Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1050816/SP, julgado em 01/12/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. JÚRI. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE. PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA SOBRE A SOBERANIA DOS VEREDITOS E COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. 1. Havendo o Tribunal de origem consignado que a solução condenatória contrariou a evidência dos autos, inviável rever o entendimento do Tribunal, porquanto importaria em reexame do acervo fático-probatório dos autos, procedimento vedado em recurso especial, por força do enunciado sumular n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Diante do conflito entre os princípios da soberania dos vereditos e da dignidade da pessoa humana, ambos sujeitos à tutela constitucional, cabe conferir prevalência a este, considerando-se a repugnância que causa a condenação de um inocente por erro judiciário (REsp 964978/SP). 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (REsp 1050816/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 15/12/2016)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Admissibilidade
O recurso é tempestivo, mas não preenche, em sua integralidade, os demais requisitos de admissibilidade, nos termos a seguir demonstrados.
II. Divergência jurisprudencial baseada em acordão proferido em habeas corpus no mesmo tribunal
O recorrente alega dissídio pretoriano em relação ao acórdão paradigma oriundo dos autos do HC n. 16.621/SP, julgado por esta Corte Superior de Justiça.
Com minhas ressalvas sobre o tema, anotadas no voto em que fiquei vencido no AgRg nos EDcl no Recurso Especial n. 1.120.334/MG (2009/0099400-0), esclareço que “a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à impossibilidade de acórdão proferido em sede de habeas corpus, mandado de segurança e recurso ordinário servir de paradigma para fins de alegado dissídio jurisprudencial, ainda que se trate de dissídio notório, eis que os remédios constitucionais não guardam o mesmo objeto/natureza e a mesma extensão material almejados no recurso especial”. (AgRg no EREsp n. 998.249/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 3ª S., DJe 21/9/2012).
Assim sendo, o recurso especial não pode ser conhecido sob a alínea “c” do permissivo constitucional.
III. Contextualização
Depreende-se dos autos que o recorrido foi condenado, pelo Tribunal do Júri da Comarca da Capital, por infração ao art. 121, § 2º, III, do Código Penal, à pena de 12 anos de reclusão, em regime integralmente fechado.
Irresignado com a condenação, interpôs apelação criminal com fulcro no art. 593, III, do Código de Processo Penal, alegando ser a decisão manifestamente contrária à prova dos autos. O Tribunal de origem negou provimento ao recurso, para manter na íntegra a sentença condenatória.
Com o trânsito em julgado da ação penal, o ora recorrido formulou pedido de revisão criminal, para desconstituir o acórdão da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento à apelação criminal interposta contra sentença condenatória.
O Tribunal de origem deferiu o pedido revisional e absolveu o recorrido, com fundamento no art. 621, I, do Código de Processo Penal.
Assentou-se, na referida decisão, que (fls. 41-45):
1. O pedido comporta conhecimento. O requerente procura demonstrar que inexistiam provas seguras quanto à autoria do delito imputado, o que equivale a dizer que a decisão condenatória mostrou-se contrária à evidência dos autos, uma das hipóteses em que se admite a revisão. E em se afirme que o peticionário repisa os mesmos argumentos já deduzidos no desenrolar do feito, pois o que a lei veda é a mera reiteração do próprio pedido revisional, conforme dispõe o art. 622, parágrafo único, do Código de Processo Penal, e não a repetição das alegações já apreciadas no curso do processo, ainda que em grau de recurso. 