Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 382.226/RS, julgado em 30/03/2017 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ROUBO MAJORADO. PRISÃO DECRETADA DE OFÍCIO NA FASE DE INQUÉRITO POLICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. A decretação da prisão preventiva de ofício somente é admitida no curso da ação penal, e na fase de inquérito policial somente caberá a decretação da custódia, em face de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, devendo ser reconhecido o constrangimento ilegal.
2. Habeas corpus concedido, para a soltura do paciente, JEFERSON RENAN GERALDO, o que não impede nova e fundamentada decretação de medida cautelar, inclusive menos grave que a prisão processual. (HC 382.226/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 30/03/2017, DJe 07/04/2017)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator):
A impetração ataca a decisão de prisão preventiva que restou assim fundamentada (fls. 165/166):
“A autoridade policial apresentou auto de prisão em flagrante de JEFERSON RENAN GERALDO, por ter cometido, em tese, o delito previsto no art. 157, §2º, I e II, do Código Penal.
Consta que a guarnição foi comunicada de um roubo de veículo, ocorrido na cidade de Gravataí, no qual o filho da vítima, que perseguia a camionete objeto de subtração, informava à Brigada Militar acerca da localização da mesma. Na altura do entroncamento da ERS 118 com a BR 448, os policiais militares avistaram o veículo roubado e passaram a acompanhá-lo, até que, em determinado momento, veio este a parar, e dele desembarcaram dois indivíduos que passaram a efetuar disparos de arma de fogo em direção da guarnição, que revidou o ataque. Os indivíduos que tripulavam a camionete roubada então empreenderam fuga a pé, na direção de um matagal, sendo que os policiais, naquele momento, não conseguiram detê-los. Transcorrida aproximadamente 01 (uma) hora da tentativa frustrada de detenção dos agentes, recebeu a Brigada Militar a informação de que um indivíduo, com as vestes rasgadas e molhadas, e que também apresentava algumas escoriações pelo corpo, estaria pedindo um táxi, tendo a guarnição envolvida na ocorrência deslocado-se ao encontro deste sujeito, oportunidade em que os policiais militares o reconheceram como sendo um dos agentes envolvidos no roubo e na recente troca de tiros. Realizada revista pessoal no flagrado, nenhuma arma foi encontrada na posse dele.
Quanto ao auto de prisão em flagrante que é recebido nesta data, destaco que, não obstante caracterizada a situação de flagrância quando da detenção do agente, que restou capturado logo após o fato delituoso, e em circunstâncias que se mostram compatíveis com a relatada fuga para o matagal, que o mesmo não merece homologação, face ao fato de não ter sido observada a disposição do artigo 306, caput, do CPP, que determina que a prisão deverá ser imediatamente comunicada ao Juízo competente, entendida como ‘instantaneidade’, como sendo o prazo máximo de 24 horas, conforme previsão do parágrafo primeiro do artigo acima citado. Ademais, acresça-se que, na situação em comento, não foi garantida ao detido assistência de advogado, consoante certidão da fl. 28.
Todavia, em que pese a não homologação do auto de prisão em flagrante, tenho tratar-se o caso de situação que justifica a decretação da prisão preventiva de ofício, consoante autorização legal do artigo 311 do CPP.
Nesse sentido, assevere-se que a prova da materialidade e os indícios de autoria decorrem da apreensão do veículo Toyota Hilux (auto de apreensão da fl. 17), bem como do relato das testemunhas, policiais militares que reconheceram JEFERSON como sendo um dos agentes que trocou tiros com eles após desembarcar da camionete subtraída.
Além disso, impõe-se a referência de que os elementos constantes nos autos apontam para ações criminosas, tendo ocorrido troca de tiros com a polícia, a demonstrar que o agente é pessoa disposta a violar regras, sem respeito ao mínimo convívio social. Muito mais do que a análise dos fatos em si, essa circunstância aponta para características pessoais que não podem ser desprezadas, devendo prevalecer o interesse social de segurança sobre o de liberdade.
Assim, ainda que JEFERSON não registre condenação anterior, as circunstâncias denotam seu comportamento lesivo à comunidade onde vive, o que justifica a segregação cautelar.
Diante disso, tem-se que a garantia da ordem pública somente restará de fato preservada com a decretação da prisão preventiva, mostrando-se insuficientes, para tal fim, as demais medidas cautelares.
PELO EXPOSTO, decreto a prisão preventiva de JEFERSON RENAN GERALDO, com base nos artigos 311 e 312, ‘caput’, ambos do Código de Processo Penal.”
Como já adiantado no exame da liminar, o decreto prisional apresentou fundamento considerado válido por esta Corte Superior, em face da gravidade concreta da conduta delitiva, ao ser destacado que os elementos constantes nos autos apontam para ações criminosas, tendo ocorrido troca de tiros com a polícia, a demonstrar que o agente é pessoa disposta a violar regras, sem respeito ao mínimo convívio social.
Contudo, não se trata de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, mas sim de decretação de ofício da prisão preventiva, já que, reconhecendo ilegalidade no flagrante, o Juiz de piso não homologou este.
Ocorre que, o art. 311 do CPP determina que em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
Verifica-se, portanto, que a decretação da prisão preventiva de ofício somente é admitida no curso da ação penal, e na fase de inquérito policial somente caberá a decretação da custódia, em face de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
Constata-se, pois, que inexistindo à época ação penal e ausente qualquer provocação, não poderia o magistrado ter reconhecido a ilegalidade da prisão em flagrante, e posteriormente decretado de ofício a prisão preventiva, cabendo o reconhecimento de flagrante ilegalidade, a ensejar a nulidade do decreto de prisão preventiva.
Ante o exposto, concedo o habeas corpus, para a soltura do paciente, JEFERSON RENAN GERALDO, o que não impede nova e fundamentada decretação de medida cautelar, inclusive menos grave que a prisão processual.
Leia também: