advogado

Evinis Talon

O crime do art. 89 da Lei de Licitações

04/10/2017

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Como se sabe, a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) possui algumas disposições penais, inclusive com tipos penais específicos.

Dentre os crimes previstos na Lei de Licitações, um dos mais debatidos é aquele previsto no art. 89, nos seguintes termos:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

A divergência mais significativa em relação a esse crime diz respeito ao elemento subjetivo, isto é, se há necessidade de configuração de um dolo específico ou se basta o dolo genérico para que a conduta se amolde ao tipo penal.

Nesse sentido, a jurisprudência pacificou o seguinte entendimento:

[…]
1. Esta Corte, após inicial divergência, pacificou o entendimento de que, para a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige-se a presença do dolo específico de causar dano ao erário e a caracterização do efetivo prejuízo. Precedentes do STF e do STJ.
[…]
3. Não havendo menção, na denúncia de intenção deliberada de causar prejuízo à Administração ou de obter favorecimento pessoal, a celebração do Termo de Permissão de Uso, a título precário, sem a devida licitação configura irregularidade formal, fato que é insuficiente para demonstrar, per si, o elemento subjetivo indispensável à configuração do crime do art. 89 da Lei 8.666/2003, que exige a prova do dolo específico de causar dano ao erário e a administração pública.
4. Recurso Especial provido, para restabelecer a sentença absolutória, prejudicado o recurso do Ministério Público que versava sobre a dosimetria da pena e pretendia a condenação de réu cuja absolvição foi mantida pelo Tribunal a quo.
(REsp 1485384/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017)

Algumas observações são necessárias.

O entendimento atual da jurisprudência evita que gestores públicos sejam responsabilizados criminalmente em situações nas quais, por desconhecimento legal ou equívoco na interpretação das hipóteses de inexigibilidade e dispensa de licitação, a conduta não tem o desiderato de causar dano ao erário.

Sabe-se que muitos gestores públicos são despreparados e não possuem conhecimentos técnicos sobre licitações, tampouco são devidamente assessorados por procuradores.

Assim, exigindo o dolo específico de causar dano ao erário, afasta-se a tipicidade em relação àqueles gestores que não dispensaram ou inexigiram a licitação com o escopo de ofender o bem jurídico protegido. Em outras palavras, não é a mera dispensa ou inexigibilidade da licitação fora das hipóteses legais que configura o crime em comento. Para que o fato seja penalmente típico, exige-se que essa conduta tenha uma finalidade: causar dano ao erário.

Por conseguinte, o dolo específico deve ser demonstrado na exordial acusatória, sob pena de inépcia. É sabido que o dolo é um elemento subjetivo de difícil comprovação. Ainda assim, é impositivo que a acusação, por meio da análise da vontade exteriorizada pelo agente, fundamente a denúncia apontando não apenas o dolo específico de causar dano ao erário, mas também a forma pela qual o agente atuou para dispensar ou inexigir a licitação de modo ilegal. Ademais, deve-se demonstrar como a dispensa ou inexigibilidade da licitação causou prejuízo ao erário. Se esses elementos não forem devidamente detalhados, a denúncia é inepta.

Nesse diapasão, a mera condição de administrador público não prova, por si só, que o agente tinha o dolo de causar dano ao erário.

Na minha experiência profissional, observo que esse crime, diante da necessidade de demonstrar o dolo específico e de redigir uma denúncia que detalhe a conduta direcionada a causar dano ao erário, gera, proporcionalmente, um grande percentual de absolvições, além dos casos de reconhecimento da inépcia da denúncia.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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