2. Segundo consta dos autos, César Henrique cumpria pena na Casa de Detenção de São Paulo e, na data dos fatos, por motivo ignorado, valendo-se de faca improvisada, deferiu diversos golpes no também detento Severino João Jordão Filho, produzindo-lhe ferimentos que o levaram à morte. Em juízo, nas três oportunidades em que foi ouvido, o requerente negou a autoria do crime e, com coerência, forneceu os mesmos esclarecimentos. Disse que se encontrava na Casa de Detenção há pouco tempo e, ao cumprir a incumbência que lhe fora dada de recolher o lixo, avistou oito presos encapuzados esfaqueando a vítima. Como desconhecia a regra da cadeia de que não poderia passar pelo local nessas circunstâncias, foi obrigado pelos verdadeiros autores, sob ameaça de morte, a carregar o corpo do ofendido e a assumir a prática do homicídio (fls. 54, 146 e 293/294). A versão do requerente foi corroborada, sob o contraditório, pelos detentos Fábio Francisco Terra (fI. 156), Cláudio Aparecido Rubin (fI. 157 e 295/297) e Rodrigo Flauzino (fís. 158 e 298/299). Todos ressaltaram que o comentário generalizado no presídio fora o de que César teria sido obrigado a assumir a autoria do delito porque flagrado transitando pelas galerias, não obstante a norma interna de que tal não pode ocorrer quando alguém está marcado para morrer. Os agentes penitenciários Valter Moedano Caram (fi. 148) e Luiz Roberto Viana (fi. 149) informaram que o peticionário, portando a faca improvisada, logo apresentou-se como o autor do homicídio. Nenhuma testemunha ratificou a auto-acusação. Acrescentaram que se tratava de preso com “comportamento exemplar”, nunca criando transtornos. Também salientaram que, por determinação da direção, em casos semelhantes, os detentos ficavam trancados em suas celas até que um deles admitisse a prática do crime. Verifica-se, assim, que os elementos constantes dos autos apenas ratificam a versão do requerente, pois os testemunhos dos agentes penitenciários, a rigor, tão-somente reproduzem a auto-acusação do requerente, cuja voluntariedade, justamente, foi desmentida pelas demais pessoas ouvidas. Além disso, segundo informaram as testemunhas, César e Severino eram amigos, não se conhecendo qualquer desentendimento entre ambos. Outro significativo detalhe conduz à convicção de que César nada teve a ver com o homicídio. O agente Valter, em juízo, foi incisivo ao afirmar que as vestes do peticionário, quando de sua apresentação espontânea, não estavam sujas de sangue. Considerando que a vítima recebeu quarenta golpes de faca por todo o corpo, conforme laudo de fls. 130/132, e foi arrastada por dois andares do pavilhão, parece pouco provável que seu agressor não viesse a apresentar nenhum resquício de sangue. Mas não é só. O Conselho de Sentença afastou a prática do crime falso testemunho pelo detento Cláudio Aparecido. Logo, embora condenando o réu, admitiu, contraditoriamente, ser verdadeira a afirmativa de que todos no presídio souberam que não fora ele o autor do homicídio. Diante de tal quadro, de absoluta fragilidade, possível afirmar que a solução condenatória contrariou a evidência dos autos. Vale ressaltar que o próprio relator do acórdão da apelação consignou, com todas as letras, que “é possível que o apelante tenha mesmo sido coagido a reivindicar para si a autoria”. Mas não acolheu o recurso porque a decisão não seria “manifestamente” contrária à prova dos autos. Veja-se que o veredicto foi tomado por apertada maioria de votos de quatro a três. Se o argumento é válido em sede de apelação, não se mostra aplicável quando se trata de revisão criminal, instrumento processual exclusivo da defesa e, portanto, de garantia da liberdade, tal qual a instituição do júri, igualmente prevista na Constituição entre os direitos individuais do cidadão. Consoante já ressaltado por este E. Tribunal, em acórdão relatado pelo mesmo Desembargador que apreciou a apelação interposta pelo ora requerente, “é admissível a revisão de sentença condenatória proferida pelo Tribunal do Júri, pois a alegação de que o deferimento do pedido feriria a ‘soberania dos veredictos’ não se sustenta. A expressão é técnico-jurídica e a soberania dos veredictos é instituída como uma das garantias individuais, em benefício, pois, do réu, não podendo ser atingida enquanto preceito para garantir sua liberdade. Não pode ser, dessa forma, invocada contra ele. Aliás, a Constituição consagra também o princípio da amplitude da defesa, com os recursos a ela inerentes (art. 50, LV), situando-se dentre eles a revisão criminal. Em verdade, a finalidade do Júri é ampliar o direito de defesa, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares. (…)a soberania dos veredictos tem o sentido de impossibilidade de outro órgão jurisdicional modificar a decisão dos jurados, para absolver o réu condenado, ou condenar o réu absolvido pelo Tribunal do Júri, produzindo efeito no processo enquanto relação jurídico-processual não decidida. Assim, transitada em julgado a sentença do juiz-presidente, é cabível a revisão do processo findo, e o que foi decidido na esfera revisional não