STJ: valoração das condenações criminais transitadas em julgado
No REsp 1.794.854-DF, julgado em 23/06/2021, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente”.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No que concerne à fixação da pena-base, é certo que o Julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato delituoso e aspectos inerentes ao agente, obedecidos e sopesados todos os critérios legais para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime, sobrepujando as elementares comuns do próprio tipo legal.
No art. 59 do Código Penal, com redação conferida pela Lei n. 7.209/1984, o legislador elencou oito circunstâncias judiciais para individualização da pena na primeira fase da dosimetria, quais sejam: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias, as consequências do crime e o comportamento da vítima.
Ao considerar desfavoráveis as circunstâncias judiciais, deve o Julgador declinar, motivadamente, as suas razões, que devem corresponder objetivamente às características próprias do vetor desabonado. A inobservância dessa regra implica ofensa ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição da República.
No caso, analisa-se a possibilidade de condenações criminais transitadas em julgado serem valoradas para desabonar os vetores personalidade e conduta social.
A doutrina diferencia detalhadamente antecedentes criminais de conduta social e esclarece que o legislador penal determinou essa análise em momentos distintos porque “os antecedentes traduzem o passado criminal do agente, a conduta social deve buscar aferir o seu comportamento perante a sociedade, afastando tudo aquilo que diga respeito à prática de infrações penais”. Especifica, ainda, que as incriminações anteriores “jamais servirão de base para a conduta social, pois abrange todo o comportamento do agente no seio da sociedade, afastando-se desse seu raciocínio seu histórico criminal, verificável em sede de antecedentes penais”.
Quanto ao vetor personalidade do agente, a mensuração negativa da referida moduladora “‘deve ser aferida a partir de uma análise pormenorizada, com base em elementos concretos extraídos dos autos, acerca da insensibilidade, desonestidade e modo de agir do criminoso para a consumação do delito […]’ (HC 472.654/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 11/3/2019)” (AgRg no REsp 1.918.046/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 19/04/2021).
“A jurisprudência da Suprema Corte (e a do Superior Tribunal de Justiça) orienta-se no sentido de repelir a possibilidade jurídica de o magistrado sentenciante valorar negativamente, na primeira fase da operação de dosimetria penal, as circunstâncias judiciais da personalidade e da conduta social, quando se utiliza, para esse efeito, de condenações criminais anteriores, ainda que transitadas em julgado, pois esse específico aspecto (prévias condenações penais) há de caracterizar, unicamente, maus antecedentes” (STF, RHC 144.337-AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 22/11/2019).
Em conclusão, o vetor dos antecedentes é o que se refere única e exclusivamente ao histórico criminal do agente. “O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo do que o da reincidência, abrange as condenações definitivas, por fato anterior ao delito, transitadas em julgado no curso da ação penal e as atingidas pelo período depurador, ressalvada casuística constatação de grande período de tempo ou pequena gravidade do fato prévio” (AgRg no AREsp 924.174/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/12/2016).
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
DOUTRINA
(1) “[é] o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc. O magistrado precisa conhecer a pessoa que estará julgando, a fim de saber se merece uma reprimenda maior ou menor, daí a importância das perguntas que devem ser dirigidas ao acusado, no interrogatório, e as testemunhas, durante a instrução. […]. A apuração da conduta social pode ser feita por várias fontes, mas é preciso boa vontade e dedicação das partes envolvidas no processo, bem como do juiz condutor da instrução. Em primeiro lugar, é dever das partes arrolar testemunhas, que possam depor sobre a conduta social do acusado. Tal medida vale para a defesa e, igualmente, para a acusação. O magistrado, interessado em aplicar a pena justa, pode determinar a inquirição de pessoas que saibam como se dava a conduta do reu, anteriormente a prática do crime. É natural que a simples leitura a folha de antecedentes não presta para afirmar ser a conduta do acusado boa ou ruim. Mesmo no caso de existirem registros variados de inquéritos arquivados, processos em andamento ou absolvições por falta de provas, há ausência de substrato concreto para deduzir ser o reu pessoa de má conduta social. Afinal, antes de mais nada, prevalece o princípio constitucional da presunção de inocência. Se ele não foi condenado criminalmente, com trânsito em julgado, e considerado inocente e tal estado não pode produzir nenhuma medida penal concreta contra seu interesse. Entretanto, conforme o caso, tanto a acusação, como o próprio juiz, podem valer-se da folha de antecedentes para levantar dados suficientes, que permitam arrolar pessoas com conhecimento da efetiva conduta social do acusado. Lembremos que conduta social não é mais sinônimo de antecedentes criminais. Deve-se observar como se comporta o réu em sociedade, ausente qualquer figura típica incriminadora.” (Nucci, Guilherme de Sousa, Código Penal Comentado, 18.ª ed. rev., atual. e ampl; Rio de Janeiro: Forense, 2017, pp. 389).
