Notícia publicada no site do Superior Tribunal Militar (STM) no dia 03 de outubro de 2019 (leia aqui), referente ao Recurso em Sentido Estrito nº 7000573-62.2019.7.00.0000.
A corte do Superior Tribunal Militar (STM) entendeu, por unanimidade, haver indícios de autoria e materialidade contra um civil acusado do crime de estelionato, previsto no artigo 251 do Código Penal Militar (CPM). Baseada nisso, acatou um recurso em sentindo estrito ajuizado pelo Ministério Público Militar (MPM) e determinou que o juiz de primeira instância receba a denúncia contra o acusado.
O documento acusatório narra que, em dezembro de 2015 e fevereiro de 2016, foram celebrados, respectivamente, o contrato e o termo aditivo, para o fornecimento de sete geradores de campanha, entre a empresa do civil e a Marinha do Brasil. Os aparelhos foram fornecidos ao Comando de Material de Fuzileiros Navais, com sede no Rio de Janeiro (RJ), após um pregão eletrônico.
A aquisição do material teve como justificativa o planejamento para o emprego dos geradores nas unidades de Fuzileiros Navais durante as Olimpíadas Rio 2016. No entanto, ao serem empregados, os equipamentos não funcionaram como deveriam. Após realizada perícia por técnicos, constatou-se que embora as placas externas do aparelho indicassem uma potência, ele possuía outra bastante inferior.
Diante da suspeita de que o material fornecido estava em desacordo com o contratado, foi aberto um Inquérito Policial Militar (IPM), posteriormente encaminhado ao MPM, com um laudo pericial que informava um prejuízo de R$ 133 mil reais à Administração Militar. Com base no documento, o MPM denunciou o representante e administrador da empresa, alegando que o mesmo agiu com dolo para ludibriar a Marinha, uma vez que mesmo ciente da ilicitude, não ressarciu o Erário e sequer substituiu os geradores, o que o enquadra na suposta prática do crime de estelionato.
A denúncia foi rejeitada pelo juiz da 2ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM) – 1ª instância da Justiça Militar no estado do Rio – sob os argumentos de que, embora a perícia tenha constatado a divergência entre o contratado pela Marinha e o material entregue, tal falha permaneceu oculta para os militares. De acordo com o juiz, o problema também era desconhecido do denunciado, já que o mesmo não é o produtor ou fabricante dos geradores, adquirindo-os da forma como os entregou à Administração Militar, com a visibilidade apenas da especificação técnica afixada na parte externa.
O magistrado também apontou que houve, de fato, prejuízo à referida Organização Militar, estando isso provado nos autos. Por outro lado, ressaltou que “não foram apresentados indícios mínimos de autoria contra o denunciado, havendo nos autos como base para a imputação tão somente o fato de que o denunciado exerceu a gestão e a representação da pessoa jurídica na referida licitação perante a Marinha do Brasil pelo menos desde 6 de julho de 2015. “Apesar da sugestão de autoria delitiva contra o denunciado, não há apontamentos razoáveis da demonstração do elemento anímico”, destacou o magistrado.
Inconformado com esse entendimento, o MPM recorreu ao STM explicando que a decisão deveria ser cassada, uma vez que as circunstâncias narradas na denúncia constituem o lastro probatório mínimo necessário ao recebimento da denúncia, e que o restante será elemento de prova no curso da ação penal.
Por sua vez, a defesa sustentou a manutenção da rejeição da denúncia por entender não existir nos autos a demonstração de participação do recorrido.
No STM, o recurso foi julgado pelo ministro Francisco Joseli Parente, que discorreu que o delito de estelionato se aperfeiçoa como figura típica quando o agente cria, com engenhosidade, um mecanismo apto a iludir, surpreendendo sua boa-fé, seja mediante ação ou omissão.
No julgamento do ministro, a entrega dos materiais em desconformidade, bem como a possível tentativa de “maquiar” a verdadeira potência dos geradores ou o fato de saber que se tratava de material diferente daquele contratado, juntamente com o êxito de receber a contraprestação da administração, pode configurar o delito.
“Verificando-se os autos, é possível notar que há indícios de que o recorrido, sabendo das irregularidades, mantendo sua proposta, entregou o material e recebeu o dinheiro da administração. Dessa forma, tem-se que os equipamentos entregues pelo acusado, representante e administrador da empresa, tinham etiquetas que indicavam tratar-se de equipamentos condizentes com as especificações editalícias, contudo, durante o uso e quando da abertura para perícia, verificou-se que, na realidade, tratava-se de equipamento com capacidade para operar em 30Kva e não em 70Kva, como preconizava o edital”, ressaltou.
Joseli Parente explicou ainda que os indícios de materialidade se verificam no Termo de Referência para aquisição dos geradores, no laudo pericial e nas notas fiscais, enquanto o de autoria estão na procuração, no depoimento e na assinatura da proposta de preços.
“Ademais, ao se deparar com a existência do crime e com os indícios de sua autoria, deve-se receber a exordial. Dessa forma, nessa fase, vige o postulado do in dubio pro societate, que tem como base a ideia de que, em regra, devem ser apurados os fatos, em nome do interesse maior da sociedade, ou seja, defere-se o prosseguimento da ação penal para que a instrução processual comprove a existência ou não de crime. Dessa forma, dou provimento ao recurso ministerial para o recebimento da denúncia contra o civil, assim como determino a baixa dos autos para o regular processamento do feito”, determinou o ministro do STM.
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