fere a soberania do Júri” (RT 804/551). Na mesma linha, Tourinho Filho salienta que “à primeira vista pode parecer estranho, em face da soberania dos veredictos, possa a segunda instância rever decisão proferida pelo tribunal popular. É certo que a instituição do júri, com as suas decisões soberanas, está prevista no art. 50, XXXVIII, da CF, vale dizer, no capítulo dos direitos e garantias individuais. Não é menos certo que a Lei Maior tutela e ampara, de maneira toda especial, o direito de liberdade, tanto que lhe dedica todo um capítulo. Assim, entre manter a soberania dos veredictos intangível e procurar corrigir um erro em benefício da liberdade, obviamente o direito de liberdade se sobrepõe a todo e qualquer outro, mesmo porque as liberdades públicas, notadamente as que protegem o homem do arbítrio do Estado, constituem uma das razões do processo de organização democrática e constitucional do Estado. Se a revisão criminal visa, portanto, à desconstituição de um sentença condenatória com trânsito em julgado, vale dizer, se é um remédio jurídico processual que objetiva resguardar o direito de liberdade, há de sobrepor-se ao princípio da soberania” (Código de Processo Penal Comentado, Saraiva, 1997, vol. 2, p. 369). 3. Frente ao exposto, defere-se o pedido para absolver César Henrique Terra com fundamento no art. 621, 1, do Código de Processo Penal. Expeça-se alvará de soltura clausulado em seu favor.
IV. Negativa de vigência ao art. 621, I, do Código de Processo Penal
É certo que “a fundamentação baseada apenas na fragilidade das provas produzidas não autoriza o e. Tribunal a quo a proferir juízo absolutório, em sede de revisão criminal, pois esta situação não se identifica com o alcance do disposto no art. 621, inciso I do CPP, que exige a demonstração de que a condenação não se fundou em uma única prova sequer, daí ser, portanto, contrária à evidencia dos autos (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso)” (REsp n. 1111624/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, 5ª T., DJe 16/11/2009)
Muito embora o recorrente alegue existirem “ponderáveis evidências que incriminam seriamente o imputado, não havendo suporte para a inferência a que chegou o acórdão recorrido” (fl. 61), observa-se, pela leitura do acórdão impugnado, que o Tribunal a quo, de forma exaustiva, demonstrou que, na hipótese, a decisão foi contrária à evidência dos autos, o que permite a sua admissão, com fulcro no art. 621, I, do Código de Processo Penal.
Com efeito, o Tribunal de origem, após minucioso exame do caderno probatório, concluiu que “a solução condenatória contrariou a evidência dos autos” (fl. 44) e “que os elementos constantes dos autos apenas ratificam a versão do requerente, pois os testemunhos dos agentes penitenciários, a rigor, tão-somente reproduzem a auto-acusação do requerente, cuja voluntariedade, justamente, foi desmentida pelas demais pessoas ouvidas” (fl. 43).
Nesse sentido, a Corte de origem consignou que “nenhuma testemunha ratificou a auto-acusação” (fl. 43) e que “o agente Valter, em juízo, foi incisivo ao afirmar que as vestes do peticionário, quando de sua apresentação espontânea, não estavam sujas de sangue” (fl. 43). Ressaltou que “o Conselho de Sentença afastou a prática do crime de falso testemunho pelo detento Cláudio Aparecido” (fl. 43).
Dessa forma, inviável rever tal entendimento, porquanto afirmar, como quer o recorrente, a existência de elementos mínimos a sustentar a condenação, importaria em reexame do acervo fático-probatório dos autos, procedimento vedado em recurso especial, por força do enunciado sumular n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.Nesse sentido:
[…] 3. O exame do arcabouço probatório deve ser feito nas instâncias ordinárias, não competindo a esta Corte Superior de Justiça, que não constitui instância revisora, o reexame das provas dos autos. […] (AgRg no REsp n. 1154436/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 17/12/2012)
V. Negativa de vigência ao art. 626 do CPP
Alega o recorrente, ainda, que, “embora o art. 626 do CPP admita, em sede de revisão criminal, a absolvição do revisando, quando a sentença condenatória for contrária à evidência dos autos, é vedado ao Tribunal alterar a decisão do Conselho de Sentença” (fl. 83), pois, nos crimes dolosos contra a vida, não pode a instância revisora absolver o réu condenado; deve apenas anular a decisão para submetê-lo a novo julgamento, sob pena de usurpar a soberania do Tribunal do Júri.
