Sobre a aplicação do princípio da insignificância aos agentes que revelem habitualidade delitiva, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem inúmeras decisões. Cito, por todas, a seguinte:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. HABITUALIDADE DELITIVA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. A habitualidade delitiva revela reprovabilidade suficiente a afastar a aplicação do princípio da insignificância (ressalva de entendimento da Relatora). Precedentes. 3. Agravo regimental conhecido e não provido. (HC 133956 AgR, Relatora: Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016)
Excepcionalmente, admite-se a aplicação do princípio da insignificância caso não se trate de reincidência específica. Em um caso específico, reconheceu-se a insignificância em relação a furto supostamente praticado por alguém que já havia sido condenado por homicídio, pois o Tribunal entendeu que não havia relação entre os dois crimes (STF, HC 126.866).
Discutir o histórico de vida do réu é se utilizar do Direito Penal do autor para avaliar se o princípio da insignificância é ou não aplicável ao agente.
Em 1962, no caso Robinson v. California (370 U.S. 660), a Suprema Corte dos Estados Unidos já decidia que alguém não poderia ser punido apenas por sua condição pessoal.
De qualquer forma, observa-se que a jurisprudência considera inaplicável o princípio da insignificância quando o réu tem histórico de prática de crimes. Algumas decisões afastam o princípio da insignificância apenas em caso de trânsito em julgado relativo ao crime anterior, mas também há decisões que consideram tal princípio inaplicável com fundamento em processos penais em curso.
Partindo da lógica da jurisprudência brasileira, teríamos casos teratológicos.
Se dois indivíduos, um primário e outro reincidente, furtassem um objeto de 10 reais, esse entendimento jurisprudencial consideraria que o fato é atípico para o primeiro, mas crimoso em relação ao segundo. Violaria, portanto, a isonomia e a legalidade, porquanto a mesma conduta seria crime para alguns e fato atípico para outros.
Como é sabido, se o princípio da insignificância é aplicado a um caso concreto, considera-se que a conduta é materialmente atípica.
Aplicando o mesmo raciocínio jurisprudencial a outra hipótese de atipicidade – diversa do princípio da insignificância –, teríamos situações absurdas.
Imaginemos um caso de crime impossível. Um dos exemplos mais citados nos livros de Direito Penal é a absoluta impropriedade do objeto no caso de mulher que toma medicamentos abortivos sem estar grávida.
Se aplicarmos o raciocínio do STF, teríamos o seguinte: caso uma mulher sem antecedentes criminais tome um medicamento abortivo sem estar grávida, o fato seria atípico em razão da absoluta impropriedade do objeto; por outro lado, caso se trate de mulher com antecedentes criminais, o fato seria típico, apesar de não estar grávida. Assim, teríamos uma acusação de aborto contra uma mulher que não estava grávida.
Ora, no caso do princípio da insignificância, a lógica é igualmente absurda. O furto de um bem de valor ínfimo pode ser crime para alguns e atípico para outros, de acordo com o histórico de vida? Entendo que não. É necessário ter técnica e bom senso, sob pena de criarmos absurdos interpretativos.
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