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Evinis Talon

O princípio da legalidade na execução penal

05/07/2021

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O princípio da legalidade na execução penal

O art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, prevê que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Em sentido idêntico, o art. 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Como é perceptível, segue-se a fórmula “nullum crimen, nulla poena sine lege”. Deriva do princípio da legalidade a exigência de que a lei penal seja prévia (não podendo retroagir, salvo para beneficiar o indivíduo), certa, escrita e estrita.

É perceptível que a legalidade não se refere apenas ao crime, mas também à pena. Sem previsão legal, não há pena, ou seja, a pena deve estar prevista em lei. Na verdade, apesar da utilização da palavra “pena” na Constituição Federal e no Código Penal, é inegável que a legalidade deve abranger também a medida de segurança, que constitui uma espécie de sanção penal, assim como a pena. Uma interpretação diversa seria absurda, porque negaria a aplicação do princípio da legalidade a uma sanção decorrente de um processo penal. Dessa forma, a melhor interpretação é no sentido de que não há sanção penal (pena e medida de segurança) sem prévia cominação legal.

Somente pode ser aplicada a sanção que estava prevista em lei no momento da ação ou omissão, salvo se, posteriormente, for aprovada, por meio de lei, uma nova pena menos grave. Nesse caso, a lei nova mais benéfica deve retroagir (art. 5º, XL, da CF).

Insta salientar que o respeito ao princípio da legalidade não deve ser exigido apenas do Juiz, mas também da autoridade administrativa. Conforme Brito (2020, p. 63), “na condução administrativa da execução penal, como em toda função administrativa do Estado, a maioria dos atos são discricionários, o que não lhes retira a legalidade, mas invoca a indicação do motivo e a fundamentação do servidor que os pratica”.

Afirmar que não há pena sem prévia cominação legal não significa apenas que não pode ser aplicada uma pena que não está prevista na lei, mas também que a pena não pode ser aplicada de forma diversa daquela prevista na legislação. Nesse ponto se insere a impossibilidade de o Juiz exigir requisitos não previstos na lei para a efetivação de direitos.

Portanto, entendemos que não é possível negar direitos por meio da exigência de requisitos não previstos na lei – algo que se tornou cada vez mais comum na jurisprudência -, porque se trata de violação ao princípio da legalidade. No mesmo sentido, Brito (2020, p. 64) leciona que não é possível que o Juiz se utilize de sua suposta discricionariedade para negar ou restringir um direito a partir de entendimentos próprios sobre a finalidade do instituto.

Ora, é inconcebível, por exemplo, a exigência de exame criminológico para a progressão de regime, a aferição da gravidade abstrata do crime para negar determinados direitos e a utilização do total da pena como obstáculo ao livramento condicional. Ainda sobre este direito, também é incorreta e não amparada na legislação a exigência de que o apenado passe um período nos regimes semiaberto e aberto antes do livramento. Preenchidos os requisitos do livramento, ainda que esteja no regime fechado (como decorrência de falta grave, por exemplo), o direito deve ser concedido.

A legalidade deve ser observada também no âmbito das sanções disciplinares (verdadeiras metapunições, pois constituem uma punição dentro de outra punição), notadamente em relação às hipóteses de falta disciplinar (grave, média ou leve) e às sanções cabíveis. Significa dizer que uma conduta não pode ser reconhecida como falta disciplinar se não estiver prevista, assim como não podem ser aplicadas sanções “atípicas” ou não definidas previamente. A legalidade no âmbito disciplinar encontra amparo no art. 45 da LEP, que dispõe: “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”.

Nesse aspecto, devem ser questionadas as indevidas ampliações das expressões referentes às hipóteses de falta grave, bem como a desconsideração de termos claros.

O art. 50, VII, da LEP, é um grande exemplo de violação ao princípio da legalidade na seara disciplinar. Trata-se da hipótese de falta grave decorrente de o apenado ter em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Entretanto, na jurisprudência, permite-se o reconhecimento da falta em virtude da posse de componentes, como chip ou carregador de celular, mesmo sem a apreensão de aparelho telefônico. Portanto, consiste, de forma inegável, em uma ampliação da expressão “aparelho telefônico, de rádio ou similar”, incluindo, indevidamente, seus acessórios, ainda que isoladamente. De forma igualmente criticável, a jurisprudência desconsidera a parte “que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”, porque, no caso desses componentes, é evidente a impossibilidade de comunicação e, quando se trata de aparelho telefônico, dispensam a realização de perícia que atestaria se o aparelho permite ou não a comunicação.