É cediço que a Constituição Federal determinou ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os a eles conexos, conferindo-lhe a soberania de seus vereditos.
Todavia, tem-se admitido, na doutrina e na jurisprudência, que, nos processos oriundos do Tribunal do Júri, o juízo revisional pode absolver (inclusive, obviamente, os crimes conexos), desqualificar, desclassificar, anular o julgamento e alterar a pena. Isso porque a revisão criminal também é considerada uma garantia constitucional – pode ser definida como o meio de que se vale o condenado para desfazer injustiças e erros judiciários, consolidados por decisão transitada em julgado.
Com efeito, merece destaque a lição de Ada Pelegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, ao tratarem da matéria aqui debatida:
Discutiu-se, durante algum tempo, se o princípio constitucional da soberania das decisões do Tribunal do Júri impediria a revisão da sentença condenatória por ele proferida. Mas hoje não resta dúvida de que a soberania dos veredictos é preceito estabelecido como garantia do acusado, podendo ceder diante de norma que visa exatamente a garantir os direitos de defesa e a própria liberdade. (Recursos no Processo Penal. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 249).
Heráclito Antonio Mossin também esclarece que:
A liberdade individual quando coartada por uma decisão do júri, em que revelado restou o erro judiciário, deve sobrepor-se a qualquer soberania por mais imperiosa que seja ela, porquanto essa decantada soberania acaba por ferir e tangenciar a própria administração da justiça, o que é plenamente inadmissível e inaceitável. (MOSSIN, Heráclito Antonio, 1997, apud ANSANELLI JUNIOR, Angelo. O Tribunal do Júri e a soberania dos veredictos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 135).
Para Antonio Scarance Fernandes:
É firme a orientação na doutrina e na jurisprudência de que o Tribunal de Justiça, pode, em sede de revisão criminal, absolver o réu condenado pelo Tribunal do Júri, com o argumento de que a revisão criminal é garantia implícita da Constituição e, entre as duas garantias, deve prevalecer a mais favorável à liberdade, no caso a garantia da revisão sobre a garantia da soberania dos veredictos. (FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 182).
O autor, na obra acima citada, menciona, ainda, vários outros doutrinadores que também entendem ser possível, na revisão criminal, a absolvição do réu condenado pelo júri – José Frederico Marques, Hermínio Alberto Marques Porto, James Tubenchlak, Fernando da Costa Tourinho Filho, Magalhães Noronha, Mirabete e Greco Filho – e ressalva que têm sido poucas as vozes contra a orientação francamente majoritária, citando: Geraldo Luís Wohlers e Guilherme de Souza Nucci.
A questão relativa à competência dos Tribunais de exercer tanto o juízo rescindente como o juízo rescisório nas revisões criminais oriundas do Tribunal do Júri também já foi debatida nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal.
Para esta Sexta Turma, “É possível, em sede de revisão criminal, a absolvição, por parte do Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri.” (AgRg no REsp 1.154.436/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 17/12/2012).
