matéria jurídica ou ligada à profissão lhe for apresentada. Se, em função da consulta, sobrevier prestação de serviços, a critério das partes, o valor da consulta poderá ou não ser abatido dos honorários a serem contratados.
Sobre a supracitada ideia de “amostra gratuita”, uma coisa seria a elaboração de artigos genéricos (sem a individualização do caso) que ajudem a sociedade e outros profissionais; outra coisa seria a orientação individualizada (consulta).
A primeira atitude é permitida, inclusive com a possibilidade de fazer referência a e-mail nos artigos e nas colunas (art. 40, V, do Novo Código de Ética). Por outro lado, a segunda conduta – que é o objeto deste texto – depende de uma interpretação sobre aviltamento de honorários.
Ao falar sobre Advocacia “pro bono”, o art. 30, §2º, do Novo Código de Ética diz: “A advocacia pro bono pode ser exercida em favor de pessoas naturais que, igualmente, não dispuserem de recursos para, sem prejuízo do próprio sustento, contratar advogado.”
Destarte, poder-se-ia imaginar a possibilidade de realizar a consulta gratuitamente (“pro bono”). Entretanto, o art. 30, §3º, também do Novo Código de Ética, menciona que a Advocacia “pro bono” não pode ser utilizada como instrumento de publicidade para captação de clientela.
Percebe-se, portanto, que há riscos decorrentes das várias interpretações possíveis. Havendo o risco, o recomendável seria sempre cobrar pela consulta.
Feitas essas considerações, passamos para a segunda parte: como cobrar a consulta?
É possível que quase todos os Advogados já tenham passado pela seguinte situação: conversaram com um cliente por mais de uma hora, explicando todos os detalhes sobre o caso e sem cobrarem a consulta, porque acreditavam que fechariam o contrato para a atuação no processo. O cliente diz que voltará no dia seguinte para levar os documentos e o pagamento (ou uma parte dele). Entretanto, não vai ao escritório no dia combinado, para de atender as ligações e depois o Advogado descobre que aquele “cliente” já contratou outro Advogado, possivelmente levando todas as informações repassadas pelo Advogado que fez a consulta gratuita.
O que aconteceu nessa situação? O Advogado fez a consulta na esperança de fechar o contrato, mas não fechou. Além disso, não recebeu pelo trabalho feito (consulta).
Pior do que não ter trabalho é trabalhar e não receber nada, porque, neste caso, o Advogado fica ocupado, deixa de estudar, fazer contatos e se cansa em algo que não dará continuidade. Além desse esforço, a falta de honorários pelo trabalho colocará em risco o funcionamento do escritório. Em suma, entra em um ciclo difícil de sair, no qual tem muito trabalho não remunerado e não consegue tempo para crescer profissionalmente.
Nesse prisma, a dica é: cobre pela consulta. Como? Em forma de “antecipação” dos honorários pelo contrato referente à atuação no processo.
Basta seguir a parte final do art. 11 da Tabela de Honorários da OAB/RS: “Se, em função da consulta, sobrevier prestação de serviços, a critério das partes, o valor da consulta poderá ou não ser abatido dos honorários a serem contratados.”
Para conseguir cobrar a consulta, a sugestão é dizer ao cliente qual é o valor da consulta e que, em caso de fechamento do contrato, esse valor será abatido da entrada (ou da primeira parcela) dos honorários. Dessa forma, se apenas fizer a consulta, receberá apenas pela consulta. Se fizer a consulta e fechar o contrato, receberá o valor do contrato, com o abatimento do valor pago pela consulta.
É evidente que muitos “clientes” não gostarão desse critério e preferirão ir a um Advogado que não cobra pela consulta. Entretanto, pergunto: eles realmente são potenciais clientes? Ou apenas querem uma consulta gratuita já com a ideia premeditada de que não fecharão o contrato? Se for este o caso, não são potenciais clientes.
Quando um cliente ligar desejando agendar uma consulta e desistir logo após a informação da cobrança por esse ato, não fique se lamentando. Verdadeiramente, não era um potencial cliente, mas apenas alguém querendo ouvir sua orientação. Com essa desistência, você deixou de exercer o seu trabalho intelectual de forma não remunerada, sobrando tempo e disposição para fazer outras coisas, como procurar boas parcerias, inscrever-se em cursos de pós-graduação, estudar, escrever textos e livros, fazer parte das comissões da OAB e muito mais. Se quiser algumas sugestões do que fazer nesse tempo, veja o meu texto “29 dicas práticas para iniciar na Advocacia Criminal” (clique aqui).
Em resumo, há riscos disciplinares na ausência de cobrança de honorários pela consulta, mas também há uma interessante alternativa para cobrar pela consulta e, não tendo êxito no agendamento, sabe-se que o tempo será melhor investido em coisas que servirão para a evolução na carreira.
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