Por que você não deve estudar para concurso?
Várias vezes vi textos falando sobre as vantagens dos concursos públicos, dicas para aprovação etc. Esse é um texto que pretende fugir dessa regra e provavelmente desagradará muitos leitores, concurseiros ou concursados. De qualquer forma, como em outros textos, não tenho a pretensão de trazer verdades absolutas, mas apenas relatar experiências.
Em outro texto, fiz um comparativo entre concursos e Advocacia privada (leia aqui). Tentei ser razoavelmente imparcial, em que pese contaminado por ser Advogado. Agora, perco totalmente a imparcialidade, a impessoalidade ou qualquer coisa que me mantenha inerte quanto as minhas opiniões sobre as escolhas dos bacharéis em Direito.
Obviamente, este texto não é voltado para os vocacionados. Quem realmente tem vocação para determinada carreira (como a Magistratura e a Defensoria Pública) deve, pelo bem da sociedade, seguir esse caminho.
De qualquer forma, para quem tem dúvidas sobre ingressar na carreira pública ou permanecer na iniciativa privada (sobretudo na Advocacia), deixo uma dica: não faça concurso!
Se fizer concurso, trabalhará, no início da carreira, em alguma cidade aleatória (salvo concurso público municipal). Para a atual geração, que tem pretensões aventureiras e não suporta o tradicional sedentarismo de outrora, os concursos públicos podem significar uma grande limitação.
Normalmente, fala-se que concurso público gera estabilidade. Todavia, muitos se esquecem de que, para ser aprovado em um concurso, é necessário atravessar uma longa jornada de muitas horas de estudos diariamente (quando fui aprovado, estudava mais de 14 horas por dia), além da grande pressão psicológica. Ao ser aprovado, o agente público enfrenta uma rotina desgastante no início até aprender a dar celeridade à rotina. No caso da Defensoria Pública, por exemplo, demorei aproximadamente um ano para definir uma rotina produtiva.
Com o mesmo esforço para ser aprovado em um concurso de ponta e se adaptar à rotina de trabalho, é possível dar certo na Advocacia. Se alguém demora dois anos de estudos intensos para ser aprovado num concurso público, é provável que, com a mesma dedicação, consiga ocupar um espaço relevante na iniciativa privada.
Como quem já passou em concurso público e depois iniciou na Advocacia privada, considero que a pressão é idêntica nas duas alternativas, com a ressalva de que as duas opções exigem muito mais do que conhecimento. Sempre haverá um mínimo de sorte nos concursos (o tema sorteado na prova oral, por exemplo) e na Advocacia (conhecer as pessoas certas e tomar as decisões corretas), ainda que saibamos que sorte sem preparação não produz resultados.
Outro ponto é que a iniciativa privada retribui pela qualificação, enquanto o serviço público privilegia o término do mês ou o excesso de trabalho (no caso de substituição e acumulação, por exemplo) para definir a remuneração do servidor público. A médio prazo, há uma desmotivação, porque não há valorização de quem se qualifica. O Juiz mais qualificado, por exemplo, recebe praticamente o mesmo que um Juiz que jogou todos os seus livros no lixo após a aprovação no concurso público.
Aqui, é imprescindível fazer uma constatação. Nos últimos meses, comecei a prestar atenção nas pessoas que frequentam meus cursos, palestras ou aulas de pós-graduação. Quase todos são Advogados(as). Raramente há um funcionário público. Certamente, esse fato pode decorrer da ausência de valorização da qualificação no serviço público. Os Advogados, por sua vez, sabem que precisam de qualificação como fator de diferenciação no mercado, sabendo, ainda, que a qualificação sempre “se paga” na iniciativa privada. Além disso, consideram importante o estabelecimento de conexões profissionais (networking).
Aliás, a iniciativa privada, especialmente a Advocacia, é exponencial, enquanto o crescimento no serviço público é bastante lento. Explico: um servidor público pode demorar dez anos para deixar de ser substituto e virar titular (ou sair da classe inicial para a intermediária). Na iniciativa privada, se houver dedicação, um avanço parecido na carreira pode ocorrer em menos de um ano.
Ter um emprego (público ou privado) é bom? Gerar empregos é muito melhor.
Alguém pode pensar que ser funcionário público tem a vantagem de trabalhar diretamente pela sociedade. Realmente, não há motivo para discordar dessa afirmação.
Entretanto, quem atua na iniciativa privada tem o importante papel de gerar empregos, como já mencionado. Ademais, após um início conturbado, é fundamental reconhecer uma responsabilidade social para, por exemplo, dedicar-se eventualmente ao trabalho “pro bono”, promover iniciativas sociais e formar talentos que também se dediquem a esses valores.
Enfim, se estiver na dúvida, faça um teste: não faça concurso, dedique-se à Advocacia com afinco por alguns anos e, tempos depois, compare com a vida que poderia ter se tivesse sido aprovado em um concurso público. É quase certo que alcançará muito mais em menos tempo na iniciativa privada – além de uma qualidade de vida incomparável -, desde que mantenha o foco e o esforço que teria para ser aprovado num concurso público e se adaptar à atividade funcional.
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