Há um grande debate sobre a (des)necessidade de que o agente tenha conhecimento de que atua amparado por uma causa excludente de ilicitude.
Em outras palavras, é necessário que o agente saiba que, de fato, está agindo em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de um direito ou bastaria que, faticamente, preenchesse os elementos objetivos (proporcionalidade, agressão injusta e outros, na legítima defesa, por exemplo)? Trata-se da divergência quanto à aferição do requisito subjetivo nas excludentes de ilicitude.
Imaginemos o seguinte exemplo: A está em um apartamento com B. Nesse momento, A aponta uma arma de fogo e está pronto para matá-lo. Contudo, do lado de fora do prédio, C vê apenas a cabeça de A pela janela, não sabendo que este está apontando uma arma contra B. Com o mero interesse de matar A – pois não sabia que a vida de B estava em perigo –, C dispara e o mata, salvando, por conseguinte, a vida de B, mesmo sem ter conhecimento da situação que configuraria uma legítima defesa de terceiro.
A pergunta que surge com esse exemplo é: C, ao matar A e salvar B, agiu em legítima defesa de terceiro ou, pelo fato de não saber que estava repelindo uma agressão injusta atual contra direito de outrem, não será cabível a incidência da excludente de ilicitude (legítima defesa)?
Caso não se exija o requisito subjetivo (ciência de que atua em situação fática de legítima defesa), C teria praticado um fato típico (há conduta dolosa, nexo causal, tipicidade e resultado), mas lícita, porque teria agido em legítima defesa de terceiro. Logo, não teria praticado um crime.
Noutra senda, caso se adote o entendimento de que é necessário o preenchimento do requisito subjetivo, C teria praticado um fato típico e ilícito, não havendo de se falar, portanto, em legítima defesa.
Não exigem a presença do requisito subjetivo autores como José Frederico Marques e Magalhães Noronha. Por outro lado, inúmeros autores exigem o elemento subjetivo, entre os quais Heleno Fragoso, Francisco de Assis Toledo, Mirabete e Damásio de Jesus.
Cita-se, por exemplo, trecho de Paulo Queiroz, que exige a presença do requisito subjetivo nas excludentes de ilicitude:
Parece-nos que, para a configuração de uma causa de justificação, não é suficiente a presença dos requisitos objetivos, exigindo-se, ainda, que o autor tenha ciência de que está amparado por uma excludente de ilicitude. Assim, não pode se valer da legítima defesa quem mata por vingança, embora venha a se provar que se encontrava objetivamente em situação de legítima defesa, se desconhecia completamente o estado justificante em que se encontrava (QUEIROZ, 2013, p. 354)
Portanto, para esse posicionamento, não bastaria a presença dos requisitos objetivos, devendo também o agente agir com o conhecimento da situação justificante.
Como posicionamento pessoal, entendo que, por ausência de previsão legal, seria desnecessário o preenchimento do elemento subjetivo. Vale lembrar que, se criarmos requisitos não previstos em lei para as excludentes de ilicitude, diminuiremos a amplitude de sua aplicação, o que significa, em última análise, uma criminalização.
Explico: pressupor um novo requisito para as excludentes de ilicitude significa afastá-las, em determinados casos, por um critério não mencionado na lei. Seria, em suma, uma criminalização de condutas por via indireta.
Entendo que, da mesma forma que não é possível considerar típica uma conduta por mera analogia ou sem o devido preenchimento de todos os elementos do tipo penal, também não é possível deixar de aplicar uma excludente de ilicitude com base em requisito não previsto na lei.
REFERÊNCIA:
QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal. 9. ed. Salvador: Jus Podivm, 2013.