O motivo torpe seria aquele repugnante, que causa desprezo em toda a coletividade.
Essa expressão é mencionada duas vezes no Código Penal.
Inicialmente, o art. 61, II, “a”, aponta o motivo torpe como agravante. Na Parte Especial, afirma que o motivo torpe qualifica o crime de homicídio (art. 121, §2º, I, do Código Penal). Como é sabido, as qualificadoras servem para aumentar a já existente reprovabilidade do delito de homicídio, aplicando uma pena diferenciada (mais alta).
Um debate muito importante diz respeito às situações fáticas que configurariam o motivo torpe. Nessa linha, pergunta-se: o ciúme, isoladamente, configura motivo torpe? Noutras palavras, o ciúme é capaz de causar essa sensação de repugnância na sociedade/coletividade?
Já foi decidido que o ciúme, sem outras circunstâncias, não caracteriza motivo torpe (STJ, AgRg no AREsp 569047/PR, Rel. Min. Ericson Maranho, julgado em 28/04/2015).
Assim, ainda que seja um sentimento doloroso para quem sofre com o ciúme, nem sempre sua simples constatação será repugnante a ponto de qualificar ou agravar o delito, devendo ser analisado cada caso concreto.
Trata-se, em suma, de um relevante entendimento para a defesa, sobretudo para alegar no plenário do júri.
No plano ideal, esse entendimento deve ser aplicado tanto na decisão dos jurados quanto na decisão de pronúncia, especialmente quando a denúncia mencionar apenas o fato de ter ocorrido o crime por ciúme, sem menção de outras circunstâncias que poderiam configurar o motivo torpe.
Todavia, o STJ entende que “cabe ao Tribunal do Júri decidir, no caso em concreto, se o ciúme, pelo inconformismo de estar a vítima se relacionando amorosamente com a antiga companheira do agravante, configura ou não a qualificadora de motivo torpe” (STJ, Quinta Turma, AgRg no AREsp 827875/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 22/09/2016). Basicamente, o fundamento é que, se a situação fática descrita na denúncia quanto à qualificadora está minimamente provada por meio da instrução, essa qualificadora deve ser submetida aos jurados.
Destarte, aplica-se, de forma implícita, um princípio que não tem previsão constitucional, qual seja, o princípio do “in dubio pro societate”. Aliás, esse tema já foi abordado em outro texto (leia aqui).
De qualquer forma, entendendo pelo afastamento da qualificadora, o Tribunal de Justiça do Paraná já decidiu que “o ciúme, por si só, não caracteriza o motivo torpe” (TJ/PR, Primeira Câmara Criminal, SER nº 817782-4, Rel. Joscelito Giovani Ce, julgado em 12/07/2012).
Por derradeiro, vale destacar que, quanto ao homicídio qualificado, haverá um duplo filtro para aferir se o ciúme configura motivo torpe. Inicialmente, ocorrerá o filtro técnico pelo Juiz, por meio da decisão de pronúncia. Nesse momento, o Magistrado deveria afastar a qualificadora, caso o pretenso motivo torpe consista unicamente no ciúme. Entretanto, como referido, invocando o “in dubio pro societate”, os Juízes afirmam que a imputação pela qualificadora deve ser submetida aos jurados.
Além disso, há o filtro realizado pelos jurados, que, como sabemos, não precisam fundamentar suas decisões. Assim, na quesitação, a resposta afirmativa ou negativa dependerá mais do convencimento realizado pelas partes do que da compreensão do conceito de “motivo torpe”.
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