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Evinis Talon

Foro por prerrogativa de função se restringe ao crime praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função (Informativo 630 do STJ)

05/09/2018

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No AgRg na APn 866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 20/06/2018, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que as hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função (clique aqui).

Informações do inteiro teor:

Inicialmente cumpre salientar que, em atenção ao princípio ou à regra da Kompetenz-Kompetenz, esta Corte superior deve exercer o controle da própria competência, máxime em se tratando de ações originárias, porquanto atua, nesses casos, não como corte de revisão ou de superposição, mas como primeiro julgador da causa. O caso em tela limita-se a determinar, diante do enunciado normativo do art. 105, I, “a”, da Constituição Federal, qual é o sentido e o alcance que se lhe deve atribuir, isto é, qual é, de acordo com a exegese sistemática e teleológica do ordenamento jurídico nacional, a norma jurídica que se deve extrair do referido dispositivo constitucional.

A Corte Suprema, no julgamento na QO na AP 937, fixou o entendimento de que “o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”, aplicando tal entendimento ao caso então em análise, que se referia a Deputados Federais e Senadores. Impõese conferir ao art. 105, I, “a”, que trata da competência penal originária desta Corte Superior, interpretação simétrica àquela conferida pelo Supremo Tribunal Federal, ao art. 102, I, “b” e “c”, sob pena de se quebrar a coerência, a integridade e a unidade da Constituição, máxime tendo em vista que ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio (“onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito”).

Depreende-se de uma simples leitura dos referidos dispositivos constitucionais que ambos possuem redação simétrica, isto é, ambos estabelecem competências penais originárias, distinguindo-se, tão somente, no que diz respeito aos sujeitos ali elencados. Ademais, fixada a tese segundo a qual o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas, impende assestar o marco temporal para fins de prorrogação da competência do STJ.

Nesse diapasão, o critério do fim da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, parece adequado como marco temporal para a prorrogação da competência desta Corte superior para julgamento das ações penais originárias, visto constituir referência temporal objetiva, privilegiando, ainda, o princípio da identidade física do juiz, ao valorizar o contato do magistrado julgador com as provas produzidas na ação penal.

Confira a ementa do agravo:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS. COMPETÊNCIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. INTERPRETAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. POSSIBILIDADE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ANALISAR SUA PRÓPRIA  COMPETÊNCIA. REGRA DA KOMPETENZ-KOMPETENZ. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ART. 105, I, “A” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO REPUBLICANO. GOVERNADOR DE ESTADO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA APENAS AOS CASOS DE DELITOS PRATICADOS EM RAZÃO E NO EXERCÍCIO DO CARGO. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO SIMÉTRICA DO ART. 102, I, “B” E “C”, EM RELAÇÃO AO ART. 105, I, “A”, CF. ALINHAMENTO AO ENTENDIMENTO ADOTADO PELO EXCELSO PRETÓRIO. MESMA RATIO DECIDENDI. UBI EADEM RATIO, IBI EADEM LEGIS DISPOSITIO (ONDE EXISTE A MESMA RAZÃO FUNDAMENTAL, PREVALECE A MESMA REGRA DE DIREITO). AGRAVOS REGIMENTAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O fato de a regra de competência estar prevista em texto constitucional não pode representar óbice à análise, por esta Corte de Justiça, de sua própria competência, sob pena de se inviabilizar, nos casos como o dos autos, o exercício deste poder-dever básico de todo órgão julgador, impedindo o imprescindível exame deste importante pressuposto de admissibilidade do provimento jurisdicional. 2. Todo e qualquer magistrado deve aplicar o direito, de acordo com a incidência das normas jurídicas, sempre tendo em conta as regras e os princípios previstos na Constituição da República, sem o que restaria inviabilizada a própria interpretação sistemática do ordenamento jurídico. 3. O foro especial no âmbito penal é prerrogativa destinada a assegurar a independência e o livre exercício de determinados cargos e funções de especial importância, isto é, não se trata de privilégio pessoal. O princípio republicano é condição essencial de existência do Estado de Direito, razão pela qual o republicanismo caminha, pari passu, com a supressão dos privilégios, devendo ser afastadas da interpretação constitucional os princípios e regras contrários ao elemento axiológico da igualdade. 4. O art. 105, I, “a”, CF consubstancia exceção à regra geral de competência, de modo que, partindo-se do pressuposto de que a Constituição é una, sem regras contraditórias, deve ser realizada a interpretação restritiva das exceções, com base na análise sistemática e teleológica da norma. 5. Desse modo, ao art. 105, I, “a”, da Constituição Federal, deve ser conferida interpretação de forma a atender o princípio republicano, do qual é corolário a vedação de privilégios de qualquer espécie, com ênfase na interpretação restritiva das exceções, segundo a qual o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. 6. Somente com uma interpretação simétrica dos arts. 102, I, “b” e “c” e 105, I, “a”, da Lei Fundamental, conferindo a mesma solução jurídica a casos análogos, será possível afirmar que esta Corte Superior proferiu decisão consistente e aceitável racionalmente, duas condições indispensáveis à tarefa de julgar, para que se realize a função socialmente integradora da ordem jurídica e a pretensão de legitimidade do direito. 7. As mesmas razões fundamentais – a mesma ratio decidendi – que levaram o Excelso Pretório, ao interpretar o art. 102, I, “b” e “c”, da CF, a restringir as hipóteses de foro por prerrogativa de função são, todas elas, aplicáveis ao caso em apreço, justificando, dessa forma, que seja atribuído ao art. 105, I, “a”, da Lei Fundamental, interpretação simétrica àquela conferia pelo Supremo Tribunal Federal às suas competências originárias. 8. Assim, é de se conferir ao enunciado normativo do art. 105, I, “a”, da CF, o mesmo sentido e alcance atribuído pelo Supremo Tribunal Federal ao art. 102, I, “b” e “c”, restringindo-se, desse modo, as hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função – no caso concreto, o de Governador de Estado -, porquanto “onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito”. 9. Destarte, reconhecida a incompetência do Superior Tribunal de Justiça, determina-se a remessa dos autos a uma das Varas Criminais da Capital do Estado da Paraíba, e posterior prosseguimento da presente ação penal perante o juízo competente. 10. Agravos regimentais a que se nega provimento. (STJ, Corte Especial, AgRg na APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018)

Leia também:

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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