STJ: tráfico, causa de diminuição de pena e processos em curso
Recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para motivar o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06.
Trata-se do EREsp 1.431.091-SP, de relatoria do Ministro Felix Fischer, julgado, por maioria, no dia 14 de dezembro de 2016. A decisão está no informativo nº 596.
A divergência consistia na análise da dedicação às atividades criminosas, o que inviabilizaria a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06. Especificamente, o cerne do conflito seria a possibilidade ou não da utilização de inquéritos policiais ou ações penais em curso como justificativa para decidir que o réu se dedica às atividades criminosas, o que é acolhido pela Quinta Turma do STJ, mas afastado pela Sexta Turma.
Para a maioria dos Ministros, é cabível a valoração dos inquéritos policiais e das ações penais em curso, porque o princípio da presunção de inocência não é absoluto. Além disso, consideraram que haveria violação ao princípio da individualização da pena se fosse aplicada a causa de diminuição da pena indistintamente a quem é acusado por fatos anteriores e àquele que em uma única oportunidade da vida se envolveu com drogas.
Por fim, os Ministros ressaltaram que não estavam estabelecendo uma regra que impediria a causa de diminuição de pena sempre que o réu estivesse sendo investigado ou acusado por outro fato criminoso. Trata-se apenas da possibilidade de que o Magistrado considere, no caso concreto, se há ou não dedicação a atividades criminosas.
Entendo ser criticável esse posicionamento.
De início, é imperativo ressaltar que a presunção de inocência não se coaduna com essa análise. Como afirmar que alguém se dedica às atividades criminosas se ainda não há reconhecimento de crime, o que só pode ser feito mediante decisão judicial com trânsito em julgado?
A súmula nº 444 do STJ, ainda aplicável, dispõe: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.”
Com base no enunciado dessa súmula, se não se pode aumentar a pena em razão de inquéritos policiais e ações penais em curso, também não seria possível impedir a diminuição da pena por esse fundamento.
Ora, impedir a incidência de uma causa de diminuição de pena tem o mesmo efeito prático de aumentar a pena-base em virtude dos maus antecedentes. Na verdade, as consequências são ainda mais gravosas. Se os inquéritos policiais e as ações penais em curso fossem considerados como maus antecedentes (circunstância judicial), haveria uma pequena majoração da pena. Por outro lado, ao se impedir a diminuição da pena por esse fundamento, deixa-se de reduzi-la de um sexto a dois terços, o que é significativamente mais gravoso.
Esse não é o único caso em que há um desvirtuamento do princípio constitucional da presunção de inocência.
O Superior Tribunal de Justiça também tem entendimento considerando ser possível o reconhecimento de falta grave em virtude do cometimento de fato definido como crime doloso durante a execução penal independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Noutros termos, admite a punição por falta grave na execução penal com a mera apuração (inquérito policial ou ação penal em curso) de que o apenado praticou um crime doloso, conforme ementa a seguir:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C DO CPC. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. FATO DEFINIDO COMO CRIME DOLOSO.
TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. DESNECESSIDADE.
1. O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato.
2. Recurso especial representativo de controvérsia provido para afastar a nulidade proclamada e reconhecer a prática de falta grave independentemente do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 1336561/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/09/2013, DJe 01/04/2014)
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