STJ: suspeição por inimizade entre juiz e advogado (Informativo 740)
No AREsp 2.026.528-MG, julgado em 07/06/2022, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “a hipótese excepcional do art. 256 do CPP somente pode ser reconhecida se o magistrado ou o Tribunal, atendendo a elevado ônus argumentativo, demonstrar de maneira inequívoca que o excipiente provocou dolosamente a suspeição”.
Informações do inteiro teor:
Inicialmente, pontua-se que não há controvérsia fática quanto à inimizade entre o advogado e o julgador, que é inclusive admitida por este último. O debate limita-se a questões processuais que, na ótica da Corte local, impediriam o reconhecimento da suspeição, mesmo diante da inimizade já conhecida pelo próprio Tribunal de origem, a saber: (I) a inexistência de procuração constituindo o advogado inimigo do magistrado como defensor do réu; (II) o fato de o mesmo causídico já ter laborado em outras ações sem suscitar a suspeição do juiz; e (III) a suposta existência de manobra defensiva para provocar o afastamento do julgador.
A Corte estadual e o magistrado excepto têm adotado postura errática, ora reconhecendo a suspeição nos processos em que o advogado atua, ora rejeitando-a. Essa situação, além de violar os mandamentos de estabilidade e coerência contidos no art. 926 do CPC, dificulta a tarefa deste Tribunal Superior e prejudica não só a posição jurídica da defesa, mas a própria eficiência do processo penal em si.
A imparcialidade do juiz é uma garantia fundamental do processo penal democrático, sem a qual é verdadeiramente impossível construir uma solução jurídica adequada para cada caso concreto. O próprio plexo de garantias funcionais da magistratura elencado no art. 95 da CR/1988 e disciplinado nos arts. 24 a 35 da LC n. 35/1979, aliás, guarda íntima relação com a preservação da imparcialidade, por proteger o magistrado contra pressões externas que poderiam afetar sua isenção decisória.
Como hipótese extraordinária que é, a superação da suspeição na forma do art. 256 do CPP exige do julgador que a reconhecer a exposição idônea e minudente dos fundamentos que lhe levaram a constatar a comprovação de uma manobra de má-fé da parte excipiente. Não cabem, aqui, argumentos genéricos, intuições, conjecturas ou desconfianças: para a aplicação do art. 256 do CPP, o magistrado deve declinar precisamente o porquê de enxergar, na conduta do excipiente, a criação dolosa de uma hipótese de suspeição.
No caso, o único fato efetivamente imputado pelo Tribunal ao defensor foi sua suposta habilitação tardia na causa, como se esse fato tivesse alguma relação com o art. 256 do CPP. Ora, a lei não estabelece nenhum marco temporal final para o ingresso de representantes processuais, que podem se habilitar no processo a qualquer tempo, inclusive nas instâncias superiores. No presente caso, o que o aresto impugnado narra é simplesmente o acréscimo de um advogado à defesa do réu, quando o feito ainda tramitava em primeiro grau de jurisdição, em seus estágios iniciais.
Se a simples habilitação do advogado nos autos fosse suficiente para atrair a aplicação do art. 256 do CPP, até mesmo seu direito fundamental à liberdade profissional (art. 5º, XIII, da CR/1988) ficaria prejudicado, porque somente poderia exercer sua atividade advocatícia em processos fora da competência territorial do juízo excepto. Isso ofende, igualmente, a prerrogativa fundamental da advocacia contida no art. 7º, I, da Lei n. 8.906/1994, que assegura ao advogado o direito de “exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional”.
O que a legislação determina é o completo oposto: com o reconhecimento da suspeição, é o juiz quem se remove da causa, nos termos do art. 99 do CPP, não cabendo atribuir ao advogado – sem lei autorizadora – a obrigação de afastar-se preventivamente dos processos conduzidos pelo magistrado suspeito, que seria o resultado prático decorrente da interpretação conferida pelo Tribunal de origem ao art. 256 do CPP.
Como se sabe, o art. 266 do CPP permite a constituição de defensor pelo réu em audiência, mesmo sem a apresentação de instrumento da mandato. Trata-se da conhecida designação apud acta, peculiaridade do processo penal que privilegia a instrumentalidade das formas e a ampla defesa, facilitando o exercício da atividade advocatícia pela remoção de entraves burocráticos, diante da inequívoca manifestação de vontade da parte em constituir seu representante. O art. 266 do CPP excepciona, assim, a regra geral de outorga de poderes ao advogado por escrito.
Este STJ também já validou, por diversas vezes, a aplicabilidade atual do art. 266 do CPP, que resistiu ao teste do tempo e passou incólume pelas diversas reformas do CPP, sem revogação tácita ou expressa de seu teor.
Finalmente, o fato de o advogado não ter suscitado a suspeição do magistrado em outros processos também não é fundamento bastante para, por si só, permitir que o Judiciário feche os olhos a tão grave vício de parcialidade.
Fora das estritas hipóteses legais de superação da suspeição – excepcionalíssimas por natureza, como disse há pouco -, não é dado ao julgador criar formas de convalidação dessa deficiência na validade processual. Se há alguma contradição na atuação do advogado ao não suscitar a suspeição enquanto representava outros clientes em outros processos, essa é uma questão a ser dirimida entre o causídico e seus representados, ou entre ele e a OAB, do ponto da eficiência de seu desempenho profissional. Por isso, seria possível pensar, em tese, numa eventual responsabilidade civil ou disciplinar do advogado por alguma deficiência no trabalho que prestou em outros processos, caso algum de seus clientes tenha sofrido prejuízo por um suposto lapso profissional.
Veja aqui o vídeo do julgamento.
Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição 740 – leia aqui.
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