(2) “trata-se do conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. ‘A personalidade tem uma estrutura muito complexa. Na verdade é um conjunto somatopsíquico (ou psicossomático) no qual se integra um componente morfológico, estático, que é a conformação física; um componente dinâmico-humoral ou fisiológico, que é o temperamento; e o caráter, que é a expressão psicológica do temperamento (…) Na configuração da personalidade congregam-se elementos hereditários e socioambientais, o que vale dizer que as experiências da vida contribuem para a sua evolução. Esta se faz em cinco fases bem caracterizadas: infância, juventude, estado adulto, maturidade e velhice” (GUILHERME OSWALDO ARBENZ, Compêndio de medicina legal). É imprescindível, no entanto, haver uma análise do meio e das condições onde o agente se formou e vive, pois o bem-nascido, sem ter experimentado privações de ordem econômica ou abandono familiar, quando tende ao crime, deve ser mais severamente apenado do que o miserável que tenha praticado uma infração penal para garantir a sua sobrevivência. Por outro lado, personalidade não é algo estático, mas encontra-se em constante mutação. […]. Estímulos e traumas de toda ordem agem sobre ela. Não é demais supor que alguém, após ter cumprido vários anos de pena privativa de liberdade em regime fechado, tenha alterado sobremaneira sua personalidade. O cuidado do magistrado, nesse prisma, é indispensável para realizar justiça. São exemplos de fatores positivos da personalidade: bondade, calma, paciência, amabilidade, maturidade, responsabilidade, bom humor, coragem, sensibilidade, tolerância, honestidade, simplicidade, desprendimento material, solidariedade. São fatores negativos: maldade, agressividade (hostil ou destrutiva), impaciência, rispidez, hostilidade, imaturidade, irresponsabilidade, mau-humor, covardia, frieza, insensibilidade, intolerância (racismo, homofobia, xenofobia), desonestidade, soberba, inveja, cobiça, egoísmo. […]. Segundo nos parece, a simples existência de inquéritos e ações em andamento, inquéritos arquivados e absolvições por falta de provas não são instrumentos suficientes para atestar a personalidade do réu. Em verdade, não servem nem mesmo para comprovar maus antecedentes. Aliás, personalidade distingue-se de maus antecedentes e merece ser analisada, no contexto do art. 59, separadamente. Por isso, é imprescindível cercar-se o juiz de outras fontes, tais como testemunhas, documentos etc., demonstrativos de como age o acusado na sua vida em geral, independentemente de acusações no âmbito penal. Somente após, obtidos os dados, pode-se utilizar o elemento personalidade para fixar a pena justa.” (Nucci, Guilherme de Sousa, Código Penal Comentado, 18.ª ed. rev., atual. e ampl; Rio de Janeiro: Forense, 2017, pp. 390).
(3) “Por conduta social quer a lei traduzir o comportamento do agente perante a sociedade. Verifica-se o seu relacionamento com seus pares, procura-se descobrir seu temperamento, se calmo ou agressivo, se possui algum vício, a exemplo de jogos ou bebidas, enfim, tenta-se saber como é o seu comportamento social, que poderá ou não ter influenciado no cometimento da infração penal.
Importante salientar que conduta social não se confunde com antecedentes penais, razão pela qual determinou a lei sua análise em momentos distintos. Alguns intérpretes, procurando, permissa vênia, distorcer a finalidade da expressão conduta social, procuram fazê-la de “vala comum” nos casos em que não conseguem se valer dos antecedentes penais para que possam elevar a pena-base. Afirmam alguns que se as anotações na folha de antecedentes criminais, tais como inquéritos policiais ou processos em andamento, não servirem para atestar os maus antecedentes do réu, poderão ser aproveitados para fins de aferição da conduta social. Mais uma vez, acreditamos, tenta-se fugir às finalidades da lei. Os antecedentes traduzem o passado criminal do agente, a conduta social deve buscar aferir o seu comportamento perante a sociedade, afastando tudo aquilo que diga respeito à prática de infrações penais. Assim, se inquéritos em andamento não poderão servir para fins de verificação de maus antecedentes, da mesma forma não se prestarão para efeitos de aferição de conduta social. Pode acontecer, até mesmo, que alguém tenha péssimos antecedentes criminais, mas, por outro lado, seja uma pessoa voltada à caridade, com comportamentos filantrópicos e sociais invejáveis.
Concluindo, não podemos confundir conduta social com antecedentes penais. Estes jamais servirão de base para a conduta social, pois abrange todo o comportamento do agente no seio da sociedade, afastando-se desse seu raciocínio seu histórico criminal, verificável em sede de antecedentes penais.” (Rogério Greco, Curso de Direito Penal, 18.ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2016, pp. 683-684).
LEGISLAÇÃO
Art. 59, Código Penal;
Art. 93, IX, Constituição Federal de 1988
Fonte: Informativo de Jurisprudência – Edição Especial de Direito Penal nº 4 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – leia aqui.
Leia também:
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STJ: Condenações passadas não podem ser usadas para desvalorar personalidade ou conduta social