A legalidade exige que somente sejam consideradas faltas graves aquelas condutas previstas na LEP, por meio de uma interpretação estrita, sem indevidas ampliações ou distorções. Por isso, é totalmente equivocado, por exemplo, o reconhecimento de falta grave quando o preso ingere bebida alcoólica, pois inexiste previsão legal nesse sentido.

Ademais, é inquestionável que os costumes não podem criar faltas ou sanções, porque seria uma violação ao princípio da legalidade. Com precisão, Roig (2018, p. 50) destaca a “proibição da criação de infrações penais, faltas disciplinares, penas ou sanções disciplinares pelos costumes (ex.: preso sofre sanção disciplinar por infringir o costume, existente em determinada penitenciária, no sentido de baixar a cabeça diante de uma visita)”.

Noutro aspecto, conforme o enunciado 25 da I Jornada de Direito e Processo Penal do Conselho da Justiça Federal, “o princípio da legalidade impõe que se observe, quando da soma das penas, o cálculo diferenciado para fins de progressão de regime”. Podemos ir além desse enunciado: em respeito ao princípio da legalidade, qualquer análise de prazos deve ser feita individualmente, em relação a cada pena. Não se pode exigir, por exemplo, que um apenado com duas condenações cumpra o maior prazo (reincidente ou hediondo, por exemplo) para as duas penas, quando uma delas se amolda a um prazo mais benéfico.

Tratando-se do livramento condicional de um condenado por crime comum como primário e outro crime comum como reincidente, não se deve considerar o prazo maior (metade) para a pena inteira, mas apenas para o tempo referente à pena em que foi reconhecida a reincidência, devendo cumprir somente um terço do tempo da pena pela qual foi reconhecida a primariedade.

Ainda, insta asseverar que a legalidade não é “apenas uma formalidade”, como alguns, infelizmente, imaginam, mas sim um princípio intimamente ligado à dignidade da pessoa humana e à humanidade. Nesses termos, o item 19 da Exposição de Motivos da LEP apresenta com perfeição essa relação: “o princípio da legalidade domina o corpo e o espírito do Projeto, de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal”.

A legalidade em relação às sanções penais também encontra amparo em várias normas internacionais. Na parte final do art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo, consta que “também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso”.

Especificamente sobre as questões disciplinares, a regra 37 das Regras de Mandela:

Regra 37 Os seguintes pontos devem ser determinados por lei ou por regulamentação emanada pela autoridade administrativa competente:

(a) Conduta que constitua infração disciplinar;

(b) O tipo e a duração das sanções disciplinares que podem ser aplicadas;

(c) Autoridade competente para pronunciar essas sanções;

(d) Qualquer forma de separação involuntária da população prisional geral, como o confinamento solitário, o isolamento, a segregação, as unidades de cuidado especial ou alojamentos restritos, seja por razão de sanção disciplinar ou para a manutenção da ordem e segurança, incluindo políticas de promulgação e os procedimentos que regulamentem o uso e a revisão da imposição e da saída de qualquer forma de separação involuntária.

A regra 39 das Regras de Mandela também segue a mesma lógica quando afirma que “nenhum preso pode ser punido, exceto com base nas disposições legais ou regulamentares referidas na Regra 37 e nos princípios de equidade e de processo legal; e nunca duas vezes pela mesma infração”.

Também podemos citar o princípio 2 do Conjunto de Princípios da ONU para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, o art. 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos e o art. 9º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU como fundamentos do princípio da legalidade.

Havendo a necessidade de sustentar alguma tese com base no princípio da legalidade, recomenda-se que a fundamentação não se limite à Constituição Federal, ao Código Penal e à Lei de Execução Penal, abrangendo, também, as sobreditas normas internacionais, nos pontos em que forem cabíveis. Há uma necessidade urgente de fortalecimento das normas internacionais sobre direitos humanos no âmbito da execução penal, porque ainda são desconhecidas e desconsideradas por parte de muitos Magistrados.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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