A detração da pena: importância e jurisprudência
Um dos temas mais relevantes para a execução penal deveria ser a detração da pena. Infelizmente, esse assunto é negligenciado na prática forense. Aliás, até a Lei de Execução Penal é desidiosa no trato desse instituto. A menção à detração penal na LEP ocorre em poucos dispositivos, enquanto outros institutos, como a saída temporária (arts. 122 a 125) e a remição (arts. 126 a 130), são minuciosamente regulamentados.
Lembro-me de ter encontrado um apenado que estava cumprindo a pena em dobro. O motivo? Ninguém havia postulado ou deferido de ofício a detração, razão pela qual o seu tempo de prisão preventiva não foi considerado durante a execução da pena.
Acredito que quando um Advogado começa a atuar num processo de execução penal, duas coisas devem ser analisadas cuidadosamente, porque geram consequências significativas: a prescrição da pretensão executória e a detração da pena. Sobre a primeira, falarei em outro artigo.
Deveria ser desnecessário falar sobre a importância da detração penal. Ora, dependendo do caso, a detração pode resultar na “antecipação” de direitos (progressão de regime e livramento condicional, por exemplo) ou até mesmo no fim da pena, neste caso quando o tempo de prisão preventiva for igual ou superior ao tempo de pena fixado na sentença.
Nos termos do art. 66, III, “c”, da Lei de Execução Penal, compete ao Juiz da execução decidir sobre detração da pena.
O art. 42 do Código Penal dispõe: “computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.
Em bom tempo, a Lei nº 12.736/2012 incluiu o art. 387, §2º, do Código de Processo Penal, que diz: “O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”. De modo semelhante, o art. 111 da Lei de Execução Penal já determinava a observância da detração para a determinação do regime de cumprimento de pena.
O art. 387, §2º, do CPP, refere-se à sentença condenatória, de modo que, com esse novo parágrafo, passou-se a antecipar para a sentença (e não mais na execução penal) a apreciação do tempo de encarceramento cautelar como fator de determinação do regime inicial. Para alguns doutrinadores, consiste em uma detração antecipada que gera uma progressão também antecipada.
De qualquer sorte, trata-se de uma antecipação parcial da detração penal, pois o dispositivo legal se restringe à consideração do tempo de segregação cautelar para a definição do regime inicial, não prevendo expressamente – mas também não proibindo – a possibilidade de considerar o tempo detraído para que o Juiz prolator da sentença condenatória defira, desde já, o livramento condicional, que, como é sabido, não se trata de regime de execução da pena.
Conforme reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), a detração penal não é considerada para fins de cálculo da prescrição regulada pela pena residual, prevista no art. 113 do Código Penal (RHC 84.177, HC 69.865).
Por outro lado, em 2010, o STF, no HC 100.001, ao tratar da prescrição da pretensão executória (art. 110 do Código Penal), decidiu que “a detração apenas é considerada para efeito da prescrição da pretensão executória, não se estendendo aos cálculos relativos à prescrição da pretensão punitiva”.
Em outras palavras, para o STF, a detração é considerada para o cálculo da prescrição da pretensão executória, mas não é considerada para o cálculo da prescrição da pretensão punitiva e para o cálculo referente ao art. 113 do Código Penal.
Outro entendimento predominante na jurisprudência é a impossibilidade de “conta corrente” no que concerne à detração penal. Nesse diapasão, o STJ, no HC 197.112, decidiu, em 2011, que é inviável a aplicação da detração penal em relação aos crimes cometidos posteriormente à custódia cautelar.
Entretanto, a Quinta Turma do STJ, no AgRg no HC n. 747.191/SP, considerou que “admite-se a detração, inclusive em processos distintos, desde que a segregação indevida seja posterior ao crime em que se requer a incidência do instituto, a fim de amenizar as consequências de uma custódia processual indevida”.
Em outras palavras, quanto a crimes distintos (foi preso preventivamente pelo crime A, absolvido por esse crime e pretende utilizar o tempo de prisão para a detração quanto ao crime B), não é possível a detração para crime praticado após a prisão, pois isso geraria um “crédito” e permitiria ao indivíduo praticar um crime sabendo que a pena terá um “abatimento” (uma consideração do tempo como pena cumprida) ou nem será cumprida (imagine, por exemplo, que já ficou preso por 4 anos e pretende praticar um crime que tem pena máxima de 3 anos).
Por outro lado, é possível a detração em relação a crimes distintos, desde que a prisão seja posterior ao crime que receberá a aplicação da detração. Em outra decisão, a Quinta Turma do STJ, no AgRg no HC n. 742.724/RJ, explicou que “o direito à detração da prisão cautelar requer o preenchimento dos seguintes requisitos: absolvição ou declaração de extinção da punibilidade, e que a data do cometimento do crime de que trata a execução seja anterior ao período pleiteado”.
A Quinta Turma do STJ, no HC n. 459.377/RS, decidiu que “o cumprimento de prisão domiciliar, por comprometer o status libertatis da pessoa humana, deve ser reconhecido como pena efetivamente cumprida para fins de detração da pena, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem”.
Da mesma forma, o recolhimento domiciliar noturno, espécie de medida cautelar diversa da prisão, permite a detração. A Sexta Turma do STJ, no RHC n. 140.214/SC, decidiu que “a medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno, ainda que não cumulada com a fiscalização eletrônica, implica privação da liberdade que justifica a detração”. Destaca-se que essa medida, por si só, já justifica a aplicação da detração, mesmo que não tenha ocorrido monitoramento eletrônico.
Vale destacar que, se o juiz do processo não aplicar a detração na sentença, a defesa pode utilizar os embargos de declaração e, posteriormente, a apelação. De qualquer forma, a jurisprudência considera que a detração, em um primeiro momento, deve ser apreciada pelo juiz sentenciante. Se isso não ocorrer, é cabível o pedido de detração ao juiz da execução penal. Nesse sentido, a Sexta Turma do STJ, no EDcl no AgRg no AREsp n. 1.825.602/SP.
Também cabe considerar que a Sexta Turma do STJ já decidiu o seguinte: “não viola o art. 387, § 2º, do CPP a sentença que deixa de fazer a detração, quando o desconto do tempo de prisão cautelar não teria o condão de alterar o regime inicial de cumprimento de pena fixado ao réu” (REsp n. 1.843.481/PE, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/12/2021). Em outros termos, o artigo mencionado somente é violado se a sentença não fizer a detração que tem margem para alterar o regime inicial. Se não significar a alteração do regime, o artigo não é considerado violado.
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