Em outro julgado, a Sexta Turma também asseverou que “A revisão criminal objetiva proteger o jus libertatis” e concluiu que ” O Tribunal competente para julgar a Revisão Criminal pode, analisando o feito, confirmar a condenação, ou, no juízo revisional, alterar a classificação do crime, reduzir a pena, anular o processo ou mesmo absolver o condenado, nos termos do art. 626 do CPP”. (REsp n. 1.304.155/MT, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Ministra Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 1º/7/2014)
Nesse sentido, também julgou a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça:
[…] 1. É possível, em sede de revisão criminal, a absolvição, por parte do Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri 2. Em homenagem ao princípio hermenêutico da unidade da Constituição, as normas constitucionais não podem ser interpretadas de forma isolada, mas como preceitos integrados num sistema unitário, de modo a garantir a convivência de valores colidentes, não existindo princípios absolutos no ordenamento jurídico vigente. 3. Diante do conflito entre a garantia da soberania dos veredictos e o direito de liberdade, ambos sujeitos à tutela constitucional, cabe conferir prevalência a este, considerando-se a repugnância que causa a condenação de um inocente por erro judiciário. 4. Não há falar em violação à garantia constitucional da soberania dos veredictos por uma ação revisional que existe, exclusivamente, para flexibilizar uma outra garantia de mesma solidez, qual seja, a segurança jurídica da Coisa Julgada. 5. Em uma análise sistemática do instituto da revisão criminal, observa-se que entre as prerrogativas oferecidas ao Juízo de Revisão está expressamente colocada a possibilidade de absolvição do réu, enquanto a determinação de novo julgamento seria consectário lógico da anulação do processo. 6. Recurso a que se nega provimento. (REsp n. 964.978/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Rel. p/ Acórdão Ministro Adilson Vieira Macabu, Desembargador convocado do TJ/RJ, 5ª T., DJe 30/8/2012)
O Supremo Tribunal Federal, ao discutir a matéria em decisão bastante esclarecedora, concluiu que “O Tribunal de segunda instância, ao julgar a ação de revisão criminal, dispõe de competência plena para formular tanto o juízo rescindente (‘judicium rescindens’), que viabiliza a desconstituição da autoridade da coisa julgada penal mediante invalidação da condenação criminal, quanto o juízo rescisório (‘judicium rescissorium’), que legitima o reexame do mérito da causa e autoriza, até mesmo, quando for o caso, a prolação de provimento absolutório, ainda que se trate de decisão emanada do júri, pois a soberania do veredicto do Conselho de Sentença, que representa garantia fundamental do acusado, não pode, ela própria, constituir paradoxal obstáculo à restauração da liberdade jurídica do condenado. Doutrina. Precedentes” (ARE 674.151/MT, Rel. Ministro Celso de Mello, DJe 18/10/2013).
Como pode se extrair da doutrina e da jurisprudência acima citadas, privilegia-se a liberdade em detrimento da decisão soberana dos jurados. Isso porque estamos diante de dois conflitos: o da soberania dos vereditos, ao rescindir a decisão dos jurados, e o da dignidade da pessoa humana, ao privar injustamente a liberdade do cidadão.
Nessas hipóteses, “em que os princípios se intercruzam”, diz Ronald Dworkin, “tem que se levar em conta a força relativa de cada um”. (DWORKIN, Ronald, 2002, apud ANSANELLI JUNIOR, Angelo. O Tribunal do Júri e a soberania dos veredictos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 107).
Angelo Ansanelli Junior entende que:
Nesses casos, em que os juízes leigos condenam outro cidadão sem que existam provas suficientes para tanto (e se baseiam em virtude de outros fatores que não as provas dos autos), patente está a violação do princípio da dignidade da pessoa humana. E, por isso, deve ser admitida a revisão criminal, para que a magistratura togada possa corrigir tais injustiças. Desta forma, sustentamos a possibilidade de revisão criminal das decisões do Tribunal do Júri, desde que, no caso concreto, inexistam quaisquer provas ou sejam estas precárias. Ou, ainda, que se constate que os juízes leigos condenaram o réu com base em outros critérios, por nós já mencionados. (Op. cit. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 139).
É permitido, portanto, ao Tribunal de segunda instância, ao julgar a revisão criminal, absolver o réu, ainda que se trate de decisão emanada do júri, quando ficar evidente nos autos não haver sido o réu o autor do crime doloso contra a vida, porquanto a soberania dos vereditos não pode se sobrepor à dignidade da pessoa humana.
Então, na hipótese deste processo, não há que falar em violação do art. 626 do CPP, pois, o Tribunal paulista, com base na doutrina e na jurisprudência dominantes, entendeu por absolver o ora recorrido, exatamente porque considerou que “a solução condenatória contrariou a evidência dos autos” (fl. 44). Rever tal entendimento, como ressaltado no item anterior, acarretaria revolvimento de provas, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
VI. Dispositivo
À vista do exposto, conheço em parte do recurso especial, mas nego-lhe provimento, para manter o decisum proferido em revisão criminal.
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