Imagine a seguinte situação: durante a realização de determinada audiência criminal, são ouvidas as testemunhas. O réu está presente e pronto para ser interrogado. Entretanto, o Juiz nota que há uma carta precatória – ainda não cumprida – para a oitiva de uma testemunha da acusação em outra comarca. O que o Juiz deveria fazer? Realizar o interrogatório imediatamente, independentemente do cumprimento da carta precatória, ou aguardar a oitiva da testemunha no juízo deprecado e, posteriormente, marcar uma nova audiência para o interrogatório?
Nessa situação, muitos Juízes observam o art. 222, §1º, do Código de Processo Penal, que dispõe: “A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal”. Assim, imaginam que, diante da ausência de suspensão da instrução como decorrência da expedição da precatória, é possível realizar o interrogatório do réu imediatamente, mesmo que não tenha sido cumprida a precatória cujo desiderato era tomar o depoimento de uma testemunha da acusação.
Neste caso, esses Juízes estão lendo um artigo, mas se esquecendo de outro dispositivo legal. É imprescindível ter honestidade intelectual – e não apenas preocupação com a pauta de audiências – para ler também o art. 400 do Código de Processo Penal, que dispõe:
“Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.”
Algumas observações são possíveis após a leitura do art. 400 do CPP.
A um, o interrogatório é o último ato da instrução, considerando que atualmente é visto (também ou apenas) como meio de defesa. Como é sabido, a oitiva de uma testemunha, ainda que por meio de uma carta precatória, é ato da instrução. Logo, é inadmissível realizar o interrogatório antes de outro ato da instrução. Caso contrário, como o réu falaria sobre o relato das testemunhas ainda não ouvidas?
Destaca-se, por oportuno, que, no caso de testemunha da defesa, também vale essa lógica, considerando que, após serem arroladas, as testemunhas serão do processo, razão pela qual a acusação também pode fazer perguntas e tentar construir sua versão acusatória por meio do depoimento dessas testemunhas. Assim, o interrogatório sempre deve ser após a oitiva de todas as testemunhas (arroladas pela acusação ou pela defesa).
A dois, o próprio art. 400 menciona o art. 222, ambos do Código de Processo Penal, unicamente na parte das testemunhas da acusação e da defesa.
Em termos mais didáticos, a expedição de precatória não suspenderá a instrução (art. 222, §1º, do CPP), mas o art. 400 fala do art. 222 somente em relação “à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código”. Depois dessa ressalva, o art. 400 prossegue com um “bem como…”, inserindo o interrogatório no final do artigo, exatamente 15 (quinze) palavras depois da ressalva quanto ao art. 222.
Portanto, nessa hipótese, seria até desnecessário invocar algum princípio constitucional (contraditório, ampla defesa, devido processo legal etc.) para demonstrar que o interrogatório sempre deverá ser o último ato da instrução. Bastaria perceber que o art. 400 do CPP utiliza a ressalva do art. 222 apenas em relação à ordem de inquirição das testemunhas, tratando do interrogatório em outro momento (no final do dispositivo legal).
Por todos esses motivos, é impositivo reconhecer que, durante a audiência, se o Juiz observar que há uma carta precatória para oitiva de alguma testemunha, deverá encerrar a audiência (após a oitiva de todas as testemunhas), aguardar o cumprimento da precatória e, em seguida, marcar uma nova audiência para a realização do interrogatório.
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