delação acordo de colaboração premiada

Evinis Talon

STJ: terceiro delatado tem o direito de impugnar a validade do acordo de colaboração premiada

07/06/2024

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STJ: terceiro delatado tem o direito de impugnar a validade do acordo de colaboração premiada

No REsp 1.954.842-RJ, julgado em 14/05/2024, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que o terceiro delatado tem o direito de impugnar a validade do acordo de colaboração premiada, o que pressupõe o direito de acessar as gravações das tratativas e da audiência de homologação do acordo pelo juiz, a fim de verificar a legalidade, a regularidade e a voluntariedade do colaborador ao assinar o instrumento de colaboração.

Informações do inteiro teor:

De acordo com o art. 3º-A da Lei n. 12.850/2013, o acordo de colaboração premiada tem natureza jurídica híbrida e consubstancia, a um só tempo, negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova.

Uma vez que o acordo de colaboração premiada também é meio de obtenção de prova e, por isso, serve de instrumento para a coleta de elementos incriminatórios contra terceiros e atinge a esfera jurídica deles, é natural que esses terceiros tenham interesse e legitimidade para impugnar não apenas o conteúdo de tais provas, mas também a legalidade da medida que fez com que elas aportassem aos autos.

Não é apenas o conteúdo das provas fornecidas pelo delator que interfere na esfera jurídica do acusado, porquanto é só por meio do acordo de colaboração que as provas são obtidas. Assim, essas provas só podem ser valoradas se o acordo que levou até elas também for válido. Comparativamente, por exemplo, em uma busca e apreensão (outro meio de obtenção de prova), é indiscutível que os indivíduos prejudicados pela medida podem questionar tanto a sua validade – mesmo quando amparada em autorização judicial – quanto o conteúdo das provas colhidas por meio dela.

Obstar essa possibilidade de questionamento pelo terceiro delatado com base no postulado civilista da relatividade dos negócios jurídicos implicaria inadmissível cerceamento de defesa e, por consequência, abriria margem para a ocorrência de abusos, porque conferiria a legitimidade para impugnação dos acordos tão somente àqueles que mais têm interesse na sua preservação: Ministério Público e colaborador. Aliás, mesmo no direito privado, o princípio da relatividade dos negócios jurídicos vem sendo constantemente mitigado à luz da função social do contrato – em sua eficácia externa -, especialmente quando atinge direitos de terceiros, justamente para evitar que aquele que não participou voluntariamente do negócio alheio seja indevidamente prejudicado.

Isso significaria, hipoteticamente, que, se fossem oferecidos benefícios indevidos ao delator a fim de obter a incriminação de terceiro e a medida fosse chancelada pelo magistrado, nada poderia ser feito para questionar o acordo. Da mesma forma, se o colaborador fosse coagido a delatar alguém e, para não perder os benefícios, deixasse de impugnar a avença, ninguém mais poderia fazê-lo caso o Juiz não identificasse a coação ao homologar o acordo.

Ao determinar que deverá “o juiz ouvir sigilosamente o colaborador”, o art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/2013 não estabelece uma regra perpétua quanto à restrição da publicidade do ato. Trata-se, apenas, de preservar aquele momento incipiente da investigação, em que o sigilo se faz necessário para assegurar a eficácia de diligências em andamento, as quais podem ser frustradas se o indivíduo delatado tiver acesso a elas.

Todavia, oferecida e recebida a denúncia, a regra volta a ser a que deve imperar em todo Estado Democrático de Direito, isto é, publicidade dos atos estatais e respeito à ampla defesa e ao contraditório, nos termos do art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.850/2013: “O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese”.

Esse dispositivo, embora se refira expressamente apenas ao acordo e aos depoimentos do colaborador, também deve ser aplicado às tratativas – obrigatoriamente gravadas por imposição do § 13 do art. 4º – e à audiência de homologação do acordo, em virtude da mesma lógica: recebida a denúncia, o sigilo excepcional perde a razão de existir e cede espaço à regra da necessária publicidade dos atos estatais, assim como do respeito ao contraditório e à ampla defesa, exceto quanto às diligências em andamento que possam ter sua execução prejudicada pela revelação das informações.

No caso, o Tribunal de origem determinou que o Juízo singular fornecesse à defesa do réu – indivíduo delatado – o acesso aos vídeos e às atas das audiências realizadas com os colaboradores, a fim de que ela pudesse analisar a legalidade, a regularidade e a voluntariedade das colaborações.

Não há ilegalidade a ser reconhecida no acórdão, uma vez que o réu delatado tem legitimidade para questionar a validade do acordo de colaboração do delator – o que pressupõe o acesso às tratativas e à audiência de homologação – e o sigilo não mais se justifica, porque a denúncia já foi recebida e nenhum risco concreto a diligências em andamento foi apontado.

De todo modo, nada impede que, constatando a pendência de alguma diligência sigilosa, o Juízo singular preserve, pontualmente, com fundamentação concreta, o sigilo dela, mas sem vedar indefinidamente, em abstrato e de antemão, o acesso da defesa à totalidade das tratativas do acordo e à audiência de homologação.

 INFORMAÇÕES ADICIONAIS:

LEGISLAÇÃO

Lei n. 12.850/2013, art. 3º-A, art. 4º, § 7º e § 13, art. 7º, § 3º

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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –  Edição nº 814 – leia aqui.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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