Decisão proferida pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) na Apelação Criminal nº 2007.31.00.002947-1, em 10/05/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CALÚNIA. INTENÇÃO DE CALUNIAR. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTEÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1. A reprodução, em meio de comunicação (entrevista), de afirmação de terceiro, imputando falsamente ao ofendido fato definido como crime, não configura calúnia, se não ficar demonstrado o elemento subjetivo do tipo (animus calumniandi), bem como a consciência do réu de que se tratava de uma informação falsa.
2. Apelação desprovida.
Leia o voto:
V O T O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal OLINDO MENEZES (Relator): — Sem entrar na discussão acerca da desqualificação do crime, de calúnia para difamação, nos termos alvitrados pela PRR1, o fato é que a sentença não deve ser alterada nas suas conclusões.
Nem sempre os mesmos fatos submetem-se às mesmas leituras jurídicas, mas, na realidade, o decreto absolutório, com arrimo no conjunto da prova, produzida sob as luzes do contraditório e da ampla defesa não deve ser alterado.
Os elementos informativos do processo não permitem um juízo condenatório, que deve ter arrimo em prova inequívoca não só da materialidade e da autoria do delito, mas também da intenção do réu de atentar contra a honra da vítima, em crimes de calúnia ou mesmo de difamação, como pretende o MPF nesta instância.
As razões recursais do Ministério Público Federal, compreensíveis e naturais na dialética processual penal, na tentativa de reverter a absolvição, não têm aptidão para desautorizar os fundamentos da sentença, que, de forma persuasiva, deu pela improcedência da ação penal, tecendo os seguintes fundamentos:
(…) “No presente caso, da leitura da peça vestibular, especialmente da parte transcrita do trecho da entrevista televisiva, observa-se que o Ministério Público Federal não especificou quais fatos configurariam os crimes contra a honra, ou seja, há, em verdade, uma imputação genérica de que o réu teria cometido o crime de calúnia, sem contudo, especificar que crimes teriam sido imputados pelo réu ao MM. Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá à época.
No que diz respeito ao dolo do agente é certo que “O dolo específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do delito de calúnia” (Apn 473/DF, CORTE ESPECIAL, Rei. Ministro GILSON DIPP, DJe de 08/09/2008).
Nesse contexto, visível é a necessidade precípua do réu em querer atingir a honra subjetiva do MM. Juiz do TRE-AP, o que, a meu ver não ocorreu, já que as palavras proferidas pelo réu reproduziram o teor de conversa tida com o então Prefeito do município de Calçoene.
Com efeito, os indícios foram suficientes para o Ministério Público Federal ofertar denúncia, pois nessa fase vigora o princípio do in dúbio pro societate; todavia não dão o suporte necessário para justificar uma sentença condenatória, visto que, nesse estágio do processo, no qual se exige certeza sobre a intenção caluniosa, incide o princípio do in dúbio pró reo.
Destarte, por haver dúvida sobre a prática do crime ora em apuração, a absolvição do réu é medida que se impõe.” (…)
Não ficou demonstrado ser o apelado o autor da afirmação, em si mesma ofensiva, em face da qual se imputa a calúnia: “Vereadores, não adianta vocês meterem documentos contra mim, fiscalizarem Calçoene, fiscalizarem a Prefeitura, porque eu consegui a pessoa mais difícil, consegui o voto do Relator, Dr. Adão, Juiz de Direito. Eu consegui três horas da manhã. Eu negociei com ele por três horas da manhã. Como é que eu não vou negociar com os outros colegas, com vereadores. Entendeu?”
A sua participação se deu com a reprodução dessa afirmação, que fora feita pelo então prefeito de Calçoene/AP aos vereadores do município, quando se encontrava submetido a um processo de cassação no TRE, em uma entrevista concedida a um programa jornalístico televisivo do Estado.
Não se observa, em face dos depoimentos colhidos das testemunhas e do réu (fls. 138, 152, 153 e 168), a intenção de atingir diretamente a honra da vítima, mas de relatar o que o então prefeito propalava como fato que lhe inocentaria das imputações em face das quais se discutia a sua cassação.
A ofensa, se ocorrente, decorrera da imputação feita pelo então prefeito, esta sim ofensiva à honra da vítima, pois relatava a obtenção de uma vantagem indevida com a atuação imprópria do magistrado.
Não ficou evidenciada, da mesma forma, que a informação reproduzida pelo recorrido se mostrava falsa (pare ele), já que o prefeito, réu no processo de cassação no TRE, afirmava ser ela verdadeira, não somente ao apelado, como a outros munícipes, em caráter reservado, como se colhe do depoimento de José Ferreira Costa Oliveira (fl. 138), circunstância que afasta a consciência da falsidade pelo suposto ofensor, elemento que integra o tipo penal e que mais reforça a ausência do elemento volitivo.
Tal o contexto, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal.
É o voto.
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